segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

MAGIA

Tarde de chuva prometida depois de almoço tardio, ela chega carregando o cesto de roupas sujas. “Onde boto, mamãe?” Jogue no chão da área e empurre pra baixo da passadeira... já vou ver ...”Quero almoço, café, lanche, tudo o quanto há, tô com fome, muita!” Preparei uma pratada de comida, pus no forno; enchi um tabuleiro de pão-de-queijo congelado, botei água pra ferver. Pode ser café solúvel? “Pode.”

O canto de sempre na mesa da cozinha se encheu de comida pouco depois. Belisquei um café, enquanto esperei. O que você pretende fazer? Perguntei me referindo a mudanças recentes da vida dela. “Vou ficar com você um pouco, tenho um compromisso a noite. E você, o que vai fazer?” Vou continuar assistindo a uma série coreana que está no pause...Respondi pensando que a pergunta não teve a intenção de ser tão imediatista, mas valeu assim mesmo.

Fomos pro escritório depois que ajeitei a cozinha; ela se sentou na cadeira de ouvinte e me esparramei na costumeira cadeirona, estiquei as pernas sobre um puf, abri o computador... e fiquei admirando a moça ao meu lado lendo o livro que trouxera. Ela tinha marcador de páginas, marcador de texto, régua...e estava concentrada, tanto...Ah, bora pro meu quarto? Cansei.

Ela se jogou sobre a colcha desarrumada assim que amontoei as roupas recém recolhidas do varal. Ajeitei os travesseiros, peguei o tablet, botei o telefone perto... e me voltei para o rosto concentrado na leitura. ‘Tá gostando? “Tô amando. Um dos melhores que li em toda minha vida...” Foi como se a tivesse tirado de um transe. Falou do autor, da ideia básica “fato que aconteceu na Segunda Guerra Mundial...” leu os pontos marcados, “criatividade”, “profundo”... Tem filme antigão com esse tema não tem? “A ponte do Rio Kwai?” Não sei...

E a tarde se foi, veio a noite, a moça ajeitou com cuidado a roupa limpa no porta-malas do carro e saiu gritando muitas vezes, “te amo”. Fechei a porta da rua com precisão, atravessei a cozinha agora imersa em quietude, subi as escadas sem acender as luzes, devagar, degrau por degrau, saboreando a delicia de uma tarde de chuva que nem veio.

2020 

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