MAGIA
Tarde
de chuva prometida depois de almoço tardio, ela chega carregando o cesto de
roupas sujas. “Onde boto, mamãe?” Jogue no chão da área e empurre pra baixo da
passadeira... já vou ver ...”Quero almoço, café, lanche, tudo o quanto há, tô
com fome, muita!” Preparei uma pratada de comida, pus no forno; enchi um
tabuleiro de pão-de-queijo congelado, botei água pra ferver. Pode ser café
solúvel? “Pode.”
O
canto de sempre na mesa da cozinha se encheu de comida pouco depois. Belisquei
um café, enquanto esperei. O que você pretende fazer? Perguntei me referindo a
mudanças recentes da vida dela. “Vou ficar com você um pouco, tenho um
compromisso a noite. E você, o que vai fazer?” Vou continuar assistindo a uma série
coreana que está no pause...Respondi
pensando que a pergunta não teve a intenção de ser tão imediatista, mas valeu assim
mesmo.
Fomos
pro escritório depois que ajeitei a cozinha; ela se sentou na cadeira de
ouvinte e me esparramei na costumeira cadeirona, estiquei as pernas sobre um
puf, abri o computador... e fiquei admirando a moça ao meu lado lendo o livro
que trouxera. Ela tinha marcador de páginas, marcador de texto, régua...e
estava concentrada, tanto...Ah, bora pro meu quarto? Cansei.
Ela
se jogou sobre a colcha desarrumada assim que amontoei as roupas recém
recolhidas do varal. Ajeitei os travesseiros, peguei o tablet, botei o telefone
perto... e me voltei para o rosto concentrado na leitura. ‘Tá gostando? “Tô
amando. Um dos melhores que li em toda minha vida...” Foi como se a tivesse
tirado de um transe. Falou do autor, da ideia básica “fato que aconteceu na
Segunda Guerra Mundial...” leu os pontos marcados, “criatividade”,
“profundo”... Tem filme antigão com esse tema não tem? “A ponte do Rio Kwai?”
Não sei...
E
a tarde se foi, veio a noite, a moça ajeitou com cuidado a roupa limpa no
porta-malas do carro e saiu gritando muitas vezes, “te amo”. Fechei a porta da
rua com precisão, atravessei a cozinha agora imersa em quietude, subi as
escadas sem acender as luzes, devagar, degrau por degrau, saboreando a delicia
de uma tarde de chuva que nem veio.
2020
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