segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

 

DE FLOR

Tava eu atribulada com o que fazer com a calçada do fundo da casa porque é onde passa o cano que leva a água da chuva que cai do telhado direto pro asfalto... fiquei  uns dias observando o movimento de carros na rua e, pensando, pensando no que fazer.

As casas são geminadas com seis metros de distância, mas há uma área para movimentação de pedestres e carros para cada casa antes da rua. Só que todos os vizinhos se apropriaram dessa área e o espaço de manobra que sobrou rente a rua foi só o meu, daí, carros, caminhões, camionetes, motos, bicicletas sobem na calcada da minha casa. O piso caprichado, mas barato, que foi colocado lá não aguentou nadinha o sobe e desce de carros, assim, o consertei muitas vezes.

O último conserto foi agora em dezembro, o piso havia cedido e obstruía as caixas de esgoto e gordura que vão pra rede pública e já estava até perigoso tamanho o buraco. Esperei o décimo terceiro pra consertar, consertei as caixas, troquei canos quebrados e arrematei de cimento grosso. Ah, foi só tirar a proteção de cimento fresco que os estragos recomeçaram.

Certa manhã, eu estava à janela, cuidando das mini rosas, quando o motorista de um jeep manobrou em cima do cano e quebrou um pedaço do piso novo. Gritei do segundo andar pro motorista usar apenas a parte da manobra, a mais baixa da calçada, mas ele apenas me olhou enquanto fazia sinal obsceno com o dedo e foi embora acelerando.

Eis porque eu estava pensando, pensando. Sem grana pra fincar um cano com corrente, sugestão dos vizinhos, ou colocar um banco, minha sugestão, pra proteger o lugar, me lembrei da mensagem que fala mais ou menos assim: “de onde você está agora, com o que você tem agora, faça o que puder fazer agora...” Tipo isso.

Juntei vasinhos de plástico, preparei porção de terra bem adubada, uma tábua velha, resto de tinta azul piscina e montei tudo na beirinha da rua. O pedestre continuaria com o espaço e os motoristas teriam que manobrar só na parte destinada às manobras mesmo, o cano ficaria protegido.

Tudo preparado, vasos azuis sobre tábua, terra nos vasos, fiquei uns dias observando os vasinhos sem semente: “vou ver no que dá...” Ficaram lá os vasinhos em silêncio, debaixo de sol e chuva, de dia e de noite, por quatro dias e nem se moveram do lugar. Ontem resolvi colocar sementes de flor, botei mais terra, o envelope de sementes espetei num palito de churrasco e finquei bem à vista, “anão de jardim”, e escrevi, FLOR, no que sobrou da tábua em azul piscina.

Até agora estão lá, do jeitinho que coloquei. Vez ou outra dou uma olhada... “vamos ver no que dá”...

Brasília, DF, 31 de dezembro de 2017

DE FLOR – 3 DIAS DEPOIS: réquiem para os vasinhos

O evento se deu entre 17 e 20 horas de ontem. Sei disso porque olhei pela janela antes de descer pra preparar o lanche da tarde, eles estavam lá, agora, 8 da noite quando subi de volta e olhei pela janela de novo, oh!!! Eles não estavam mais lá. Meu cérebro não conseguia administrar a informação negativa: NÃO ESTÁO lá!!!

Tive q que repetir até inverter pra: OS VASINHOS SUMIRAM. Desci correndo... juntei os restos de terra, coloquei a tábua pintada FLOR em azul piscina de volta em cima do cano de escoamento da água de chuva que cai no telhado enquanto repetia: OS VAZINHOS SUMIRAM!! OS VAZINHOS SUMIRAM... com semente e tudo. Ponto. Fim.

Brasília, DF, 03/01/2018

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