domingo, 1 de maio de 2016

PALAVRA Poesia


Uma palavra: a palavra, a primeira
quebra o gelo. Quebra o silêncio. Povoa o vazio.
De uma palavra, nasce outra palavra:
nasce o riso. Nasce o verbo; a ação, a consequência.

A primeira palavra indica caminho, saída, encontro...
A do adeus é a última palavra; e se não é palavra, é gesto, expressando uma.
A segunda palavra: a resposta, concordando ou negando.
É o silêncio, o vazio, a distância, se não for entendimento.



segunda-feira, 25 de abril de 2016

SUSTENTABILIDADE COMEÇA EM CASA

É milenar a filosofia, se é que se pode chamar assim, de o ser humano ter um comportamento, ou discurso, para quando está na rua e outro para quando está dentro de casa.
A primeira coisa que fazemos quando chegamos do mundo lá fora é jogar, literalmente, os sapatos a um canto e relaxar. Relaxar da organização, das regras sociais, das convenções, códigos, leis comuns. Em casa, somos os donos, os imperadores, determinamos nossos destinos, mandamos, comandamos; e ninguém tem nada com isso.
Há um ditado que diz que “por detrás da nossa porta...” tudo é permitido. Nada que fazemos em casa é da conta do vizinho. Em briga de vizinho, faça de conta que não viu! O mundo lá fora é diferente do que vivemos entre nossas paredes; e nós também somos.
Ocorre que são outros tempos, esses que vivemos nas primeiras décadas do século XXI. Aquele sossego que tínhamos de nos esconder atrás de nossos muros, a ilusão de imaginar que nossas ações só dizem respeito a nós mesmos, não existem mais. Mesmo que ainda nos esforcemos para manter a individualidade e a privacidade o mundo bate ruidosamente a nossa porta; e mesmo a contragosto, somos obrigados a atender.
Não são as câmeras de vigilância ou as penalidades por infrações quaisquer que determinam nosso comportamento no mundo contemporâneo. Não é o medo da punição, da multa, ou da fofoca do vizinho, o apontar de dedos para nosso lado que nos impelem a adotar nova filosofia de vida. Nem é porque alguém vai falar mal ou porque seremos repudiados em qualquer grupo que frequentamos que agora temos que pensar, e agir, diferentemente, em qualquer lugar.
O planeta está encolhendo, estamos, a cada dia, mais próximos uns dos outros. E não só de seres humanos, mas de bichos e mato também. E de sujeiras, esgotos, lixo, estamos, a todo minuto, mais perto. Tudo se aproxima de nosso quintal, ultrapassa nossos muros e vem buscar abrigo ao nosso redor: porque não há mais espaço para distâncias.
 O grito do vizinho ecoa na parede onde está nossa cama. O som da festinha da praça avança pela nossa cozinha e almoçamos ouvindo funk ecoando entre os talheres. A buzina na rua parece ter sido acionada da nossa varanda. O telefone toca, ou alguém fala, debaixo de nossa janela. Do nosso quintal, vemos as flores no jardim alheio ou ouvimos segredos inimagináveis; que não deveriam ter nada a ver conosco. Só que tem.
O progresso, a meio caminho, que acredito ainda há muito o que melhorar, trouxe confortos que já nem paramos mais para analisar. A locomoção, a comunicação, o sem número de produtos para satisfazer infindáveis vontades são mudanças das quais nem nos damos conta mais, e que as novas gerações nem sabem que aconteceram.
O que temos hoje, de estilo de vida, entretanto, pode nos dar conforto, sim, mas trás também uma responsabilidade que ainda não foi exigida de fato. A aldeia global, o Planeta Terra, oferece recursos tais que permitem ao homem viver plenamente gozando de suas capacidades física, mental, social, financeira.
A vida moderna é uma conquista de muitos, de fato, mas, como disse Saint Exupéry, “tu te tornas responsável por aquilo que cativas”, logo, todas as conquistas tem um preço; e saber disso, tomar consciência desse preço é uma realidade da qual não é mais possível fugir. Esse preço, que não é para o vizinho ou para o governo pagarem, é responsabilidade nossa: eu, meu vizinho, meu governo; todos estão no mesmo planeta, todos vão dividir a conta. E o que é mais interessante: o preço maior ou menor depende de cada um, o que pagar depende do que fizermos, juntos, pela riqueza natural que nos é dada de bandeja.
Pagar menos depende de atitudes como prevenção, e para isso basta pensar antes sobre os impactos de cada ato humano. Depois, é vital cessar o desperdício: no Brasil, o volume da produção nacional poderia ser 40% maior se não houvesse desperdício em todos os níveis da cadeia produtiva. Já pensando em Economia, haveria de ser equânime o uso dos recursos e serviços da natureza para depois então distribuir os custos por esses serviços.
O afã de consumir deveria vir atrelado ao afã de cuidar do resíduo, daquilo que não serve mais; não só o governo, mas também quem fabricou o produto, e quem o utilizou até não servir mais. Cuidar é para quem se importa, que se mostra, que dá de si sem esperar as cobranças. Comprar menos é cuidar, consertar é cuidar, estudar, se indignar, são atos de quem cuida de algo.
Nesse ano, 2016, a Campanha da Fraternidade da Igreja Católica reza que “Nossa casa comum: responsabilidade de todos”. A prática do nosso dia a dia mostra isso? Hum, sei não!
A vida é boa e temos coisas sem fim para fazê-la melhor ainda; então, cuidemos: da casa, do quintal, do que compramos, do uso adequado dos objetos, do trato certo de pessoas e todos os seres vivos. É já passado da hora que comecemos a reaproveitar, recuperar, reutilizar, e valorizar ao máximo, todas as coisas até o “último cartucho”, como ensina o Mineirês. Assim, ó, você cuida do “nosso Planeta”? Você é sustentável? Tomara que sim porque, hoje em dia, o vizinho está de olho porque não há mais quintais particulares. A vida de todos no futuro depende de cada um, em particular, mas ao mesmo tempo, mistério, de todos juntos, e misturados. É que a “casa é comum”, portanto,  cuidar dela é obrigação intransferível.
Por Magda Castro

Brasília/DF, 25/04/2016

quarta-feira, 20 de abril de 2016

CENA BRASILIENSE DE OUTONO

Ainda não anoiteceu, e não demora. Caminho devagar, languidamente, passo a passo, pela rampa superior da Estação Rodoviária do Plano Piloto. Quase atrapalho os que vêm e vão em correria; correria normal, de cidade grande. E cidade grande em véspera de feriado, as últimas horas para todas as coisas que não foram feitas pela semana ou pelo mês afora. Depois das 4 da tarde, os bancos já fechados, consultórios param os atendimentos... e eu caminho através do céu de Brasília.
A rampa da Rodoviária do Centro atravessa o espaço brasiliense bem no meio do avião histórico. Quase parando, quase em passo de dança caminho sem olhar o chão: a Torre acima, e acima dela, o céu infinitamente azul com raras marcas de nuvens cinza claro; a Esplanada abaixo, exageradamente iluminada pelos raios descendentes do sol em despedida. Como se caminhasse sobre aqueles flocos de neve, me deixo pairar entre os dois mundos e meu enlevo só se dispersa quando chego ao endereço da tarefa que ainda devo realizar. A realizo, mas com a sensação de que já não é mais tempo para coisas práticas. Volto pelo mesmo caminho da vinda. Observo, de novo, a Esplanada iluminada à direita, e à esquerda, a Torre estirada no alto da colina; depois de gramados salpicados de caminhos de terra vermelha.
Novamente a rampa me faz atravessar dois mundos de maravilhas, ai, se eu tivesse tranças quem sabe dali surgiria um homem de lata ou dacolá um coelho falante; claro que isso não acontece: não tenho tranças. Alguém empina uma pipa: multicolorida, parece esnobar o entardecer unicolor que já se avizinha.
O Conjunto Nacional está apinhado de gente e a primeira praça me escancara balcões de tantas iguarias, de café cremoso espumando em xícaras, de sorvetes em duas cores derretendo pelas bordas do biscoito. Depois, sapatos, gente, é muito sapato, de todos os tipos, cores tamanhos, sapatos em penca. Não sem antes desfilar vidraças de livros também de tantos tamanhos, cores e formas. E roupas; relógios; flores, músicas, a cada vão que alcanço. Algo diferente, algo lindo, ou cheiroso. Tudo brilha, como se todas as vitrines, e os vendedores, quisessem imitar o sol que se despede lá fora.
Subo dois lances de escada e me acho no meio da comilança da Praça de Alimentação. Há tanto tempo! Como se nunca estivesse estado ali, apalpo com cuidado o corrimão inoxidável e piso, vagarosamente, os degraus de granito – iguais à pia da cozinha de minha casa. Depois de um quibe, há quanto tempo com pimenta e ketchup, me preparo para partir. É agora ou bem depois, pois o rush se aproxima. É agora.
Percorro corredores, vitrines, escadas, com o olhar de quem nunca viu nada daquilo antes e lamentando os 10 reais que gastei com comida. Manobro o carrinho vermelho para casa. Não sem antes ver a cara amarrada do flanelinha que recebe moedas de cinco centavos, mas ‘tão novinhas... paciência que “tó dura hoje” e quando é que não?
O movimento de carros já é intenso, seja porque há tempos não faço esse trajeto, seja porque todos querem mesmo começar o feriado prolongado o quanto antes. Depois de meses habitando, sozinha, uma montanha sem fim e sem começo, perdida no horizonte, ficar no meio de tanto automóvel me faz tão pequena! Espremida no meio de carrões imponentes ultrapassando apertadinhoooo!! Ui! Ah, eis uma Kombi com motor reclamando, acho que não estou tão sozinha aqui.
Na altura do Estádio Nacional, o sol despenca ao longe, depois da curva do Buriti; no alto, uma estranha nuvem em formato de mão fechada e indicador aberto cobre parte do astro rei. Esse, como se em agonia, escancara seus raios pelas muitas faixas do Eixo Monumental. Os carros parecem flutuar sobre fina camada de líquido prateado: dançam na mistura de luz dos postes e do firmamento. Já no Buriti observo que as fontes estão desligadas, talvez em descanso para o dia de festa amanhã: 56 anos. Numa colina, o Eixo apresenta o Memorial JK deitado em seu silêncio eterno. Já vencida a colina, carros passando rente, a fuselagem do emblemático avião se estreita anunciando o final da pista; mais adiante, já entrevejo o bico do aparelho monumental. Dali pra frente se desmantela o avião que desanda sobre os destinos de todos os brasileiros; mas eu viro à direita. Faço a tesourinha, passo por baixo de dois viadutos que sustentam todos os compartimentos de serviço do avião e entro na Avenida das Jaqueiras; essa vai levar ao Cruzeiro Novo, ao Sudoeste, ao Hospital das Forças Armadas e mais à frente à Estrada Parque Taguatinga e depois dela o delicioso Parque da Cidade. Saudade, estou precisando caminhar por seus bosques, deve estar lindo agora, outono. Há flores: patas de vaca e paineira barrigudas, em flor, talvez, para alegrar a estação triste. Fico pouco nessa Avenida e torno à direita mais uma vez: Cruzeiro Velho. Minha rua, a paineira da esquina, minha casa.
O portão escancara a suave toque e mostra os focinhos negros dos dois labradores brincalhões; vigio para que não saiam em carreira pela rua. Manobro para deixar espaço para a filha que chegará logo do trabalho. Entro em casa. A noite já refresca o mundo e as almas e, sem mais nem menos, me invade forte sensação de que tudo está em seu devido lugar, de que tudo está em paz. Só me alcança ligeira confusão quando descubro a garrafa de café cheiroso pertinho da travessa de pão de queijo rescendendo à minha serra encantada. Droga de quibe!


Por Magda Castro, em 20 de abril de 2016, Brasília/DF.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

TARDE DE OUTONO


Ë uma quarta-feira de outono, de comecinho de abril. O sol desce rápido fazendo as sombras se alongarem por paredes e chão da cozinha. A cafeteira distraída sobre o granito negro do balcão vira um monstro cabeçudo refletido nos grãozinhos da textura próxima aos vidros do jardim de inverno.
Duas ou três folhas verdes pintadas de branco, gigantes, brilham na claridade redobrada da luz do entardecer: são as primeiras penumbras da noite que se aproxima. “Que planta linda é essa?” Pergunto pra Déda. – “É a comigo ninguém pode.” – “Mas grande desse jeito?” – “Pois é; joguei uma folhinha aí no vaso e ela gostou...” – Explica Déda já virando a esquina do corredor e imbicando pela porta da frente. É hora de limpar mais uma vez o pátio branco. Dois labradores bagunceiros tinham espalhado cascas de mexerica, terra dos vasos, xixi, cocô; se não limpar agora ninguém suporta a sala mais tarde.
De onde estou vejo a cozinha toda, o jardim de inverno, o corredor, parte dos móveis da sala, os janelões de vidro escancarados lá na frente. A luz lá fora ainda é ofuscante, mais ainda pelo contraste com as sombras que se avolumam pelas paredes e pisos clarinhos. Um vento fresco e firme sacode as ramas do “dólar em penca” e faz tilintar as pedrinhas do presente do Jean. É como uma cantiga de duas notas apenas: duas pedras restam do artefato que está pendurado ali há muitos anos. Como o grilo que estrila noites a fio, a ciranda de duas notas lembra o tempo se resvalando por entre as janelas transparentes e as folhas verdes agigantadas. Faz tanto que ele se foi; e deixou as fatias de pedra penduradas tilintando ao vento, contando o tempo, avisando que há mudanças à espreita.
De onde estou vejo o mundo lá fora, parte dele, ainda iluminado; sinto a frescura do vento decidindo o outono; acompanho as sombras em meio à luz; ouço o murmúrio do vento; respiro o ar agora desinfetado que irrompe pelas passagens sem nem pedir licença. De onde estou vejo detalhes da mesa sempre posta: a garrafa bojuda branca tem um fio escuro de café, dois jogos de xícara/pires/pratinho descansam sobre consoles imaculados; esses, por sua vez descansam sobre limpíssimo forro de poliéster amarelo, que ainda rescende a sabão. Uma bandeja com alças guarda açucareiro, adoçantes, manteiga, colheres pequenas, facas de pão. Uma fruteira bem grande está cheia de limões verdíssimos: acabaram de ser comprados na feira.
De onde estou descanso: o corpo, a alma, o passado. De onde estou imagino o futuro que se prepara para acontecer, então, me sirvo mais uma xícara de café com três gotas de adoçante, mesmo porque, agorinha, a noite já está confortável e inexoravelmente instalada em todos os cantos que vejo de onde estou.
Por Magda Castro

Brasília/DF, 13 de abril de 2016.