quarta-feira, 13 de abril de 2016

TARDE DE OUTONO


Ë uma quarta-feira de outono, de comecinho de abril. O sol desce rápido fazendo as sombras se alongarem por paredes e chão da cozinha. A cafeteira distraída sobre o granito negro do balcão vira um monstro cabeçudo refletido nos grãozinhos da textura próxima aos vidros do jardim de inverno.
Duas ou três folhas verdes pintadas de branco, gigantes, brilham na claridade redobrada da luz do entardecer: são as primeiras penumbras da noite que se aproxima. “Que planta linda é essa?” Pergunto pra Déda. – “É a comigo ninguém pode.” – “Mas grande desse jeito?” – “Pois é; joguei uma folhinha aí no vaso e ela gostou...” – Explica Déda já virando a esquina do corredor e imbicando pela porta da frente. É hora de limpar mais uma vez o pátio branco. Dois labradores bagunceiros tinham espalhado cascas de mexerica, terra dos vasos, xixi, cocô; se não limpar agora ninguém suporta a sala mais tarde.
De onde estou vejo a cozinha toda, o jardim de inverno, o corredor, parte dos móveis da sala, os janelões de vidro escancarados lá na frente. A luz lá fora ainda é ofuscante, mais ainda pelo contraste com as sombras que se avolumam pelas paredes e pisos clarinhos. Um vento fresco e firme sacode as ramas do “dólar em penca” e faz tilintar as pedrinhas do presente do Jean. É como uma cantiga de duas notas apenas: duas pedras restam do artefato que está pendurado ali há muitos anos. Como o grilo que estrila noites a fio, a ciranda de duas notas lembra o tempo se resvalando por entre as janelas transparentes e as folhas verdes agigantadas. Faz tanto que ele se foi; e deixou as fatias de pedra penduradas tilintando ao vento, contando o tempo, avisando que há mudanças à espreita.
De onde estou vejo o mundo lá fora, parte dele, ainda iluminado; sinto a frescura do vento decidindo o outono; acompanho as sombras em meio à luz; ouço o murmúrio do vento; respiro o ar agora desinfetado que irrompe pelas passagens sem nem pedir licença. De onde estou vejo detalhes da mesa sempre posta: a garrafa bojuda branca tem um fio escuro de café, dois jogos de xícara/pires/pratinho descansam sobre consoles imaculados; esses, por sua vez descansam sobre limpíssimo forro de poliéster amarelo, que ainda rescende a sabão. Uma bandeja com alças guarda açucareiro, adoçantes, manteiga, colheres pequenas, facas de pão. Uma fruteira bem grande está cheia de limões verdíssimos: acabaram de ser comprados na feira.
De onde estou descanso: o corpo, a alma, o passado. De onde estou imagino o futuro que se prepara para acontecer, então, me sirvo mais uma xícara de café com três gotas de adoçante, mesmo porque, agorinha, a noite já está confortável e inexoravelmente instalada em todos os cantos que vejo de onde estou.
Por Magda Castro

Brasília/DF, 13 de abril de 2016.