segunda-feira, 23 de junho de 2008

O XEQUE MATE DA TERRA

A era em que vivemos é uma era ímpar: os povos, de muitos tipos, se encontraram. Seja no mosteiro num dos cumes do Tibet, na aldeia do centro da África, no iglu da Groelândia, no submarino do fundo do mar ou no satélite do espaço, há tecnologias que fazem com que as informações circulem pelo Planeta, como os ventos, em todas as direções.
Isso permite ao homem participar de mundos diferentes a um só tempo e se aproximar uns dos outros como nunca aconteceu na história. Não é uma proximidade pacífica, lamentável, mas pode-se acompanhar o desenrolar de cada partícula de vida, ou de morte, em qualquer lugar, a qualquer momento.
Estarmos mais juntos é fato, logo, as ações de cada povo têm efeitos também em outros povos, sejam de lados iguais da montanha sejam separados pelos oceanos. Dá a impressão de que a Terra ficou menor. E talvez não seja, afinal, só impressão, já que o total de habitantes chegou a um número nunca antes imaginado e juntou os vazios entre as distâncias.
Isso mostra que o que quer que aconteça a uma pessoa acontecerá, pelo menos, a mais uma, então, há perguntas latentes, como: do que as pessoas se alimentarão no amanhã? E hoje, do que nos alimentamos? Do Planeta, claro, porque comemos vida: águas, árvores, animais. E quanto mais gente mais comida é necessária. Somado a isso tem-se, também, que nem todos estão preocupados que a comida um dia acaba; a grande maioria não quer nem saber do assunto. Se a Terra fosse uma laranja, qual é o tamanho do pedaço já comido? E quanto tempo se levará para consumir o resto?
Sabendo ou não as respostas, continuamos comendo, vorazmente, e usando meios rápidos, poderosos, mais e mais eficazes para transformar a água em grãos, a árvore em casa, o solo em aço e assim, assegurar a continuidade da raça. É assim que se faz isso?
Pois não é não. Para a manutenção da vida, a Terra deveria ser também, como qualquer espécie, alimentada, descansar uma ou duas vezes por semana e tirar férias. Deveria, mas a premência das necessidades humanas, todas portadoras de egos vitaminados, não dá ao Planeta o repouso que precisa para continuar assim: vivo.
Então, apesar de mais juntos, o que até certo ponto é avanço, continuamos separados em nossos objetivos. O interesse particular continua a produzir coisas que compramos hoje e jogamos fora amanhã de volta ao Planeta vivo. É com nossos restos que alimentamos a vida que precisamos. E esse é um alimento que também a Terra dispensa.
Numa representação, pode-se comparar essa questão ao Xadrez. Cada jogada exige uma resposta do adversário. Outra jogada e eis outra resposta. Os recursos vão se consumindo, as proteções vão sendo derrubadas, e jogadas de lado, e o tabuleiro se esvazia até quando só restam duas peças. A vitória caberá a quem jogar melhor: com atenção, refletindo, avaliando as reações depois das ações. Será que estamos jogando bem?
Pelo atual estado do Planeta, acho que não. Nesse caso, quem vencerá? A Terra, claro!! Infelizmente, a resposta está errada. Nesse jogo, o da existência humana, o homem está de ambos os lados. Isso: joga contra ele mesmo, pois a Terra é seu mundo e dela de tudo depende. É, portanto, vital que jogue bem, que cada lance seja bem calculado. Porque se couber ao Planeta Terra dar o xeque-mate, todos os povos saberão a resposta, ao mesmo tempo, de muitas das perguntas anteriores. Pelo menos, enquanto estiver sendo derrubada a “última torre”, ou seja, por um átimo de segundos, enquanto estiver acontecendo outro "Big Bang".

Magda R M de Castro
Brasília, março de 2008.

O QUE EU QUERO - Poesia

Nesta tarde arredia
Ou será manhã? Ou noite?
de querer dormir, nunca acordar
vou partir ou vou ficar?

Pode tudo acontecer,
de surpresa, de alegria,
de torturante tragédia, mas
me deixo meditar buscando
o que eu quero ser.

Posso ser o que bem – ou mal – quiser.
Livre estou mulher que sou
forte, corajosa, segura,
isso sim, eu queria.

Mas se quero chuva
p’rá aconchego de cobertas,
também quero sol luminoso
para caminhadas sem pressa.

E também quero a solidão
para ouvir meu coração.
Mas quero borbulhante festa,
para dançar até, do dia, o primeiro clarão.

Quero também um grande amor,
novo, antigo, não escolho.
Para me lembrar como é
beijo fundo, ardente
fazendo tremer corpos rentes.

Quero uma grande paixão
de me perder da razão.
De me levar onde não fui,
para me acender que nem chama
e mostrar que ainda posso,
ser o que bem quiser.

Quero me sentir de novo viva,
quero sentir de novo o brilho
de um olhar de amor.
Sentir do beijo de paixão, de novo, o sabor.

Quero sossego... e dança.
Quero ir... e ficar.
Quero a lua... e o sol.
Quero ser... o quê?
Não sei,
o que fazer, ou ser.

E essa tarde de preguiça,
talvez cansada de me assistir,
virou noite.

Magda R M de Castro
Março de 2005

SAUDADE PARA SEMPRE - Poesia

Saudade está sempre rondando
Se parar para pensar nela, fica enorme
Te arrebata, te leva a lugares, a rostos e risos
Saudade começa pequena, como a gente
De um professor, da sala de aula nas longas férias,
De uma colega que viajou só para o fim-de-semana.

Depois a gente tem saudade de certa festa
A primeira melhor delas, talvez um baile
Do abraço de alguém que só passou raspando
Depois de um sentimento novo e único que nunca mais se repetiu

Depois o mundo já grande ainda mais se alarga
E se amontoam saudades de lugares muitas vezes percorridos
De comidas, até as enjoadas, de todos os dias
E quando não se come mais, fica a lembrança. E o gosto.
Isso também vira saudade.

E a largueza do mundo leva ao avô querido,
Às trilhas estreitas nos espigões verdes e ventosos
Às grotas de enxurrada, cheias de segredo
Que o asfalto da cidade grande fez desaparecer

Então, enquanto cresce também o entendimento do mundo
A saudade acompanha e se alastra
E se num começo a sentimos distante
E as surpresas naturais da vida a amortecem
É só por algum tempo.

Porque chegará a hora de sua presença constante e fria
Porque os amores não se acabam, apenas se dispersam
Então, é a hora da alma se dispersar também
E correr mundo, num só minuto, em busca daqueles a quem quer bem.

Depois de tudo vivido como o é para qualquer um
A saudade é a constante companheira
Já habita a mesa, o sofá, o lado da cama.
Mora no jardim de lajes brancas

Fica ao longo da rua que se perde na esquina
No barulho do som do vento na janela,
Na cantiga dos passarinhos
Que agora também cantam na cidade,
as saudades de seus pequeninos corações.

Depois de longa caminhada,
Depois de tudo e todos se afastarem do alcance das mãos,
O que mais se tem é saudade:
De lugares, amores, cores, dores,
De risos, músicas, flores
dos filhos pequenos, e também grandes, que ganharam o mundo,

Ou de um filho, em especial, que não partiu de corpo,
Mas partiu dele a esperança, e fica, eterna vontade de ver de volta no rosto amado,
um riso iluminando.

Saudade da filha que constrói, muito longe, os sonhos que ajudamos a sonhar,
Saudade tanta, de tempos idos e de tempos que ainda virão,
De lugares onde imaginamos o que seríamos
De lugares em que fomos o que tivemos que ser

De pessoas. A! Essa saudade!
Daquelas que nos abraçaram quando choramos
Daquelas que nos fizeram chorar
Das que se desvaneceram na passagem final
Daquelas que ainda vivem e não alcançamos
Daquelas que estão ao nosso lado
E para quem não podemos dizer,
– ainda não inventaram as palavras para isso –
o tamanho da saudade.

Saudade – cresce com a gente,
Vai aonde vamos,
Está lá, mesmo que não a reconheçamos,
No trabalho, no lazer, na alegria, de dia.
E à noite, ainda sonhamos com ela.
E é tanta saudade, sempre
Que acabamos morrendo dela.

Magda R M de Castro
Brasília, 18 de junho de 2007.

VÁRZEA BONITA DAS FLORES - Poesia

Tanta gente já cantou a natureza,
tanto já se ouviu dizer,
do campo, de sua beleza,
de serras e planícies
de pôr-do-sol e amanhecer.

Não quero aqui repetir,
muito menos desmentir,
do já cantado e falado,
de rincões muito distantes.

Mas também quero contar
de um mundo afastado
de um lugar bem arrumado
desse, serei a primeira a falar.

São muitas horas de viagem
que não cansa ou desanima.
Mas se chega e é, enfim,
hora de cantar tudo em rima.

Lá tem uma serra muito alta
que esconde o sol e a lua.
Tem ribeirão de água fria,
terra verde e terra nua.

Tem flores azuis, vermelhas, brancas,
de grumixamas, hibiscos, jasmins.
Tem rosas pequenas e grandes,
tem paineiras, pau-ferro, oitis.
Todos plantados por mim.

Tem um caminho ladeado
de ipês e flamboyants
Tem cerca viva de boungainvilles
e aqui e ali sempre-vivas.

Nesse meu canto perfeito,
tem pomar bem variado:
romã, goiaba, ingazeiro,
acerola, mamão, umbu,
manga, ata, caju.

Tem uma casa velha
E uma nova também.
Velho curral quase no chão.
é novo o chiqueiro
assim como o paiol e o galinheiro.

Tem sombra de montão:
de jatobás, de baruzeiros
em bosque de puro frescor
tomando todo o terreiro.

A casa nova tem varanda
donde um lado vejo a serra
doutro vejo muito longe
além do verde, azul distante.

Lá é tudo muito calado
quando não tem gente de fora.
É bom quando vêm visitas
bom também quando vão ‘bora.

O barulho é de grilo e sapo,
e do murmúrio do ribeirão.
Tanto escuto gado mugindo
quanto aviso de gavião.

Ouço o canto da perdiz
Vigiando o próprio ninho.
E tem coruja piando
quando é tirada do caminho.

Esse lugar, um paraíso,
de paz muito procurada.
É pura alegria chegar
na partida, nem pensar!

Não tenho muita alegria
longe de lá, na cidade.
Com o indo e vindo de gente,
pobreza, violência, maldade.

Mas quando eu rumo p’rá lá,
ainda longe muitas léguas,
já bate no peito quente
o coração, sem tréguas.

É do alto do espigão
que vejo que já cheguei.
É quando o Rubi me recebe, latindo
que vejo minha vida de rei.

Magda R M de Castro
02 de maio de 2006

REMANSO - Poesia

Destino, sorte, sina?
O que me trouxe aqui...
Castigo, presente?
Chegar ao teu redor...
Sentir o cheiro de tua paz.
Bálsamo para minhas torturas?
Perdão para minhas loucuras...

Esse suave deslizar
Essa quietude em passo,
Sem susto
Esse silêncio de dores
Esse aconchego de lar

Águas sem cachoeiras
de suave deslizar
Ritmo de chuvisco de manhã
Sem tempestade, nem trovões
Ventos não mais que brisas

Teu abraço tem perfume de flores silvestres
Teu olhar tem o som do infinito
Tua estrada tem a cor da paz
Tua voz pode ouvir o coração..

Chegar foi milagre
Alívio de sede da jornada
tanta bagagem trago
Tanto passado, tanto!

A solidão em tempestade
A fúria dos abismos
As paixões em disparada
Os erros marcados a ferro,
As desilusões escancaradas.

Pesada bagagem
Dela não há como livrar
Pois me faz o que sou.
Meio gente, meio bicho,
que da alma falta um pedaço.
Que se gastou por aí.
Diferente não teria
como chegar aqui.

Remanso. Descanso. Pausa
Abraço, doçura, ternura,
É tranqüila tua caminhada.
Penso: o que vim fazer aqui
se de mim precisa nada?

Vim descansar em teu remanso
Vim me alimentar de teu abraço
Vim deixar parte de mim – outra,
para embalsamar o cansaço.

Curo ferida, ganho outra,
Porque queria ficar,
Não posso, não é justo contigo,
Não posso.
Tuas margens não cabem o que sou
Teu coração não sabe o que sou.

Vim, mas parto.
me aparto, me espanto.
Retomo o caminho seguida
pela bagagem de monstros
voltando comigo às tempestades
de volta à arena do mundo.

Me despeço de tua paz,
me afasto do teu remanso,
Recolho malas e males
Eles não cabem em ti
teu curso puro, calmo e sereno
segue diferente caminho daqui.

Poderia, queria, amaria ficar
mas não tem lugar para mim,
tão sereno teu riacho...
vou procurar o mar...

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Magda R M de Castro
24.02.08

PASSARELA DA VIDA - Poesia

Passa o menino,
de pouco tino,
em cambalhotas,
de pernas tortas.

Passa o rapaz
de altivo porte,
roupa engomada,
rumo ao norte.

Passa o homem
de ruga na face,
que carrega no ombro,
o peso do mundo.

Passa o velho
de cabelos brancos,
lentamente,
calmamente.

Passa o menino.
Passa rapaz.
Passa homem.
Passa velho.
E a morte atrás.

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Magda R M de Castro
Julho de 1996

O QUE ME FAZ LEMBRAR VOCÊ - Poesia

O que me faz lembrar você?
É o sol que torna prateado o orvalho da manhã
O mesmo orvalho que você pisa ao despertar
É o céu azul, cheio de nuvens brancas
As mesmas nuvens que você longe, sei, se põe a vigiar.

É a gota de chuva que apaga a poeira do caminho
O mesmo caminho que você também vai pisar
É o riso de um menino que ecoa na campina,
O pequeno para quem, com amor, vi você olhar.

É o por do sol que me traz uma dor infinda.
O mesmo por do sol que, sei, você assiste
de um canto do mundo, paraíso só seu,
de onde vê o tempo seguir em paz, sem dor,
porque essa acompanha um coração só, o meu.

Que mais me faz lembrar você?
É a saudade que traz sua voz, seu riso,
É o sol, a chuva, o vento, o ar que tenho que respirar,
O adormecer, o despertar...
É o ir e o voltar,
pela curva de uma estrada que você também vai passar.

A estrada do velho ipê, morada de flores e passarinhos,
Que vêm sempre à minha janela contar
que você não se lembra da promessa, se esqueceu,
que vive longe, ao lado de alguém especial, fazem lembrar
que por mais queira, jamais de novo você será meu.

Magda R M de Castro
Outubro de 2000.

O AMOR QUE EU QUERO - Poesia

O amor que quero
Não precisa ser tempestade
Que tudo arrasta por onde passa
Que tudo revolve e invade.

O amor que eu quero
Não precisa ser grande ou tão pequeno
Nem distante ou perto assim
Ou tão disfarçado que eu não possa
Percebê-lo junto a mim.

O amor que quero
Sabe quem sou mais que eu
Sabe aonde vou se nem sei
Sabe o caminho... me guia
Mesmo que eu não precise.

O amor que eu quero
Sabe entender o meu grito
Seca em silêncio minhas lágrimas
Interpreta meu passo errante.
Não é rico, é simplizinho
É suave, não machuca,
Não se vai para não voltar.

O amor que quero
Me junta quando me espalho
Me espalha quando me aquieto
Me olha, pensa e me escolhe.

O amor que eu quero,
chega pela manhã
traz a luz do dia e espanta
meus abismo e escuridão.

O amor que tenho
Não é de esconder, nem guardar.
É para oferecer, totalmente,
a quem puder me alcançar.

O amor que quero
a nada se compara, não confunde,
não nega, não foge.
É o sim, é a chegada,
é a paz, a serena morada.
É o amor que me ama
por mim mesma e mais nada.

Magda R M de Castro
Brasília, DF, 02 de maio de 2007.

JOGO DE PALAVRAS - Poesia

Uma palavra...
a palavra...
a primeira palavra:
quebra o gelo,
quebra o silêncio,
e o vazio.

De uma palavra nasce outra palavra.
nasce o verbo,
nasce a atitude,
a ação e a conseqüência.

A primeira palavra indica o caminho, a saída,
ou o encontro...
a do adeus é a última, mas ainda é palavra.
ou gesto expressando uma.

A segunda palavra é a resposta,
concordando ou negando.
é o silêncio, o vazio, a distância,
se não for entendimento.

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Magda R M de Castro
Brasília – setembro de 2006

ESSE NOSSO CAMINHO DE VIDA

Um dia fui criança, olha só, quem diria? Um dia inocente, o que não durou eternamente, É que com o tempo, aprendi coisas, Não tantas suficientes para saber o que viria nem bastante para escolher, o que quer que fosse. Criança ainda, ainda mesmo, que leva tempo para não ser, aprendi aqui e ali, a ler, a dançar, a rir, o porque de uma coisa e não outra o porque de não uma e sim outra coisa. Devagar, lição e lição se juntando, aprendi mais Sobre teoremas, minto, disso não sei nada, Sobre a família, proteção e aconchego Depois sobre amigos, tão raros tão caros, nem sempre, em meio a imagens vãs, tão claros. Mais um pouco e aprendi sobre o amor, Melhor: aprendi que se desaprende para amar, Que não tem forma, jeito, receita, Que o verdadeiro é mesmo real, não só ilusão. Aprendi, então, fundo n’alma, não é possível viver sem amor, que seja, de pais, irmãos, filhos, amantes É o amor que a tudo dá sentido, beleza. E, buscando viver bem a vida que me convinha, acumulando descobertas, uma a uma as lições me trouxeram aonde sou. E mesmo agora, indicam para o que vou. De cada coisa que aprendi, mesmo em meio às que esqueci o amor é a que mais conta. Sem ele, o sol até nasce mas nem brilha, Sem amor, o passo é dado, mas tão trôpego!! Então, se é assim apenas para mim, não sei, O que sei é essa a melhor das lições que aprendi: que por amor, por causa dele, vivi até aqui, e que não mais, nem um dia sequer, nesse caminho que ainda está por vir, sem amor, não mais viverei. Magda R M de Castro Brasília, DF, 20 de março de 2008.

ESPERANÇA - Poesia

Enquanto isso: Compasso; Passo; Espaço... Espera. Parou o tempo, Parou o vento, e o pensamento. É a espera: Grande esforço De suportar O ócio de aguardar. Magda R M de Castro 10 de julho de 1996.

DESEJO - Poesia

É noite jovem de brisa suave.
Um piano toca linda música
que trás seu rosto e seu riso,
que me aquece o coração.

Imagino você me enlaçando pela cintura
dançando juntos num salão brilhante.
Você de terno muito azul e eu,
de vestido longo e esvoaçante.

Sonho em olhar você fundo nos olhos,
descobrindo assim seu maior segredo.
Sentir seu coração se acelerar por mim
E só, ao menos uma vez, sem medo.

Desejo passar a noite inteira com você
Até que o sol venha esconder as estrelas
Até que em seus braços eu tenha deslizado,
E meus sonhos lhe entregado.

Nesta noite mágica,
Quero finalmente, totalmente,
Sentir seu beijo,
Há muito, muito, desejado.

Magda R M de Castro
Outubro de 1995

ALMA DE MULHER - Poesia

Sou mulher,
nada fácil de entender:
sou feliz quando o dia amanhece
sou triste quando a tarde vem.

Rio quando estou feliz.
Choro de felicidade também
mas, mais, quando triste.

Levo comigo, nas minhas andanças:
ora alegria, ora tristeza,
ora esperança.

Gosto de perfumes, cabelo arrumado.
Sapatos macios mas bonitos
Também gosto de anel de brilhantes.
Com carinho, pode ser folheado.

Só me lembro das coisas boas,
as ruins transformo em bem.
Sou forte quando acredito.
Se duvido: nem vem!

Amo a noite para dançar.
Amo o dia para me aquecer.
Amo música, luz e livros.
Amo crianças, e flores,
e animais..

Posso estar triste num minuto
e feliz logo a seguir,
Posso ir da ira à doçura,
ou vice-versa, sem custar muito.

Um olhar, um carinho,
para uma mulher – como eu,
simples – ou sofisticada...
Basta p’ra dor virar nada.

Sofrimento, luta de vida, alimento.
Felicidade, sempre, no fundo.
Altiva, em frente, coragem:
sem medo – quase – do mundo.




Sou mulher,
Não me queira entender.
Amo as coisas simples,
e do luxo também gosto.

Ao me dar grande presente,
não procure muito longe:
me tome nos braços e afague
e me fará muito contente.

Tenho a força da raiz profunda,
o perfume do branco jasmim,
a alegria de pássaros a cantar,
a resistência da rocha no mar.

Tenho a eternidade em meu ventre,
mãos delicadas para abençoar,
voz de veludo de cantigas de ninar.
E a fúria de vagas a arrebentar.

Sou mulher,
Não tente me entender:
Fera ou anjo?
Você pode escolher.

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Magda R M de Castro
12 de junho de 1997

Poesia premiada em concurso do Sindicato dos Professores de Escolas Particulares de Brasília, em 2006.

ADONIS - Poesia

É firme o passo, seguro,
Altivo em frente de olhos no céu.
Branca a pele, pura
a alma? Não sei.
Brancas as mãos de unhas aparadas,
Branco o rosto belo, esculpido!

Traços perfeitos: cabelo curto,
Olhos de amêndoa de exatos tamanhos, castanhos,
Nariz, ponte perfeita entre a testa altaneira
e a boca faceira!
Ah! A boca... primeira obra do pecado!
baú de velados segredos,
guardiã de deliciosas aventuras. Doce...

Altura para caminhar lado a lado.
Cintura para tocar suavemente, primeiro,
Quadril rijo e quente, segundo.
Pernas esguias de dengosa cadência,
em busca do que lhe pertence no mundo. Ou nem tanto.

Riso, engano, de menino. Envolvente.
Voz, profunda, rouca,
Fala baixinho sussurros proibidos
ou cantigas de ninar.

É belo! Tão belo,
Que ilumina o dia, ilumina a noite.
E mais belas seriam as estrelas
Se as tocasse com sua magia.

Oh! Quem me dera um olhar,
A mágica de seu riso,
O milagre do seu toque
E eu me transformaria em estrela.


Magda R M de Castro
Brasília – DF - 1994

ABAETÉ - Poesia

Era uma vez, uma cidade pequenina,
de ruas de pedras polidas,
de casas antigas,
adormecida entre colinas.

Árvores centenárias, jardins coloridos,
cheirando a recente regado.
Muros brancos que escondem prantos,
janelas entreabertas, com recato.

Pracinhas bem cuidadas de bancos
de concreto e propagandas.
sozinhas à luz do dia,
cheias de riso na noite em penumbra.

Pelas ruas largas, aqui ou acolá,
um telhado de beiral arrancado,
nunca arrumado: os donos são muito ocupados,
para cuidar de tão ínfimo estrago.

Casas e ruas. Muros e jardins.
Velam ou revelam: sonhos ou lendas,
de avós para netos, segredos
de culinária, namoros,
paixões de vidas e mortes.

Que não se iluda o passante
ou viajante,
com o silêncio ou o perfume das ruas,
cuida de não irromper por portas
e janelas, sem avisar,
pode o que jamais imaginou encontrar.

Abaeté,
Pequenina entre colinas,
conserva teu mistério e quietude, guarda meus sonhos de juventude.







Em teus braços me criei:
para ti quero voltar!
De novo ao teu sol me aquecer,
de novo o silêncio de manhãs pequenas,
outra vez tardes quentes de preguiça,
outra vez risos nas enxurradas de chuva.

O cheiro de capim,
o chiado do engenho,
o canto dos pássaros,
grilo, o sapo no brejo.
Oh! Saudade!

Abaeté, me chama!
Não me deixes morrer aqui.
Seria morrer duas vezes,
Morrer longe de ti!


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Magda Regina Miranda de Castro
Poesia escrita em março de 1998

SER MÃE NO SÉCULO XXI

É assustador. Talvez fosse assim sempre, mas no mundo de hoje é profundamente assustador ter filhos. Talvez seja em razão das notícias que ficamos sabendo, mas muito mais pelas que não ficamos sabendo, pois, isso sim sabemos: há coisas que andam por aí acontecendo que não conseguimos alcançar. Não é um complexo de deusa que ataca não, de pensar que se pode estar em muitos lugares ao mesmo tempo para proteger as ninhadas dos perigos explícitos e implícitos, não; é a consciência de que os falsos valores, as falsas amizades, os falsos amigos, e a pior delas, a maldade, essa tamanha que nem se preocupa em ser falsa, estão ao redor. Tudo isso está misturado aos nossos filhos, disso nossos corações sabem, e como! e torcemos para que tenham forças para resistir. E, uma vez hoje, outra amanhã fazem isso, e vemos, com alívio, um certo dia, que conseguiram resistir, mesmo que anos depois nos confessem que em determinada data ou lugar fizeram isso ou aquilo para experimentar e decidiram que não gostaram. E se salvaram.
Só que nem todos se salvam. Há os que se perdem, apesar de também terem tido mães dedicadas, apesar de que nem sempre, mas muitos tiveram sim, família, escola, guias, mas fracassaram. Num minuto de distração, naquele pequeno espaço de tempo que não se estava por perto, se perde a batalha. Vemos isso todo dia, sabemos disso sempre, sofremos isso em nossas famílias ou em famílias muito próximas. E vemos filhos de mãe amorosas se perderem.
Essa é a razão do susto: o que não fizemos para salvá-los? Como uma espiral de aço, o pensamento dá voltas pelos mais ínfimos detalhes do que se viveu, na busca de explicação. Onde errei? Onde falhei? Não há resposta que alivie, não há ajuda profissional, não há sábios ou religiões que esclareçam. Podem mitigar a dor da perda, do fracasso, da sensação de inutilidade e incompetência. Mitigam, mas não explicam, não impedem o sofrimento, e não nos permitem voltar para refazer.
O que temos, então, que fazer? Esse é um mundo veloz, fátuo, imediato. Tamanha é a velocidade dos quereres, que as mães se transformam em mil e uma na ânsia de atender cada desejo ou necessidade, só que não são infalíveis. Falham. Muitas vezes, até. Só que falham menos quando o amor acompanha diálogo e compromisso. Não um compromisso de sucesso aos moldes da sociedade consumista, mas o sucesso para o espírito humano, o espírito de coletivo, de contribuição, de parceria.
Nisso, acredito. Ensinar, árdua e incansavelmente, que o mundo não é só dos jovens, que há outros seres compartilhando. Que é preciso dividir. Que é preciso ajudar, que é necessário ser bom, mas não apenas para si, mas para quem está ao redor. É preciso aprender a se sensibilizar. É preciso ser gentil com pessoas, árvores, bichos, água, terra. É preciso ter limite, calar a boca, arrumar o caminho onde deixou pegadas, se responsabilizar e consertar o que fez de errado e agora mesmo.
Então, ser mãe hoje é também saber cobrar: o exercício da escola feito, o dente escovado, a cama estendida, o respeito aos outros, o compromisso para com o bairro, a cidade, a natureza, o trabalho. Não é fácil cobrar: os nossos sempre são os melhores, os que merecem tudo. Ocorre que se não vigiarmos nossos tolos corações e incluir nesse imenso amor, a capacidade de entender que mesmos os nossos também podem praticar o mal, aí sim, estaremos permitindo a eles a fazer o que bem entenderem. E é certo que assim errarão,
Estas são possíveis respostas à pergunta “onde errei?”: permitiu, consertou erros que não eram seus, ensinou-o a se safar quando fez besteira. Então, o filho quebrou a própria cara ou a de alguém. Infelizmente, somos responsáveis por isso. E mesmo quando adultos, quando tiverem idade para responder perante todos pelos próprios atos, estará neles uma raiz, plantada pelas mães. Ou pais que fazem as vezes de mães. Ainda quando formos todas pó, ou cinzas, nossos filhos, ou os filhos deles, estarão decidindo e tomando atitudes com base no que ensinamos. Quando nossos filhos erram, se não foi por acidente, foi por nossa causa. No fundo, às vezes bem no fundo, outras nem tanto, por um momento qualquer, erramos com eles. E eles erram com o mundo.
É por isso que dá medo ter filhos nos tempos atuais: somos muitos no mesmo barco, para o pior ou para o melhor. A diferença fará quem não descansar até que o certo seja muito bem entendido e, praticado. Só que as forças contra nós são muitas e nem sempre justas. Então, mais que nunca é preciso vigiar.
Portanto, amar é preciso, muito e sempre. E educar também é preciso, muito, todos os dias, longe ou perto precisamos plantar as lições certas nos jovens corações. Haverá um dia em que todas valerão. Para o bem ou para o mal. Mas seremos nós, mães, ou quem exerce esse papel que as plantaremos. Intencionalmente ou não. E será responsabilidade de cada mãe, a vida que cada filho viverá. Terá tido cada uma a responsabilidade por pequenos ou grandes atos. Ensinar é preciso, vigiar, dar e tomar. Dizer sim e responder não muito mais vezes. De nossa força, nossos filhos tirarão suas razões, seus motivos para serem bons, para serem as pessoas que o futuro precisa. Um futuro mais que nunca, desenhado por dúvidas e fragilidades, de todos os matizes.
É assustador saber que é de nós que nossos filhos tirarão os moldes das vidas que terão; dos ensinamentos que lhes passarmos é que tirarão o modelo para o universo em que viverão. Ou não.

Magda Regina Miranda de Castro
Brasília, DF, 11 de maio de 2008.

POR SERMOS MULHERES

Enquanto esperava que o computador fizesse suas leituras e atualizações para abri-lo e escrever esse texto, fiquei observando um dos meus netos no “papel de parede”. Admirando essa bela criatura me deixei vagar pelos tantos tempos que existi até agora. Quase acho brincadeira quando vejo, por um lado, que o tempo passou depressa demais, pois eis-me aqui, avó, e ainda mãe, e ainda filha, e, por outro lado, mais que sempre, disposta, para a vida e para o desafio.
O que espero do mundo, do porvir? Continuo indagando se vivi o que sonhei, se fiz o que quis, se valeu, ou não. E, nessa madrugada de um dia internacional de mulher, pergunto-me qual é, afinal, o mistério. Não o do futuro que não há pressa, nem o do passado que, por ora, está desvendado, mas qual é o mistério de ser, ser gente, alma, espírito, ser mulher?
Devaneio pelas mensagens que desde ontem chegam, leio o jornal que avisa do final de semana de homenagens, me lembro da cerimônia organizada pelas deputadas e assessoras da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Qual é esse mistério tão nosso?
Um e-mail fala da criação, quando Deus explicava a um anjo os motivos de fazer a mulher com certas especificidades. É uma lista enorme de sentimentos, mas que me desculpem os inventores, metade não me serve porque em mim moram também abismos, o que justamente me qualifica como mulher.
Sobre a sessão da Câmara, a abertura solene foi feita por uma deputada que conheci quando trabalhei em banco, o que me levou a refletir sobre as metamorfoses que o mundo marca em nós, ora a ferro, a fogo, ora a lágrimas.
Depois, o coral, de vozes femininas, do qual minha caçula faz parte, cantou músicas brasileiras falando de “marias”. Excelente maestro, mas diga-se, deveria ser uma maestrina ali. Seria perfeito também que o câmera que gravava o evento fosse mulher. E que não houvesse homens na sala, já que até o corpo de bombeiros era feminino. E esse poderia ter o nome mudado para “corpa de bombeiras”. Bem, vê-se, não ficaria bonito, mas seria feminino. E essas últimas expressões também poderiam ser usadas sempre como “bonita” e “feminina”. Viva o feminino!
Esses são desvarios para mostrar que é complicado separar o masculino do feminino, assim como não há sol se não houve noite, ou, não haveria o branco se não fosse o preto, não existiria o côncavo sem o convexo; ou a paz se não fosse a guerra; não existiria alívio se antes não sentíssemos dor.
Eu, particularmente, não seria o que sou se não fossem os homens. A começar pelo meu pai cuja ternura dos poucos, raros e caros momentos em que o senti perto jamais foi esquecida. Outro, homem inesquecível, inigualável, foi meu avô paterno. Do alto da estatura forte, vigiava uma menina esganiçada com carinho mesmo que minutos antes tivesse esculhambado um peão no curral. Se voltava para mim com outro olhar, nunca ralhou, nunca me deu conselhos. Ganhei dele o apelido de tanajura, e o que me ensinou foi através das histórias de aventuras que viveu. O que aprendi com ele foi assim.
Também não seria o que sou se não fosse por meus irmãos. Um a um, cada qual me ensinou uma coisa. Nunca tive facilidade para aprender o que devia: tenho que bater cabeça muitas vezes até que a lição fixe nos ossos, na carne, no cérebro. Mesmo assim conseguiram me ensinar a andar a cavalo, a nadar, a dançar, a comer coisas como creme de leite com pêssego e banana split, a viajar, a amar a Jovem Guarda.
Depois dos irmãos, inesquecíveis são os primos. Fazem parte da minha melhor história, tanto que quase me casei com um. Em tempos de férias, de feriados, de comemorações, festas de família, me acompanhavam. Me ensinaram a balançar em cipó, a jogar dama, queimada, vôlei, bolinha de gude.
Então vieram os namorados. Aí é que vieram as mais duras lições. Não fui feliz sempre e por uma vez ou duas tive que inventar forças ou lucidez para desviar-me deles, mas todos me ensinaram muito, claro, dando o devido valor a cada lição.
Depois vieram os filhos. Só com eles consegui completar-me mulher, pois aprendi, então, mais do que realmente ensinei. E, os netos, presentes divinos, são os últimos, e não menos amados, louros da jornada.
E os amigos? Oh, esses colaram cacos quando tantas vezes me quebrei, me fizeram rir quando não queria nem viver, me salvarem até de mim tanto perigo corri. Queridos amigos, quanta gratidão!
Mas persiste a pergunta. Quem somos, mulheres, desse sexo, desse tipo, dessa matéria, desse tempo? Que personagem somos nessa peça da vida?
Perguntas sinceras. Respostas sinceras: mulheres que querem o melhor para o mundo, a felicidade de todos os seres vivos do planeta. seres que querem contribuir para que tudo seja puro, perfeito, eterno. Moram em nossos corações os melhores sentimentos, as melhores intenções. Reconheço, pois conheço, que há mulheres nem tanto assim, que articulam conforme os próprios interesses, ah, se sei! que usam e abusam de seus atributos, de suas falsas fraquezas, de seus instintos perspicazes e outras armas brancas – e mortais.
Mas a maioria das mulheres quer o bem, claro que começando em seu próprio terreiro, mas não se importam em dividir, desde que seja com quem faz por merecer. Ah! Como somos insistentes em nossos sonhos, como somos teimosas em nossa fé. Como somos, eternamente, para sempre, esse complexo e intrincado tecido profano e sagrado que enfeita o feio e ainda mais o belo, que protege o fraco e o forte, que constrói e desconstrói se preciso for, que açoita ou acaricia sentindo em si cada dimensão disso.
E quem somos quando somos só mulheres, apartadas dos homens? E quem são esses, homens, sem nós, mulheres? Nada. Ou talvez bandos tresloucados de seres sem beleza ou alegria, sem razão de viver. Suportaríamos, a mulher sem o homem, ou o homem sem a mulher, eternamente, os frios trilhos de solidão, o silêncio de almas mudas de susto, o desvario do desejo natural pelo abraço penetrante e completo?
Acho que não. Não teria suportado a minha vida até aqui, mesmo reconhecendo que poderia ter sido melhor. Poderia ter sido mais respeitada, mais admirada, mais querida, o que teria me dado mais força de lutar pelo mundo que acredito ser possível. Mas nada seria sem os homens de minha vida.
Assim também é o mundo que é nosso agora: carente de colo de mãe, de mais um pouquinho de doçura, mais um cafezinho, mais um sussurro segregado, tantinho de ternura, de cantinho para o coração, de abraço quente e macio.
É que precisa-se de homens. Daqueles que querem ter uma mulher ao lado. É que é sadio e bom para a pele, amar e ser amado. É que o amor pode fazer com que o homem e a mulher sejam completos juntos, cada um sendo um inteiro-metade.
Todos precisamos de homens e de mulheres. E é por ser uma mulher, com parte das intenções divinas e parte de veneno e de bicho que parabenizo o universo feminino, nesse dia que lhe é dedicado internacionalmente. O que implica em parabenizar também o universo masculino, pelo seu significado e sua contribuição.
Sendo assim, parabéns a nós todos, partes que somos desse fantástico universo humano que, para continuar sendo esse mistério que é, precisa de todas nós, mulheres. E de todos os homens, lado a lado.

Magda R M de Castro
08/março/2008.

COMO LIDAR COM FILHOS CRESCIDOS

Depois de chegar, exausta, da fazenda, abri meu e-mail e lá estava uma mensagem sobre filhos: tudo que deveria ser feito “antes que eles cresçam”. Lindo e criativo, o texto. Desses dignos de publicar em colunas de jornal ou prefaciar livros de grande sucesso. Texto urgente, de fazer a gente sair correndo e se jogar nos braços dos filhos pedindo perdão, antes que eles cresçam. Texto original nas palavras, mas falando de sentimentos milenares e muitas vezes repetidos, chorados, bradados. Filhos!! Palavras de dolorosas rimas torcendo o coração, espremendo a garganta, esfregando em nossa cara essa impotência de fazer tudo pelos filhos, antes que eles cresçam.
Só que “Antes que eles cresçam” não serve mais para mim: meus filhos já cresceram. Portanto, não posso mais seguir tão sábios conselhos, chegaram tarde demais.
Então, talvez para expurgar a minha culpa por não ter feito tudo antes que meus filhos crescessem, escrevo também sobre filhos. Começo com um sentimento de quase revolta, por descobrir só agora, por aprender só agora. Chego a sentir raiva mesmo, porque só encontro um aviso desses depois que meus filhos cresceram, pó! Não dava para achar isso antes? Um tem 29 anos. Outro, 27. Uma, 22, outra, 19 e ainda outra, 15. Todos grandes, grandes, maiores que eu. Crescidos, então. Eis porque me revolto: sendo eles já crescidos, logo, não mais pequeninos, não posso mais vê-los dormindo, abrir de mansinho a porta do quarto, tatear no escuro rumo à cama, pegar a colcha do chão, levar os lábios para roçar um nariz ou uma face ou uma orelha ou um cabelo amassado e sair de ré do quarto, com o alívio de saber que por mais algumas horas, estarão por perto e em segurança?
E agora? O que faço?
Porque cresceram, não os posso mais abraçar apertado, beijar seus machucados para mandar a dor embora, cantar cantigas de ninar, ou fazer uma canja de galinha?
Então, porque cresceram não posso mais falar das escolhas mais difíceis que vão exigir muito esforço da parte deles, apesar de ter feito exatamente igual um dia e não me arrepender de nenhum dos rumos que tomei?
Será que porque cresceram não tenho que acompanhá-los a uma festa, a uma viagem, a uma escola, a um cinema ou estão proibidos de viajar comigo, não têm que ouvir minha opinião, não têm mais que acreditar em sonhos juntos?
Será que, porque cresceram, não posso mais dar palpite na roupa de vestirem, ou na comida mais saudável, ou nos livros que lêem ou nos horários de irem para a cama ou não posso mais esperar que cheguem à noite, que encontrem um bom emprego, que tenham ótimos casamentos, casa boa, riqueza, felicidade? Tenho que abrir mão de tê-los por perto, de lhes fazer carinho – e receber –, de me preocupar com eles? Tenho que desaprender a ser mãe e deixar de amá-los?
Porque preocupação, cuidados, conselhos, afagos, são as maneiras de mostrar que os amamos muito. Nem mesmo a mãe mais errada do mundo será tão culpada se o que quer que tenha feito tenha sido por amor aos filhos. Esse não tem tamanho, cor, nem distância, ou idade. Não sei explicar, não entendo, não sei contar a respeito de amor de mãe. Ele vive, está sempre ao redor, sempre sangrando entre uma lágrima, um riso, uma espera, um abraço de chegada. Não existem palavras em nenhuma língua humana capaz de contar o que é amor de mãe. Mas nem por isso é menor. Nem por isso deve se calar. Não é porque não há como explicá-lo que ele vai diminuir depois que os filhos crescerem. Porque mães não deixarão de ser mães – ou pais – apenas porque os filhos crescem. É injusto demais! Creio que a diferença de sermos mães de filhos crescidos – e não mais pequenos – é que a casa se esvazia, a saudade se instala e não há canto onde não encontremos o frio da ausência, o eco de solidão, um adeus.
Sempre ouvi minha mãe dizer que “filho criado era trabalho dobrado”. Vivo isso de “filho criado”. Não concordei ainda – por até ser que o faça mais tarde – é que é “trabalho dobrado”. Não tive a chance de trabalhar dobrado com meus filhos grandes porque cada um seguiu seu caminho rápido demais. Muito mais rápido do que eu mesma ousei imaginar. Três partiram correndo assim que puderam, como se a nossa casa fosse o último lugar para ficar. Como se chovesse dentro, ou queimasse sempre um fogo, ou faltasse comida ou agasalho, ou um olhar mudo de dolorosa contemplação.
Partiram depressa demais, sem dar tempo de me acostumar às camas vazias, aos livros abandonados na pressa, o último pedaço de voz ricocheteando pelas paredes de onde ainda olham, desenhos a crayon. Partiram tão velozmente que se foram sem levar as medalhas, as fotografias, o álbum de formatura, uma foto minha.
Pois é. Meus filhos cresceram, e continuam crescendo, ganhando o mundo. Confiantes se atiram à estrada, ao desconhecido, à vida. Igualzinho ao que fiz um dia, se distanciam, acenam de longe; se afastam devagar, mas inexoravelmente. Os que ainda não partiram, esperam ansiosos o sinal do trem.
Estou, então, tentando aprender o que é ter os “filhos crescidos”. Os estou conhecendo como seres humanos, acompanhando seus descobrimentos, suas desilusões, suas tragédias. Posso, portanto, aprender a viver meus filhos crescidos assim como vivi para os meus filhos pequenos.
Quero, agora, um outro texto criativo e original, para me ensinar como vou viver com meus “filhos crescidos e longe”. Não é um longe de distância. É o longe de ausente, o de não mais confidências, de não mais compartilhar segredos; o longe de sonhos divididos. O longe de medo de falar o que não deve, de ferir a quem parece saber tudo, de fazer carinho e “pagar mico”; o longe de não saber deles por um dia, depois por dois dias, depois uma semana, depois meses sonolentos. Longe de saudade eterna e em confusão, de uma mãe de filho crescido que não quer que partam, mas é obrigada a viver sem eles. Mãe que não telefona para não incomodar; que não dá conselhos para não irritar. É o longe de silêncio porque as palavras agora têm significado diferente e os gestos podem interferir na nova intimidade guardada a sete chaves.
Quero também um texto que ensine, aos filhos crescidos, que mãe sempre terá cuidados; que mesmo que não a ouçam, ela gostaria de dizer; que mesmo que não telefonem o coração dela espera; que mesmo que não venham aos domingos, ela sempre reza. E que não são somente eles que crescem, cresce com eles, lado a lado, o amor de mãe. Filhos crescidos devem saber, definitivamente, que essa mãe, por teimosia, sempre dará uma última olhada para a rua, ao anoitecer, antes de fechar a janela. Pode ser que aconteça um milagre e um dos filhos crescidos – ou todos – se arrependam de ter partido e voltem para casa. Porque onde estiver, essa mãe estará esperando, para sempre, com a cantiga de ninar, o abraço macio e o prato de canja quente, por todos os seus filhos, grandes ou nem tanto.

Magda R M de Castro – Maio/2006

DESCOBRINDO A LUCIDEZ

Há poucos menos de dois anos para completar cinqüenta, tive a oportunidade de desacelerar uma estabanada forma de viver e me voltar para mim. Parei, me olhei, me reconheci, não rápido, mas comecei a me olhar, como num espelho invertido. Isso nunca tinha acontecido.
Reflexão era uma palavra remota de improvável valor sem espaço na minha vida tão rica de tantas coisas boas – e algumas nem tanto. Mas um dia sem muita preparação ou explicação, me descobri tendo tempo para refletir. Levei um choque, fiquei meio sem entender o que era aquilo por alguns dias, então, foi devagar e me esforçando com afinco que assimilei a idéia. Finalmente, estava pensando e não somente agindo, coisa rara.
Com essa reflexão fui juntando um choque ao outro, descobertos nas frestas com pouca luz ou nas luzes estonteantes e falsas, nas presenças ou nas ausências, nos silêncios ou nas palavras muitas vezes enganadoras e pude delinear a vida que vivia. Melhor: vi tudo, com olhos de atento visitante. E descobri que, embevecida ou imbecilizada pelos brilhos, sons e cheiros, todos de ilusão, estava diante da encruzilhada mais importante da minha vida: decidir o que faria com os dias que restavam dela, consciente de que seriam bem menos dos que os que já tinha vivido. Portanto, o tempo de postergar acabara. Ou fazia agora ou não faria nunca mais.
É aquela história: você não pode mudar o que passou, mas decidir como viverá o que está por vir pode. Então, agora que conhecia as estradas percorridas e podia ver o começo de cada uma das novas que se abriam à frente, teria que escolher, e bem, uma delas ciente de que não teria mais tempo de trocá-la.
Era hora de dar o primeiro passo, marcar o rumo, indicar a direção. Com essa atitude, estaria validando tudo que passei ou negando tudo que vivi. Escolher a trilha, a rua, a avenida, o mar, o que seja, por onde andaria pelo resto da jornada seria a chance de dar à minha vida o seu mais cristalino sentido e, significaria o maior enfrentamento, porque seria comigo mesma.
Calculei dados, chequei informações, avaliei experiências. Revi cada canto por onde andei, revisitei vozes e rostos, sinceramente, honestamente, afinal, nessa avaliação não havia platéia e nem razão para rodeios, subterfúgios, muito menos, mentiras.
Então, me voltei para o futuro, me imaginei anos à frente para que pudesse sentir se a decisão seria suficiente para realizar os sonhos que adiei por diferentes motivos, mas que de alguma forma, ainda faziam parte de mim, que ainda queriam viver.
Fiz isso dando pequenos passos para trás e também no presente, arrumando bem a bagagem para seguir em frente. Bagagem especial, digna da vida já vivida, e que, meu coração sabia, seria o alicerce do que ainda viveria.
Voltar um olhar crítico para o passado não é tarefa fácil. Somos tentados a manipular, a justificar ou a maquiar deslizes e erros. E, isso é até engraçado, quase sempre tendemos a desvalorizar as conquistas e os acertos. Tentei fugir da armadilha, dando a cada experiência o tamanho exato de sua contribuição, de sua lição. Me esforcei para analisar fantasmas e miragens, firme no propósito de checar tudo e descobrir o que deveria consertar e o que já estava de bom tamanho.
Concentrada no passado, descobri que tinha alguns perdões a dar, e outros para pedir. Vi que queria voltar a um olhar, riso ou abraço de quem tinha saudades. Queria de alguém uma única e bendita palavra. Descobri que queria voltar a alguns lugares e conhecer um que nunca visitei; que coisas que não fiz, trabalhos não terminados, caminhos interrompidos estavam agora me espreitando no limiar das descobertas, esperando, em silêncio, o que eu faria com eles.
Vi que que voltar nem sempre permitiria consertar erros, mas poderia clarear pontos obscuros, tirar dúvidas, rever paisagens e assim refletir sobre experiências já sepultadas e sobre as inesquecíveis.
Tinha certeza de que fazendo isso poderia explicar o que tinha agora e garantir o futuro que queria com determinação suficiente para enfrentar medos, fantasmas e resgatar a coragem dos primeiros tempos quando eu ainda tudo podia.
Depois desse trabalho de escavação e reconhecimento, ficou claro que o modelo de vida que vivia não me levaria a isso. Ao contrário, a visão que se abria para o futuro, a continuar desse ponto, não era o que queria. Essa foi a razão de decidir mudar o agora, mudar o padrão: dizer “não”.
Estava tão cuidadosamente decidida que nada me faria desistir. Isso me mostrava que algo novo, o futuro, me espreitava de muito perto. E pensar que poderiam persistir as mesmas dúvidas, inseguranças, esperanças nunca concretizadas, foi visão apavorante demais.
Em resumo, devagar e determinada, percorri os caminhos que me trouxeram até aqui: quis revê-los, ter certeza, vê-los claramente para escolher o próximo a percorrer. E foi assim que dei o primeiro passo para permitir, finalmente, a viver a vida que sonhei, a ser a mulher que sempre quis ser. E assim será pelo resto dos meus dias.

Magda R M de Castro
2005.

"PRAZER EM CONHECER"

Esse é, geralmente, um cumprimento que fazemos a pessoas com as quais nos deparamos numa primeira vez. Sinceramente, ou nem tanto, ou ainda, sem ter consciência do significado da expressão, nos deixando, portanto, levar apenas pelo senso comum, esta é uma forma de dizermos que “conhecer novas pessoas é uma coisa boa”. É claro que conhecer, melhor, uma pessoa de nosso convívio também é coisa boa só que não dizemos “prazer em conhecer” para aquela que está sempre ao nosso lado, apesar do que isso é até uma boa idéia.
Podemos usar a mesma expressão – “prazer em conhecer” – para indicar que visitamos um lugar diferente, seja rio, montanha, cidade, ou, quando experimentamos uma bebida que não sabíamos existir, a comida de outra região. Mesmo que a expressão não seja a mesma, será, seguramente, parecida, para, principalmente, indicar que ficamos gratos ou contentes ou felizes – por que não? – por descobrirmos algo novo ao nosso redor.
Mas mais que tudo, o “conhecer” é, sem exceções, surpreendente. Conhecer é juntar fragmentos, partes, pedaços para formar o todo: objeto, ciência, pessoa, de acordo com nosso interesse ou necessidade. E esse “juntamento” de pedaços pode, muito provavelmente, desenhar um mundo novo que não sabíamos existir.
Conhecer pode ser conseqüência da nossa decisão de desvendar mistérios, deslizar véus, clarear porões, para vencermos medos, às vezes insanos, infundados, de alguma coisa que nos atraía justamente porque não a conhecíamos. E o bom é que, quando rompemos a barreira do medo – muitas vezes do preconceito – o que queremos conhecer vai se apresentando a nós com nuanças e cores nunca imaginadas e uma vez (re)conhecido o objeto de estudo, esse passa a ser parte de nós. É claro que nós também passamos a fazer parte desse novo objeto, ou novo ser, afinal, de novo mundo descoberto.
E não nascemos conhecendo – disso todo mundo sabe. Num primeiro momento, a surpresa de ver a luz do sol é desconfortável, ouvir novos sons, sentir novas sensações também. Ante o desconhecimento somos frágeis, inseguros, tolos muitas vezes.
Num segundo momento, quando nos afastamos, até titubeantes ainda, da zona de conforto, sentimos medo. Forte, quase dor, diante do desconhecido. E tateando, mesmo receosos, nos descobrimos ao largo em estradas estranhas. Com esforço, rompemos o medo, o desconhecimento, este, que dali em diante, será, possivelmente, cada vez menor.
Digo possivelmente porque conhecer é questão de escolha. Podemos decidir a não aprender, a não saber, a não conhecer, mas podemos tomar a atitude de descobrir. E buscando informações, partindo em busca, vamos elaborando novos conceitos para antigos temas e esses vão se transformando, se ampliando, nos envolvendo e moldando e quando, um dia, voltamos ao ponto de partida, coisa muito difícil, aliás, tudo mudou, seja porque algo novo aconteceu, seja porque o novo aconteceu a nós.
De qualquer forma, há o primeiro passo, a primeira decisão, que pode ser curiosidade, ou, como já foi dito, necessidade. Mas não importa o que nos leva ao limiar da dúvida, à porta que transpomos para o conhecer. Sempre haverá do outro lado, um mundo novo, outra montanha bonita, rio mais caudaloso, amigo mais verdadeiro, cidade mais aconchegante, o que seja, mas sempre valerá a pena arregaçar as mangas e conhecer tudo o que não conhecemos.
Porque o conhecimento ilumina e define contornos indecisos; esclarece dúvidas desnecessárias, expulsa dúbias interpretações, resgata a auto-estima, a segurança. E a humildade. Sim, humildade, porque essa é conseqüência, a principal, do conhecimento. Não a humildade da subserviência, da anulação do que somos, mas a humildade de ouvir profundamente, a humildade de ceder lugar e de não precisar provar nada a ninguém.
A esse estado de graça chegamos pelas mãos do conhecimento. E ao buscar o saber nos depararmos, surpresos, com uma pessoa nova de nós, a que nos tornamos quando conhecemos, profundamente, a nós mesmos. Desse ponto, a partir de nós mesmos, começamos o processo de conhecimento de mundo: uma vez conhecido o que nos cerca, descobrimos, maravilhados, a nos olhar de nosso próprio espelho nova pessoa, à qual podemos, então, dizer: “muito prazer em conhecer.”

Magda R M de Castro
2007.

COMO SOBREVIVER A UM MESTRADO

OU CRÔNICA DO MESTRANDO LOUCO

Quase no final do semestre, quando, mais uma vez, os alunos perguntaram, como seria o exercício de avaliação da disciplina, o Professor (aqui não vai nenhum nome porque senão fere-se, inutilmente, susceptibilidades) respondeu que poderia ser feito um resumo que indicasse o que se havia apreendido, até o momento, do curso de mestrado.
Em meio à profusão de informações recebidas, bombardeadas de todos os lados, organizar um texto coerente implicaria em arrebanhar complementos e novas informações para fazer pontes entre tantos dados. E, considerando que cada informação abria verdadeiros icebergs de outros assuntos, outras áreas do saber, deduz-se que essa não é tarefa fácil.
Livros novos e velhos, cópias borradas de outros, pastas disso e daquilo, revistas, jornais, anotações em agendas, rodapés, cadernos grandes, pequenos, guardanapos de boteco – e até o papel-cartão da meia-calça – era lugar para anotar, guardar, captar tudo. Também crescia exponencialmente – palavra chiquérrima essa – os arquivos dos computadores, dos pen drives e lap tops, do CDs, para não deixar as – sempre grandes – idéias escaparem.
Tinha ainda que se considerar a ajuda de vizinhos, patrão, mãe, irmão, marido/esposa ou namorada/namorada, professores do curso; esses assediados pelas idéias das mais estapafúrdias e infantis até as mais razoáveis e inviáveis.
Todos os dias a roda era inventada de novo. A toda aula algum aluno via o descortinar de um mundo novo, descobria – pela décima vez – seu tema de dissertação – essa com o fim de ser a única no mundo. Quando se falava em “material”, “texto de fulano”, “artigo” de sicrano , “site” tal – essa palavra poderia ser “sítio”, mas, gente “site” é muito mais chique – e fora do lugar, como tantas – era um fusuê na sala, como se em cada nova informação fosse encontrada resposta para todas as questões.
Assustador, o volume de informações. Pelas durações dos módulos, o número de horas totais seria de quase dois dias – pasmem! Era para aprender a história da humanidade – e isso sendo claro que história é uma coisa e que memória é outra –, em dois dias. E aprender fundo a ponto de criar uma nova teoria, reinventar o mundo, salvar a humanidade.
Havia os bolsistas que viviam apenas para o curso, mas a maioria trabalhava e grande parte ralava para estudar, fazer as tarefas, pagar as – caras – mensalidades do mestrado e ainda dar conta de se manter no mundo lá fora. Então, esse exercício de viver na realidade e se transmutar para o mundo acadêmico faziam os alunos quase mudarem de personalidade e, de vez em quando, um ou outro errava o timing e acabava deslocado na sala.
No começo, os grupos se formam apressadamente, de acordo com a vaga idéia do que era cada aluno: se contribuiria, se atrapalharia. É que a meta geral era ser “o melhor”, ou o queridinho do professor ou ganhador de uma suposta disputa ou prêmio. Depois das primeiras tarefas, nem todos se entendiam mais e caras decepcionadas fugiam para outros cantos da sala em busca da alma gêmea, do colega perfeito, aquele que tudo podia, sabia, fazia e ainda era gentil e educado. Interessanta também é formar grupo com aquele colega político: conhecia a escola e os coordenadores e passava informações para todo mundo. Num terceiro momento, todos já com informações mais precisas sobre cada um, os grupos sofreram baixas ou acréscimos, de acordo com o interesse de quem chegava ou saía.
Tinha gente de todo jeito: um falava gritando, outro sabia de tudo, esse não falava nada, aquele o professor sempre ouvia e achava bonitinho, o coitado que se falasse levava má resposta e os que só observavam e assistiam para ver aonde aquilo tudo ia chegar. Nesse mundo à parte, amizades verdadeiras nasceram enquanto outros relacionamentos se deteriovam devagar. Pequenos pedaços de vidas foram se mesclando aqui e ali, confidências foram trocadas, problemas pessoais foram se tornando de conhecimento geral. Alguns se gostavam naturalmente outros não se gostavam naturalmente e só a boa educação, que parecia a maioria ter recebido, é que não permitiu arranca-rabos aqui ou ali.
Mas entre interesses – ou desinteresses – foram se desenhando vinte personalidades diferentes, fascinantes, mesmo quando se mostravam irritantes ou desagradáveis. Todos tinham valores, pontos de vista, conhecimento, dúvidas que se ia mostrando, em gestos, esforços, avanços de limites, o quanto estava disposto a pagar pelo bilhete da viagem. Longa e cara viagem que tornaria ainda mais diferentes ainda pessoas vindas de muitos cantos do país. O que, entretanto, parecia ser comum era a expectativa com o resultado, do quanto aquele curso poderia significar para cada um, quantos caminhos para o sucesso poderiam surgir. E apesar do esforço visível em todos, só um aluno desistiu. Confessou não ter “se identificado com a metodologia”.
E, enquanto eram apenas aulas e trabalhos individuais o andamento do curso foi até suave, mas, à medida que mais informações se acumulavam, o nível de exigência foi aumentando e conciliar compromissos pessoais, profissionais e tantos outros foi se tornando cada vez mais complicado. Entretanto, muito se aprendeu, como por exemplo:
1) Que se você gastar todo o final de semana lendo aquele livro indicado de 600 páginas vai quebrar a cara porque o professor vai levar três quartos da aula seguinte discutindo as notícias do jornal de domingo – e não o clássico livro;
2) Que o horário e a presença são obrigatórios, mas se você for à aula, deve-se preparar para levar bronca pela falta dos colegas;
3) Que a sala de aula é um palco iluminado – tem estrela para toda parte e ali você aprende o que jamais imaginou aprender e desaprende o que sabia;
4) Que quando você faz uma pergunta ao professor, quem lhe responde é aquele sabe-tudo bonitinho, que afinal não sabia nada e você fica sem saber do mesmo jeito;
5) Isso deve se explicar pelo fato de que só vai à escola quem sabe tudo. Se você quiser aprender deve ir a outro lugar – que o dicionário ainda não definiu qual;
6) Numa aula de mestrado se aprende que quando o professor lhe perguntar uma coisa, você tem duas opções: ficar calado ou responder. Qualquer que seja sua escolha você estará errado;
7) Também se aprende que se o professor falar uma verdade – e ela não agradar – pode-se ir ao coordenador reclamar – em nome da turma, mesmo que a “turma” não tenha sido consultada. Pois é, mesmo num mestrado ainda se tem isso;
8) Se aprende que não se pode ler qualquer coisa porque só algumas “fontes” são dignas de credibilidade – como é que sabe isso antes de ler? – que certos autores você “queima” porque é opinião sem valor;
9) Que os textos escritos por mestres e doutores têm o objetivo – depois de detalhado o objeto – de confundir todo mundo: só podem ser entendidos por eles mesmos.
Concluindo, tenho que parar de escrever porque tenho três resenhas para entregar na próxima semana, mas não sem antes contar o que uma garota de 16 anos me falou. Diga-se, de passagem, a maior lição do período – e, percebam: não foi aprendido no mestrado. Essa menina disse o seguinte: “a verdade é nossa melhor máscara”. Por que essa frase é tão fantástica? É porque, hoje, para sobreviver às hipocrisias que nos permeiam precisamos parecer alguma coisa. Ou seja, seremos muito mais aceitos num grupo social se parecermos ser algo: é que no despreparo de leitura de mundo, as pessoas estão acostumados a ver apenas as aparências porque talvez assim tenham mais facilidade de lidar umas com as outras. Dessa forma, como é de praxe usar máscaras, todos já acreditam que você tem uma. E se você não tem, pode ficar no conforto de parecer o que é usando a própria cara, o que, cá entre nós, é grande alívio.
Agora, fazer um mestrado só para fazer de conta que é alguma coisa diferente do que realmente se é vai decepcionar: o curso é longo, exige dedicação e isso acaba expondo o que está escondido a sete chaves. Portanto, se optar por uma empreitada dessas é melhor ser o que se é e viver bem assim porque de outra forma... é tempo demais para usar uma máscara com sucesso.

Magda R M de Castro
Brasília – DF, dezembro de 2006.

DIA DE DOMINGO

"Sei que o amanhecer chegou porque abri os olhos quando o calor se tornou insuportável. Posso pressentir a luz invadindo tudo. Parece que vai ser um daqueles dias quentes de rachar mamona. Um raio de sol penetra pela fresta entre o reboco da parede e a moldura da janela. Pequenos seres coloridos brincam no meio da luz. Faço um círculo com o dedo em riste e os pequeninos começam uma dança frenética, mas, aos poucos, se acalmam e voltam em silêncio para o caminho transparente.
Perambulo o olhar através da penumbra do quarto e mais uma vez penso que as paredes são meio tortas. O que na verdade não é de se estranhar considerando a qualidade duvidosa do resto da construção. Se a curiosidade fosse grande o bastante poderia até medir as paredes para ter essa certeza. Quem sabe um dia.
Estou sobre um colchão a um canto do quarto, sem cama. A cama fica reservada para minhas duas irmãs que a dividem infalivelmente depois de trocarem uns tapas para conseguirem cada uma o seu lado preferido. Elas ainda ressonam. Vejo mais uma vez que o colchão está puído e acho que se a “Mãe” quisesse poderia remendá-lo mas parece que isso não faz parte das prioridades dela porque os buracos estão aumentando desde que os vi pela primeira vez não me lembro quando.
A casa ainda está silenciosa. Ninguém se levantou e levado pelos meus pensamentos quase embotados por causa da repetição modorrenta de todos os dias da minha vida, de repente, descubro que este é um dia de domingo.
Ah! Mais um domingo! Me ergo, quase já cansado, e arrasto as pernas através do cimento vermelhão até a porta que dá para a cozinha e estico o pescoço para o seu interior. Uma barata passa de um canto a outro, vagarosamente, como a dar chance a um cheiro de comida alcançá-la. Inútil espera. A última comida que entrou em casa foi aquele queijo fresco que um tio, sabedor de nossa minguada mesa, enviou ontem de manhã e que acabou como lauto almoço e pelo que sei, acho que pouco, de baratas, não me consta que elas gostem de queijo.
Penso ainda que talvez pudesse tomar um copo d’água, presença se não constante, menos rara, mas a ausência de um copo à altura da minha mão me conduziu a adiar a façanha para um momento mais premente.
A passos contados, são quatro, entro na sala tamanho tal que o sofá, esse não menos esburacado, alcança toda a parede indo tomar parte do umbral da porta. Mas que não me entendam mal sobre o tamanho da sala pois que ali não me caberia teso em caixão. Empurro um pé de sapato para que se una ao pé que estava do outro lado da sala e sinto que talvez tenha sido essa uma atitude muito louvável de minha parte.
Abro cuidadosamente a porta da rua e a luz invade a casa. Alcanço o dia então, quase que tateando, cego pela poderosa presença. Devagar chego ao muro, pelo menos é o modelo com o qual aquilo mais se parece e lanço um olhar desconfiado à avenida. Quem, no meu entender, a essa hora tão cedo, estivesse passando, era digno de suspeita ou respeito pois que poderia ser um boêmio irresponsável de volta ao lar ou um crente que cumpria as primeiras penitências do dia.
Na verdade, não tenho tido essa preocupação muitas vezes nesses últimos tempos, pois que depois de tanto observar esta rua, todos se fizeram conhecidos, amigos ou camaradas que apostam comigo um “joguinho” de vez em quando. Antes era o “Pai” que fazia tudo e eu só ficava por perto espiando, mas depois que ele partiu os ”camaradas” pressionaram para que eu tomasse conta da “banca”.
A preocupação que tenho sempre que olho pela rua afora é imaginar o que o “Pai” estaria fazendo longe da gente que sei não somos uma família modelo, mas isso não é motivo para ir-se com a desculpa de conseguir trabalho melhor ou a justificativa de vir sempre nos visitar ou o consolo do afago furtivo na despedida. Nada disso, acredito de coração, é bastante para partir e deixar a gente aqui que mesmo que não trouxesse um bom almoço sempre, tinha o conforto do riso de falhas nos dentes, mas que mostrava a luz dos olhos brilhando a nos olhar e que acabava nos aquecendo do frio e enganando a nossa fome.
Envolto como sempre nestes mesmos pensamentos o dia vai me acontecendo sem pressa. Quase me assusto quando a “Mãe” chama para o almoço, que café da manhã não teve e vejo que tínhamos visita e que o macarrão do domingo ia ser diminuído. Então, belisco minha parte na tampa de panela, pois os pratos também eram insuficientes, e volto à rua às escondidas que visita para mim é tortura sempre, que falam da minha magreza esquelética e da corcunda.
A tarde me traz de presente café ralo com biscoito doce frito, preciosos, que a menina da casa ao lado dá em troca de um beijo.
E como não poderia deixar de ser a noite também chega. Suave. E esta hora é triste que a rua de novo se esvazia e aí a saudade se mostra: fina, fria, cortante de um lado, apertando a garganta, espremendo os olhos. Não deixo a lágrima brotar e engulo duas vezes para que ela se some às outras das outras noites que a “Mãe” não pode ver porque “homem não chora”.
Um olhar de vã esperança ao caminho vazio e entro na casa. O quarto cheira a desinfetante quando desenrolo o colchão no canto. Me recosto com cuidado e fecho os olhos. Tento encontrar um motivo para dormir esta noite e acordar amanhã de manhã para viver um dia de segunda, depois terça, depois... O sono chega entorpecendo... Confortável... Os sons vão se distanciando... E de repente, estremeço: é a voz da “Mãe” gritando da cozinha: “Tratem de dormir, cambada, que amanhã é cedo! Dia de igreja! Não quero ninguém com desculpas esfarrapadas para faltar à Missa num dia de domingo!”

Magda R M de Castro
1996

PARA QUE SERVE UMA CASA DE CAMPO

Esta é a resposta para uma pergunta da Lu, que faz parte do grupo: Para que quero uma casa de campo.
Tenho a minha casa no campo há mais de 5 anos e me pergunto o que seria de mim, hoje, sem ela. Brasília não é também estressante, apesar de estar longe de São Paulo, mas para mim - criada solta como bicho pelas fazendas de Minas Gerais - sempre foi difícil viver na cidade. No dia em que carreguei meu carro com tralhas e treliças, me dei ao luxo de amarrar os cabelos com um lenço berrante e rumei para o campo, meu coração exultante, tarde inesquecível, me dizia: finalmente, tenho um canto meu, longe de tudo, para onde fugir.
Sinto ainda alegria, fundo, apesar de passado esse tempo, toda vez que atravesso certa ponte, no caminho que me leva ao paraíso. Já tem muita flor plantada lá. Neste momento, estou comemorando a primeira florada de uma paineira rosa, mas já floresceram hibiscos, jasmins, rosas, flamboyants, flores em penca. O gramado já pegou ao redor da casa e já estamos comendo as frutas plantadas por nós. As noites de sono são reparadoras: meu marido e eu viajamos quatrocentos quilômetros todo fim-de-semana apenas para dormirmos lá a noite de sábado - aí vc percebe que não gastamos mais com motéis...
Mas nem tudo são flores - há cobras aos montes: elas entram pela porta da cozinha, pela da sala, sobem nas grades, nas colunas, de dia, de noite, de tarde, sol ou chuva não avisam e ficam loucas perto da gente – e a gente perto delas. As aranhas se escondem onde vc jamais imaginaria; há sapos e besouros aos montes. Os grilos são ensurdecedores em contraste ao profundo silêncio - e ainda: na entrada da primavera, o arvoredo ampara milhares de cigarras incansáveis que berram por mais de três meses seguidos.
Vc ainda tem que ser responsável pelo lixo que produz, pelo tratamento da água, pela leitura do padrão de energia, pela visita da pessoa da cidade acostumada à televisão e ao sofá, que joga tocos de cigarros, papéis de bala, tampinhas de garrafa no gramado e vc tem que catar um a um porque não me consta que a grama verde - ou o cortador - gostem disso. Ainda, pessoas que não sabem separar o lixo, que reclamam da picada - suave - do vagalume, e dolorosa - do marimbondo -; querem matar as lagartixas e os passarinhos, - e os pobres marimbondos -; não suportam o cheiro do estrume e reclamam do barro. Sim, porque é muito barro. A não ser que vc cimente todo o quintal, todo o caminho.
É que para ir para o campo vc precisa se preparar com a invasão da natureza na sua vida. Lá vc vai ouvir a chuva: mansinha embalar o sono, mas a de vento arranca as telhas e desregula a antena parabólica. Quando é poeira, ela entra em qualquer fresta e se instala, sem cerimônia no seu guarda-roupas, mesmo herméticamente fechado. As traças não pedem licença. O mofo adora ficar pelos colchões, travesseiros e almofadas. Se vc cuidar como uma histérica, vai ficar livre de ter os forros de crochet que cobrem as mesas virarem comida de ratos. A natureza invade tudo, com muitos personagens. Os lobos são mansos: atacam as galinhas no terreiro. E também as raposas. Alguns pássaros atacam você a bicadas, se se aproximar de um ninho. Quanto ao tempo, no verão há muita chuva, tudo se encharca. No inverno, há a seca, tudo se acinzenta, morre, enche de poeira. A primavera e outono ficam no meio, sem grandes dramas.
Quanto está muito quente, os insetos invadem a casa à noite atrás das luzes e para usar o computador tenho que colocar cortinado. Todas as vezes que abrir uma porta, se sentar ou se deitar, é preciso espiar, vasculhar com cuidado. Há suspresas por toda parte.
Uma coisa que não posso deixar passar: é duro escolher alguém para tomar conta enquanto vc está longe.
Bem, teria que escrever um livro para lhe falar das peripécias pelas quais passamos, minha família e eu, depois que compramos este sítio. E teria que escrever dois para lhe contar quanto já mudamos e nos tornamos melhores pessoas depois disso. Mudamos tanto que alguns amigos se afastaram - ainda bem que conhecemos outros no campo; temos hábitos diferentes, resposanbilidades diferentes. Agora estamos mais tranqüilos, passamos mais tempo juntos, cantamos e rezamos juntos. Aprendemos a respeitar mais a natureza e estamos ensinando às pessoas com as quais convivemos, a fazer o mesmo.Portanto, Lu, vá para sua casa no campo. Se vc gostar muito, muito, vai dar certo. Se vc gostar de sol quente, de chuva fria, de muito silêncio, de distância da civilização - não adianta pedir socorro -, vá! Mas saiba que aí a vida vai se apresentar todinha para vc, sem maquiagem, sem janelas de vidro, sem grades de proteção, sem o corpo de bombeiros, sem leis humanas, só as inexoráveis da natureza, sem seu controle. Certifique-se de que quer mesmo se entranhar na natureza, ser natureza de novo. Se assim for, vc jamais será a mesma e não se arrependerá. Se assim não for ... não invista em uma casa muito cara...

Magda R M de Castro
25/04/06

TEMPOS DIFÍCEIS ESSES PARA O AMOR

Talvez sejam os novos modos. O novo jeito de viver, isolados por paredes e, nessas, são instalados olhos de mundo: não é mais necessário estar ao ar livre para participar das emoções das tempestades, do nascer do sol em manhãs de nevoeiro, do por do sol com brisa fresca a movimentar cabelos. Esses são tempos de pessoas viverem em espaços muito pequenos, inconcebíveis para quem, em outras eras, construiu castelos em topos de colinas, catedrais rumo ao céu, para quem ligou mundos por pontes magníficas.
Vive-se em flats, kits, lofts, cubículos onde se instala tudo: comida pronta, roupa passada, vidraças dez vezes mais fortes, telefone sem fio, emoções. Células de onde basta apertar a tecla certa para conseguir o remédio, o jantar de gala, a flor fresca, o amor medido: tudo ao gosto de cada um.
Criam-se padrões: de construção, de beleza, de lazer, de felicidade e de emoções. A emoção correta é a da moda, mesmo que seja só imagem, transportada através do tempo e do espaço. É que se pode ver uma montanha ruir, uma vaga ou avalanche soterrar cidades, sem que nem um dedo seja ferido. É possível se emocionar com o que está acontecendo nesse minuto a quilômetros de distância.
Pena que, com tantos padrões, espaços encolhidos e tanta tecnologia, o amor se perde. Se extingue, lentamente, sem aplausos. Mesmo que se saiba todas as regras de convivência, da boa educação, do respeito, há crescente confusão quanto à entrega, à intimidade, quanto até onde chegar no espaço do outro.
É que não se confia mais. Nem em si mesmo, naquilo que, verdadeiramente, se é – e no que não se é – dentro do padrão da moda: o de que é possível ser tudo. A maioria das pessoas acredita que pode ser o que e quem quiser, fazer e ir aonde quiser. Pode-se tudo. E tudo se quer. Como se o homem só pudesse olhar para longe, quem sabe, para não ver o vazio no qual se transformou.
Inventa-se, cria-se, modifica-se: regras, coisas, valores, sentimentos. “Não ria tão alto!”, “Não tenha tanta expectativa!”, “não atravesse fora da faixa”, “faça exercícios”, “coma mais verduras!”, “ela não é meu tipo”. Regras que estampam ruas e passagens, traseiras de ônibus, páginas de Internet.
É que a comunicação perdeu o radical “comum” para se tornar “in”, de individual, de intocável. Virou comunicação à distância, sem o toque do calor, sem o timbre de veludo da voz carinhosa, sem o passo do encontro. É mais fácil ver e pensar superficialmente e as relações pessoais ficam apenas: nas possibilidades: jamais se tornam reais. Parece que satisfaz apenas pela possível realização e não pelo fato consumado. Não é preciso sair à rua, à chuva, se expor. Há sempre a espera do melhor momento para qualquer coisa e como há tantos possíveis bons momentos, o passo final se adia.
Antes, disso vem o individual, o próprio. Primeiro vem o “gostar de si mesmo”, “viver por si mesmo”, depois, o resto do mundo. Sim. Porque viver ao lado dá trabalho: é tão difícil acompanhar, perdoar, entender o sonho alheio. Vizinho, então, coisa chata! Repartir, consorciar, convergir são palavras deslocadas. “Dar para receber” virou piada.
O certo e o errado trocaram de lugar, repentinamente. A mesma regra pela qual alguém morreu um dia, hoje é ridícula ou ultrapassada. Há novos padrões a seguir a qualquer preço, para se ser feliz. E ser feliz agora é não sofrer nada, não botar o pé na lama, não se molhar na chuva fria, não se expor às paixões.
Paixão, então, essa pobre! Até para se apaixonar tem regra. Tem clichês de todos os tamanhos: “Nossa, como ele é feio para ela!”, “Cruzes! Como ela é gorda!”, como se fosse possível medir, enquadrar ou definir paixões. Além do que se apaixonar é coisa perigosa: perigo de desarrumar, de quebrar regras. Então, paixão, nem pensar.
E pensar, profundamente, cirurgicamente sobre o que se é hoje é exercício de muita coragem porque explicar a finalidade de todos os talentos humanos está fora de moda. É melhor fazer de conta que tudo é perfeito e isolar a vida em caixas onde não cabe mais gente, alívio, porque gente incomoda. Por isso não incomodam casas pequenas, almas pequenas, vidas pequenas. Daí, quem não se conforma com pequenos amores, sofre calado, quem procura o abraço quente ou madrugada em boa companhia tem pouco o que esperar: ser carente é pejorativo. Querer amar de verdade é insegurança, fragilidade, então, mais vale o “ficar” fátuo, pequena explosão de espoleta: acontece de repente e desaparece depressa sem que se tenha tempo de aprender a gostar porque assim não terá que desaprender a sofrer.
“Fica-se” à meia-luz para que não sejam vistos os detalhes, a imperfeição e tudo se disfarça. E de disfarce em disfarce se disfarça o amor, se disfarça a dor, disfarça-se o que se quer verdadeiramente.
O irônico é que entre preços, regras e disfarces paga-se demais por tudo, mais do que poderia valer. Obedece-se a regras às custas de lágrimas, não mostradas; é feito grande esforço por algo que nem se queria realmente mas que “pareceu” ser o “modelo”.
Um jogo, perigoso, diga-se, de ser e não poder parecer. De querer e não poder parecer querer. De querer amar e não saber mais como achar o caminho para os corações. O jogo de não querer ficar só, mas dizer aos ventos que “está muito bem sozinho” mesmo que a chegada da noite seja de tal forma terrível que se tenha de afogar a solidão no álcool, no programa de mau gosto na televisão, numa companhia duvidosa. É que não é moda precisar ou esperar por alguém.
Mesmo assim, desconfio que em meio a essa confusão, muito profundamente, cada alma quer encontrar o amor. Todos querem, mesmo fingindo não querer, conhecer alguém que sabe, de verdade, o que é e do que é capaz e do que precisa realmente. Alguém que expõe o rosto descoberto para o sol do meio dia, que abre os braços a quem chega, que ultrapassa o limite desenhado na calçada, que avança pela floresta. Alguém que não é perfeito nem se importa em ser; que acredita e vive por isso e aceita, sem choque ou fingimento, os defeitos dos outros e os próprios; que vive com medo, mas não recua. Alguém que se baste, mas que não fuja dos outros que goste também de bichos e de flores. Que descansa, mas também caminha; que acredita antes de ver; que toca e se dá; que gosta da sombra, mas que prefere a luz
Difíceis tempos esses para o amor que mesmo tão simples ficou misturado aos escombros: tudo acumula, mais vale ter do que ser. Amor de paz e de tranqüilidade emudeceu ante o barulho da viagem. O amor, que completaria a glória dos humanos, inteligentes de cérebro e de alma, se distancia em silêncio sem que haja claro esforço para resgatá-lo. Os homens se exauriram para atender necessidades descartáveis e o verdadeiro recebeu disfarces para não destoar do contexto. E, jogado ao comum do possível, o amor soterrado não incomoda.
É que o amor põe de joelhos, desnuda, descobre. E aí esse ser moderno, quase não-humano, poderia se sentir vulnerável já que a regra é que seja sempre altivo, altaneiro, vencedor: uma mentira. Ainda, o amor faz parecer antiquados os que amam, então se finge não querer amor, mas diversão: um aperitivo, apenas a amostra, o arremedo, nada de futuro, nenhuma possibilidade.
Tempos complicados esses para o amor quando ele só precisa de humildade, ternura, sinceridade e compromisso: valores tão fora de moda.

Por Magda Regina Miranda de Castro
Brasília, 03 de novembro de 2007.

O TREM

“Ouve-se ao longe, o apito do trem...” Parem! Esse pode ser o começo de uma outra história, mas não o da minha.
A minha história é o “trem” da minha terra: lá tem um trem. Só que não apita nem anda na linha. A linha que a gente conhece lá é a “linha de leite”. Ou de carretel. O trem da minha terra é pau para toda obra: o trem é panela, é vassoura, é estrada, é chuva. É o ônibus que vai para o Cedro, é o moirão do curral. É alegria: “Ô, trem bão!” É xingamento: “Que trem!”. É trem pra lá, trem pra cá. Mas não atropela nem maltrata ninguém, a não ser quando um arrisca a botar o pé fora da terra natal: o povo da cidade grande “faz hora” desde que o animadinho aventureiro chega até que sai, rindo dele falar “trem” para tudo.
O “trem” da minha terra não tem preconceito: passa em cada canto, levando trabalho, levando sorrisos, más notícias, novidades a até mesmo aquelas histórias maravilhosas de nossos inesquecíveis avós.
O “trem” da minha terra começa a circular no pezinho da serra na entrada, quando se chega à cidade pelo lado do Marmelada – que não é doce, é o nosso “rio” – onde o “Grilo” – que era apelido de gente – bateu o FIAT e deu aquela tristeza em todo mundo. Na ponte, depois do “Parque de Exposições” – festona boa de agropecuária – se não cuidar erra o caminho porque começa com dois e acaba só num. Subindo a rua de chegada, tem o “Colégio das Irmãs”, onde levei a primeira bomba de minha vida, em Matemática. E o professor era o João Dias, que era professor de Francês também. E a Maria José era professora de Português e de Inglês. E o Leonídio, onde será que anda?
Subindo a mesma rua tem a “Padaria do Dominguinhos”, “trem” que cheira longe até a sala de aula. Se seguir reto, o “trem” pega o fundo do Hospital, a praça de esportes, o Colégio Estadual. Se virar à esquerda, pega a casa do prefeito Dr. José Carlos – do meu tempo –, a CNEC, a Praça da Matriz, que tem o “trem” da missa das sete. Daí para a direita, o “trem” alcança o cinema, a Casa Andrade, a Casa Moura, a Prefeitura, a Cooperativa em frente, o Abaeté Clube na Pracinha – Ah! Carnaval bão, peraí que tô chegano!”. A Pracinha é querida dos namorados, onde o “trem” tem ponto nas tardes frescas, nas manhãs de domingo, nos sábados à noite. Na Pracinha, tem ponto de táxi, é rodeada de bares, lojas de tecidos, sorveteria, sapatarias – a da Cidade também é um dos “trem” tradicional ali –, tem um mini “super-mercado”, um hotel – que “trem”! Esqueci o nome desse –, farmácia. É o trem, que roda, roda e qualquer caminho que tomar tá bem tomado porque sempre vai ter num cantinho gostoso, num lugarzinho querido, num rosto amigo, num pingo de saudade – Oh! “trem” que dói é a tal da saudade...
Se o “trem” pegar a Rua Dr. Antônio Amador, vai dar na Capelinha de São José, onde o Frei Mário rezou tanto pra gente e tem missa todo domingo às nove da manhã. Delícia de “trem” quando o padre fala: “vão em paz e que o Senhor os acompanhe” eu sabendo que tinha o domingo todo para aproveitar. Bem pertinho, tem a “Vila Vicentina”, essa um “trem” danado de triste, e o “Lactário”. Daí, se continuar depressa, o “trem” sai logo da cidade pelo lado do “Bicué”, ou pela Rua do Capim – rua onde moram a Maria do Mato e o Zé Barata. E tem, ainda no trilho do “trem” dessa Rua, a Capelinha, das missas de domingo às cinco da tarde no meio do poeirão de terra vermelha, porque dentro não cabe todo mundo.
Seguindo o caminho do “Bicué”, o “trem” vai chegar no Cedro, não antes de passar pelas fazendas do Dr. Aloízio, do Zé de Paiva, do Dr. Amador, do Tio Osvaldo Arruda, dos Sales, da entrada da Fazenda Gamelão do meu querido e saudoso avô Zé Miranda. Seguindo pelo mesmo caminho, tem uma hora que o “trem” passa numa terra azul como o céu e a poeira deixa as folhas dos galhos perto, um “trem” esquisito de se ver. É seguindo esse “trem” azul é que a gente alcança o Cedro. Rua única que descamba para o Capacete.
Agora, se o “trem” não pegar essa estrada pode sair da cidade pelo rumo da Paineiras e aí ele vai passar pertinho da Serra do Tigre, que é onde tem “trem” bão demais principalmente se ele parar na fazenda dos Amorim, que tanta moça e rapaz que se o “trem” não fosse do tamanho dum trem, não dava para todo mundo. E esse povo todo, mora numa casa perto da minha, na cidade, na Rua 13 de Maio, que cruza com a “Antônio de Andrade”, a “Princesa Izabel”, a “Sete de Setembro”. A “Sete de Setembro” tem uma ladeira que é um “trem” de dar medo. O Odimar levou um tombo enorme lá numa bicicleta novinha, que foi de dar dó.
Mas tem mais caminhos de “trem”: o da “Oncinha”, o de “Tiros”, o caminho do “Quartel” – a lagoa era famosa, ponto de veraneio da região. É “trem” que não acaba fácil, é fartura de “trem”. Saudade que não acaba mais. E “embarcando” gente e saudade junto no “trem” da minha terra, dá certinho a receita da vovó para ser feliz e seguir pela vida afora...
É. Mas como qualquer outro, esse “trem” de história que escrevi aqui tem que parar, por enquanto, porque tenho uns “trem” para lavar ali na cozinha. Mas qualquer dia desses, boto o “trem” de novo na linha dos meus pensamentos e escrevo para esse “trem” que chamam jornal, sobre o “trem” da minha terra, que mesmo de longe, dá um “trem” no coração da gente...


Magda R. M. de Castro
Brasília, 01/10/85