sexta-feira, 31 de julho de 2009

REVOADA

Não. Não poderia escrever aquilo para ele; não poderia transferir a responsabilidade que era minha, então, apaguei a mensagem, melhor, parte dela; ficou apenas o “obrigada por tudo” brilhando no escuro, na tela do celular. Não poderia pedir socorro assim tão diretamente: iria parecer dramático demais, mais teatral do que a simplicidade da vida exige. Sim, simples, tento me convencer de que sair de casa para ir morar longe é simples, a gente é que complica tudo.
Me convenço que sim, que se complica tudo, quando misturamos a necessidade de trabalhar para ter a dignidade de viver à própria custa; quando temos a ultrapassada idéia de que pais devem ficar em casa até que os filhos resolvam sair; quando nos pomos a ruminar “até que ponto somos necessários aos filhos”? "Quando devemos parar de vigiá-los para que comecem a crescer?" Acho que essas são dúvidas de todos os pais e não sou diferente disso, por isso, me vi nessa encruzilhada quando descobri em que pé estavam as coisas entre o namorado e minha filha morena. Daí pensei em enviar uma mensagem, olhem até onde pode ir a interferência de uma mãe. É porque coincidiu minha saída com crise de namoro e fiquei sobre brasas quentes imaginando que minha filha enfrentaria duas grandes batalhas ao mesmo tempo. E aí vai minha imaginação... fico preocupadíssima com a menina frágil. Hum! Menina frágil, essa aí quando cisma de fazer ela faz mesmo, sem dó!
Então, na primeira vez que voltei em casa, vi que o namoro, de mais de três anos, estava balançando e que minha filha poderia estar muito só – como se isso fosse coisa que eu controlasse, olha a pretensão! - Não me senti bem de imaginar que justo agora eu me afastava – fui para o interior por uns tempos juntando que eu precisava esfriar a cabeça e minha mãe precisava de um pouquinho de atenção, e outros detalhes menores. Então, eis que, nesse caso, fiquei com medo de que fossem coisas demais para ela lidar. Achei que o namorado atencioso iria estar por perto para apoiá-la nisso; assim, o contrário me deixou apreensiva. Comecei a rever minhas razões para ir viver no interior: ir a tudo caminhando sem ter que dirigir um carro; plantar um jardim ou um pomar ou uma floresta para marcar minha passagem; ficar com minha mãe por uns tempos coisa que não fazia em razão de tantos compromissos na cidade grande. Taí outra razão: a cidade grande de stress de trânsito, de correria, de precisar ter grana para viver decentemente. Vida cara essa hoje em dia de cidade grande, e há oportunidades para os jovens, mas nem tantas para o não tão jovens e daí senti que poderia tentar...
Essas são algumas das razões de partir para o interior, armar a tenda, arrumar emprego. Virei a minha história do avesso: agora ao invés de passar férias no interior vou para a capital, encontrar meu povo querido. Nada de mais não é? Simples assim. Mas não, nunca é simples assim.
A minha é uma família linda, e por muitos anos, ficamos o mais perto possível uns dos outros. A vida nos dividiu um dia e, ultimamente, na casa, agora, só moravam quatro mulheres cheias de esperanças. O dia a dia nos mostrou, entretanto, que não teríamos como pagar o preço de vivermos todas na Capital Federal ao custo que isso representa. Devagarinho, meu coração foi acreditando que sair poderia mostrar diferentes oportunidades, então, quando fiz contato com a faculdade da cidade de minha mãe, fui convidada a trabalhar nela. Aceitei, pedi demissão do emprego na capital e fiz as malas.
Então, eu não estaria no dia a dia, para as pequenas coisas; o que acho ser uma vantagem, talvez um tempo em perspectiva para nós, para nos vermos diferentemente, para nos respeitarmos mais até, pensei. A realidade não é simples assim, percebo agora. Isso porque o que parece ser mesmo fato é a família se desintegrando com os pedaços se perdendo na imensidão da história humana. Como uma nebulosa que se esfacela no espaço, nos distanciamos, nos dispersamos, nos soltamos do centro; como partes se dirigindo, tremulamente, para o vazio. Talvez cada parte consiga se aproximar de fragmentos diferentes e daí possa nascer outra estrela; quem sabe haverá novos encontros e se forme novos núcleos.
Por outro lado, vejo agora, que se um dia tudo dependia de mim, hoje não: essa é a ordem natural das coisas e é mesmo simples, basta deixá-la acontecer. Além disso, se fiz bem o trabalho, meus filhos estarão prontos para se soltarem de verdade do núcleo, aliás, estarão ansiosos por isso confiantes que deverão ser em si mesmos. Se ensinei o suficiente, meus amores estarão se soltando alegremente desses galhos já não tão poderosos e alçando seus vôos solos; estarão fortes o suficiente para buscarem seus próprios roteiros, suas próprias galáxias. E ainda serei também suficiente para me cuidar, viver bem e apreciar isso tudo.
Uma visão dessas só é possível, entretanto, se o amor estiver muito claro, se a confiança foi construída com sólidos elementos, e com a convicção de que o amor não está sujeito aos rigores da geografia, aliás, para ele, o “longe é um lugar que não existe”.
Além disso, me lembrei da história da borboleta: estava tentando tirar a segunda asa do casulo, cujo esforço faria com que fosse possível voar. Um garoto passando por perto achou que a borboleta precisava de ajuda e quebrou o casulo. A segunda asa não estava pronta e isso impediu que a borboleta voasse para sobreviver. Moral da história: até a ajuda, fora de hora, pode atrapalhar o bom desenvolvimento das coisas.
Foi por essas reflexões que apaguei parte da mensagem. A parte que dizia “não desista dela; ela vale, e muito, a pena.” Teria sido uma interferência lamentável, uma total falta de confiança, e de respeito para com a moça, atrapalhando-a na busca pela solução, a seu modo, dos próprios problemas. Não poderia fazer isso, nem com ela nem com seus irmãos que também têm suas dificuldades, mas confio que têm suficientes recursos para “voarem com as próprias asas”; além do que me permite usar o que resta das minhas para suportar apenas meu próprio peso agora. Mesmo porque, nada nos impede de voarmos juntos sempre que os ventos nos permitirem.

Por
Magda R M de Castro
Brasília, DF, 25/07/2009.