quarta-feira, 7 de abril de 2010

OS CAMINHOS DO AMOR

No final de semana prolongado fui viajar com minha irmã. Imagine horas e horas de nós duas pelas estradas do Brasil atravessando cidades, rios, matas ou descampados. A conversa girou sobre tudo, mas, principalmente, sobre nossos filhos e netos. Com a nossa idade, digo, idade de mulheres com filhos adultos já com vidas próprias, é lógico que a conversa circulou ao redor deles; acho até: ficaram com as orelhas quentes. De conquistas, desafios, desencontros, encontros falamos de nossos tesouros. Vez ou outra, falamos de nós duas: nossa história, nossos desafios, a maioria vencidos com garra e determinação. De íntimos falamos pouco. A intimidade é coisa complicada de revelar, mas um fato de que rimos muito foi quando minha irmã ficou vermelha que nem um tomate: numa das reuniões de família, falou-se de sexo.
Esse é grande tabu mesmo em tempos de tantas bandeiras despregadas, mas o que sexo significa para cada um, entretanto, é outra conversa. Já de amor temos mais liberdade para falar; e olha que esse tem mais significados ainda. Agora, se o sexo mudou de tempos prá cá, com a liberdade de escolha, principalmente, o amor continua dando panos prá manga. Ele pode até acabar em sexo, ou começar com ele, mas um dia ele é invocado seja porque foi se desenvolvendo ou porque foi minguando.
Nessa viagem, fizemos tanta coisa que até parece mentira: visitas, almoços, jantares, sobe serra, desce colina, passa na poeira e escorrega no barro. E, observando bem, tínhamos mais uma companhia: o amor. Ele esteve sempre onde estávamos, em todos os momentos; em vários aspectos, de diferentes imagens. Por exemplo: no começo da viagem de ida e no começo da viagem de volta, invocamos a proteção divina: minha irmã pegou meu braço avisando: “segura o volante, não se preocupe, que vou fazer uma oração.” Em voz alta, ela discorreu sobre todos os santos e anjos; chamou os nomes dos “filhos e netos”, pediu luz para nossa aventura. Ela reza bonito, tem o jeito certo de falar com Deus através de seus santos conhecidos. A oração parecia inundar nosso pequeno carro: e os trajetos foram tão perfeitos que parecia estarmos elevadas do chão.
Em nossa cidade, visitamos diferentes lugares: uma casinha simples, uma fazenda, uma casa moderna, uma loja de amigos antigos, uma festa. Passamos juntas por ruas que nos viu andar rumo às escolas, um dia; revimos nossa Matriz, nossa Capelinha, os nossos horizontes. E conversamos muito; ora nós duas, ora com nossa mãe, ora com mais gente, irmãos, amigos, vizinhos. Se fosse contar os detalhes de tudo que fizemos em quatro dias daria um livro grosso.
Mas como disse antes, em todas as conversas tinha amor; nalgumas seu nome não foi manifestado, noutras foi escancarado. Não se falou de amor na visita ao casal com neném recém-nascido: o sentimento pairava no ar. Também não se falou de amor, ou da falta dele, onde ele não estava, mas sua falta foi sentida. Foi possível dizer “também te amo”, ou “obrigada pelo que fez por mim quando eu fazia xixi na cama”, ou “nunca me esquecei de você”, ou “sinto muito a falta de vocês: são como meus filhos...”.
Também falamos de amor com nossa querida Mãe, tão velhinha, mas que se mantém em seu mundo apesar de nossas pressões para que viva com a gente por uns tempos. Não, essa é a opinião dela, “tenho meus remédios, os exames, o controle da diabetes, quem sabem num outro dia...” E o coração da gente, apertadinho, sente que esse dia pode nunca chegar.
Voltando, fomos pegas de surpresa quando um rapaz, desses “Para e Siga” de construção de estradas, nos cumprimentou enquanto esperávamos a placa de “Siga” numa altura do caminho: “Oi, mulheres!” Simples assim, o moço disse. Nós duas, as mulheres com quem ele falava, ficamos ali, sem saber se aquilo era ruim ou bom demais: ser abordadas tão de leve, tão lindamente, sem nenhuma intenção. Ele ficou na beira da pista segurando um rádio e a placa; e nós dentro do carro, caladas e confusas: o que significa aquilo “oi, mulheres!”?
Do que falamos de amor e fé, de filhos e dos amores dos filhos durou a viagem toda. Do lado de minha irmã, a filha teve um bebê, mas dizia ser o pai apenas um amigo, logo, não queria se casar. Queria se formar primeiro. Agora, chega a formatura, o pai do bebê ronda sua vida com cuidados tanto com a menina quanto com a mãe. Há perspectivas de que uma amizade boa ampare outros sentimentos bons.
Também o filho de minha irmã espera um bebê da namorada que não namorava mais. Tinha carinho, claro, mas não o suficiente para um compromisso além. O compromisso, entretanto, de cuidar do filho que chega é um laço invisível que o segura suavemente junto à jovem. Ficarão juntos os pais desse novo ser que vem aí? Eles se amam? Perguntas que nenhuma de nós ousa sugerir respostas. Vejo que o coração de minha irmã, e o meu por tabela, crê que vencerá o melhor.
Do meu lado, admiro minha primeira filha que escolheu um companheiro e ambos andam por aí buscando os sonhos em comum. Os filhos chegaram com alegria e o dia a dia os vem envolvendo em laços de ternura. No final desse ano terminam, juntos, o mesmo curso superior, por exemplo.
A caçula daqui de casa é profundamente apaixonada por um rapaz encantado. É lindo vê-los descobrindo, juntos, o que cada um quer ser quando crescer.
A filha morena andou arredia com o namorado de muitos anos; caiu aqui, chorou ali, quicou nas paredes, fugiu. Quando cheguei em casa, na tarde dessa viagem, me disse simplesmente: “Mãe, tô vendo o fulano”. Na voz, sempre controlada, um leve colorido; algo do que eu sentia falta há algum tempo.
Um dos meus filhos se separou, no começo desse ano, de uma família mimosa. Foram meses de cuidados para não aprofundar feridas, nem de lá nem de cá, mas meu coração já pertencia a todos sem distinção e a situação estava dolorosa mesmo. Num dia qualquer, entretanto, se falaram verdadeiramente e o amor foi recordado. Se casam em breve, para fortalecer o que já era indestrutível.
Tanto amor rondando, circulando, vibrando; e fazendo vibrar tanto a quem amamos como a nossos próprios significados. O que acredito perceber é que o amor, em infinitos modelos, ainda cabe nos corações. Creio que nem mesmo a mais fina tecnologia, ou a mais cruel das intenções, tem poder eterno sobre o amor. Sua força pode ser sentida, sua ausência também, mas ele está onde deve estar; e não o vê apenas os que não se interessam por ele. Ou melhor, os que acham que não se interessam por ele. Sim, porque amor é coisa que não se precisa acreditar para sabê-lo lá, ao contrário, para saber do amor, sentir é o bastante.
Por
Magda R M de Castro
Brasília, DF, 05 de abril de 2010.