segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

PERDOE-ME

Perdoe-me porque você me traiu. Você, logo você com quem dividi comida e abrigo, e sonhos, pra quem contei segredos. E ouvi segredos, perdão porque os guardei no fundo do coração, sagrados que são os seus para mim; e não os revelarei nem mesmo sob tortura.

Perdão porque me distrai de nós dois e deixei que vozes de maldade chegassem aos seus ouvidos; e porque não lhe expliquei meus motivos. Devia, devia ter quebrado a barreira de seu castelo e invadido para lhe explicar por que. Perdão porque me calei quando, surpresa, vi que seu olhar não me via. Eu devia ter me descabelado, corrido nua pela rua, chamado a polícia, sei lá, devia. Ter feito você me ouvir, ter aberto uma estrada com meu desespero para que você soubesse. Perdão por ter me refugiado na minha dor, e chorado em bicas em noites estreladas, por ter visto você me odiar aos pouquinhos, e eu, quieta, com medo de piorar tudo. Perdão por não ter lhe dito que entenderia qualquer coisa que quisesse me dizer, qualquer verdade sangrenta seria mais doce que o ódio que você vi  nos seus olhos da última vez; e permitir que você visse em mim algo que não era eu. Eu devia ter gritado e chorado mais ainda.

Perdoe-me por ter deixado você me trair.

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