segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

 

CONFISSÃO

Oi, Mamãe! Hoje troquei um dos vasos de cebolinha. Fiz tudo como você me ensinou: cortei as cebolas com cuidado sem deixar que sujassem de terra, coloquei num saquinho pra usar no feijão. Também afofei a terra toda antes de furar novos buracos, acrescentei cascas de ovos que vinha guardando, observei as distâncias, nem perto nem longe: perto demais uma planta tira a energia da outra; longe demais sentem falta, arremedo da teoria que gosto muito de plantas companheiras...

Também dei aquele aperto com os dedos ao redor da muda plantada pra fincá-la bem mas não muito apertado pra não quebrar as hastes frágeis. Joguei terra solta depois por cima do murundu, um a um. Cada muda nova recebeu um gole de água, apenas no pé delas pra não aguar pragas, né? Você me ensinou assim. Regar a planta bem rente a ela também economiza água, outra coisa que sempre me lembro você me ensinou enquanto segurava todos os pratos com uma das mãos e os enxaguava num fio de água com a outra. Isso aprendi, e assim faço.

Também mudei o vaso de lugar. Descobri que as cebolinhas amam o sol, olha só, assim como eu. O coloquei bem no meio do pátio branco perto de um vaso de manjericão com flores em penca; gosto de tocar nas folhas macias pra exalarem o cheiro doce. Tão bom se o mundo tivesse sempre cheiro de manjericão.

Agora, Mamãe, confesso, uma coisa fiz diferente de você: ao invés de replantar apenas as mudas graúdas e viçosas, distribui todas entre grandes e pequenas fortes e raquíticas, todas que tinham um fio de raiz. Quis dar chance a cada uma de usar a própria energia pra driblar as intempéries que viriam a seguir. Claro que tomei o cuidado de cobrir as coisinhas lindas com um tabuleiro velho assim que vi as nuvens negras no céu. Tudo demais estraga.

E o vaso ficou lindo, fiquei ali, parada, cismando: não é assim, Mamãe, o mundo dos homens? Creio que muitos que nascem recebem “terra, água e sol” o bastante pra aprenderem das próprias forças e seguirem pela vida afora quando chegasse a hora, é assim?  

Pensei assim, Mamãe, depois que vi como ficou lindo o vaso de cebolinhas: se fiz tudo que aprendi como sendo o jeito certo, tenho a garantia de que as cebolinhas vão crescer fortes e sadias?

 

Brasília, DF, 13 de dezembro de 2020.

Nenhum comentário: