domingo, 21 de agosto de 2011

FEITA DE PALAVRAS

Essa é a resposta a uma pergunta da última capa de uma revista semanal: do que você é feito? Na mesma revista, tem uma reportagem sobre os desafios vencidos por professores de matemática, o enfrentamento das adversidades com diferentes instrumentos. Se sobressaíram, e junto, seus alunos, na última olimpíada de matemática acontecida no Brasil. Mesmo admirada com a paixão desses exemplares professores pela lógica dos números, não seria outra a resposta para a pergunta do que sou feita. Essa não me veio à cabeça, assim, de repente: nasceu de um ponto mínimo em longínqua célula e se espalhou como relâmpago pelo corpo inteiro. Como uma luz de super-nova se irradiou por todos os meus poros antes obscuros: sou feita de palavras.
E que me perdoem os números. Dia desses, confessei a uma das turmas da faculdade: sou apaixonada pelas palavras. Isso para explicar porque o banco de questões das provas que serão aplicadas no próximo mês é formado, totalmente, de perguntas subjetivas. Diante do “Ahh...” geral expliquei que a subjetividade é a pessoa em si, é o sujeito que pratica a ação. Simplista demais, sei, mas é como explico que pensar é juntar informações esparsas numa sequência entendível de mensagem, ou lição, útil. Também modo simples, nem tanto simplista, de explicar que as respostas às questões das provas poderiam se situar entre uma única palavra e uma frase completa, ou período, mas, palavras.
Em suma, as provas são feitas de palavras, e muitas delas do próprio aluno. Ele não teria os teoremas, as formas de lógica, as somas exatas para orientá-lo na resposta. Teria um catatau de textos, com palavras de todo lado, como ponto de partida para a formulação de uma idéia nova, ou quase, então, para me convencer de estar certa, a resposta teria que ser genuína. Mesmo assim, fui convidada, num arremedo de troça, a montar algumas questões de ‘marcar x”. Respondi que uma reflexão crítica não caberia em questão desse tipo, mas não pareceram convencidos quando começaram a comentar com o colega do lado. São palavras, gente, importantes formas para comunicar pensamentos.
Sei que há muitas dificuldades, no Brasil, quanto à leitura, e consequentemente, quanto à interpretação de textos sejam eles clássicos, notícias de jornal, questões de provas. Acredito que isso seja consequência de uma conjuntura nacional de políticas seqüenciais prejudiciais à educação. Acredito, também, que esses prejuízos se refletirão ainda por muitas gerações e que a solução seria a conjugação de esforços individuais, como visto na reportagem, e estruturas sólidas, tanto das instituições quanto de seus gestores.
E, claro, as deficiências não são apenas na interpretação dos textos, mas também de entendimento dos números disfarçados que flutuam no cotidiano, afinal, é deles, palavras e números, que é feito o mundo ao nosso redor. Ocorre que usar, com mais facilidade, a palavra ou o número, depende dos talentos de cada pessoa, o que afinal, é prova do que somos feitos.
Por Magda R M de Castro
Brasília, DF, 21 de agosto de 2011.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

DE ALMAS E DE FLORES

Essa é uma daquelas manhãs em que a alma ainda não acordou: o final de semana de desencontros a deixou com vincos difíceis de consertar. São dias de sombras, talvez o inverno ainda resistente à chegada da primavera; talvez as poeiras que esvoaçam com os ventos do planalto... poeiras de construções eternas, Brasília é. O alívio da seca são as flores. As patas-de-vaca florescem em meio ao pó e ao cinza dos gramados ressequidos, as barrigudas insistem em prolongar seus momentos de glória, teimando em não deixar que seus galhos nus apareçam, então dão flores solitárias; os ipês começam a anunciar o tempo novo. Anunciam devagarinho, se abrindo ora os brancos, ora os amarelos e muitos rosas. As buganvílias são as mais resistentes: seus laranjas, vinhos, brancos e também rosas enfeitam alamedas inteiras. Há também os azuis das grumixamas, a elegância dos hibiscos e o dourado dos pingos de ouro; também florescem as amoreiras, as flores de quaresma com seu roxo indiscreto, e muitas mangueiras. Pela casa, os vasos de narcisos estão repletos de flores brancas e vermelhas, florescem também a pimenteira, a babosa, as mini rosas, brancas e rosas. E, como numa resposta aos anseios de cada alma viva destes planos infindos, a mexeriqueira do quintal se veste de noiva e os cantos dos passarinhos compoem a orquestra que convida para a festa.
Mesmo assim, é uma manhã inacabada: o sol está quase na reta do céu, mas os ventos assobiam nas janelas fechadas; essas tentam, inutilmente, barrar a poeira que ruma para dentro de casa. É que Brasília, como disse, “sangra” suas entranhas vermelhas: ergue-se do chão fresco perfumado de eternidade, tanto construções quanto desconstruções. O cerrado desaparece, e junto sua exuberante riqueza de seres vivos. E, silenciosa e ignoradamente, são soterrados os veios de "mel" como Dom Bosco chamou as milagrosas nascentes de água pura, o maior dos motivos para que nesse descampado fosse erguida a nova Capital da República. Um exemplo é o Noroeste: os rasgos em linha reta fazem desenhos espectrais nas entranhas sagradas, expõem os segredos de um bioma nas suas últimas manifestações; vai desaparecer, vai se transformar num conjunto espetacular de prédios caríssimos que só mesmo a corrupção lamacenta que nos jogam na cara poderá pagar. Os pobres mortais de Brasília passam longe, nas pistas de fora, e muitos não sabem dos podres, do poder capitalista que constrói esses novos palácios. Só penso, quando passo sobre as pistas batizadas de terra pura pelos caminhões das obras, quem vai pagar a conta?
No Setor Militar há uma gigantesca obra de prédios que crescem a cada vez nasce o sol: é como se as construções de Brasília se alimentassem de orvalho. Em Águas Claras a obra é única: colossal. São dezenas de prédios que parecem querer crescer um mais rápido que o outro em disputa ao que resta de azul. Aqui no bairro, pegaram a mania de derrubar as casas antigas. Antes, elas eram reformadas, remendadas aqui e ali, até formando um espectro de remodelo, o que afinal, só deixava o lugar com cara de favela pintada para o Carnaval. Mas agora derrubam tudo, deve ser a tecnologia da construção que vem exigindo refazer geral.
Isso me lembra, de novo, o amigo querido que me dizia que quando tivesse problemas, olhasse bem para a natureza. Então acho que é por isso que estou de olho nesses dias ensolarados de inverno, sinais de esperança, pequenos brotos verdes, flores abrindo passagem na poeira, o vento mudando tudo de lugar, quem sabe, posso também, talvez possa pensar em mudanças. Devo, talvez, também copiar a idéia de tecnologias modernas que me ajudariam a jogar por terra meus valores, meus guias de sempre, minhas psicoses, claro, isso também, e recomeçar. Recomeçar do raso, da terra nua, do nada, apenas com a força de um dia depois do outro. Talvez eu devesse olhar mais para esse céu, talvez me içando ao espaço eu consiga visualizar coisas novas, quem sabe, teria a definitiva vontade de fazer diferente. É... porque as feridas estão se juntando tanto e de tal forma fundas que tudo o que consigo é continuar doendo. Me lembro também daquela historinha que me contaram quando era bem pequena: o galo sacrificado pelo João Jiló que ficava gritando “dói, dói, João Jiló!!”.
É por isso que digo que essa é uma manhã inacabada: minhas manhãs até hoje, em geral, foram gloriosas, não importando quais problemas tinha. Nessa, parece que não amanheci.
Por Magda Castro
Brasília, DF, 15 de agosto de 2011.

terça-feira, 14 de junho de 2011

NA VIDA, NÃO HÁ ATALHOS

Uma das minhas dificuldades existenciais mais constantes é dar às coisas ao meu redor seu exato tamanho e a importância que realmente têm. A lucidez sobre o mundo é questão discutida e estudada por cientistas de todas as cores, mas como não tive acesso a todas as teorias, impossível mesmo em tempo de informações-relâmpago, vez ou outra me deparei, e me deparo, com a dúvida de qual tamanho cada coisa, fato ou pessoa tem de verdade.
Me descobri, muitas vezes, conjeturando sobre o que seria a vida que vivi se tivesse me casado com o primo, no interior de Minas Gerais, de quem fui noiva aos 16 anos. Minha mãe até me preparou um enxoval e eu, saudosista que sou, não nego, guardo dois viróis de linho com bordados singelos: um azul, outro amarelo. Tenho a teimosia de pensar que ainda os vou usar em lugar e alguém muito especiais. É aí que percebo a minha mania de deixar em aberto largo espaço para tantas possibilidades, mesmo que haja poucas chances de mudanças.
Assim, penso que se quisesse ter sido bailarina, eu teria sido. Se quisesse ter sido desenhista, teria sido. Se quisesse ter sido uma esposa abnegada e mãe de prole farta, bem, sou a segunda coisa, mas não consigo me encaixar na primeira, mas poderia ter sido. Acho possível ser qualquer coisa, desde que se queira o bastante e suficientemente para arregaçar as mangas e se dedicar à escolha. Então, eu poderia ter sido escritora se tivesse querido suficientemente, o bastante para não aceitar outras opções que foram surgindo. Dedicação é um dos itens do perfil dos maiores profissionais de qualquer área, por isso é que digo que não sei como mensurar ou dimensionar os meus sonhos. Acho que num caso sonho de mais e noutro sonho de menos e insisto em sonhar coisas desmedidas e sem sentido. Daí minha caçula escreve no blog: “se você sonha, você pode”; frase que me trouxe a essa reflexão.
Então, avaliando as experiências de diferentes aspectos é que descubro que não dá para fazer tudo o que imaginamos. A imaginação é incontrolável e também porque nossos sonhos, muitos deles, mudam com o tempo. Por exemplo, hoje, meu maior sonho é uma casinha numa serra, para viver o silêncio, para ouvir meu coração, e, talvez, até me tornar a escritora que sempre quis.
Só que viver no campo, bem, isso foi realidade um dia, vivi isso, mas na primeira oportunidade de sair de lá e vir para a cidade grande, não titubeei e parti sem olhar para trás. Fui viver o sonho daquele tempo que era ser independente, ter a minha casa, minhas coisas, minha história. Entretanto, inconscientemente, vejo agora, os sonhos de hoje começaram a ser desenhados desde então. Uma das maiores lições que aprendi, e que se repete a cada nova estação de vida, é que viver um sonho é tão maravilhoso quanto é doloroso o esforço, ou as trocas, que se tem que fazer por ele. Quando vim embora, naquela época, me lembro ter tido tanta saudade, mas tanta saudade, principalmente da minha mãe, que sentia dores até nos cabelos dos braços.
Então, voltar para a cidade pequena, para os silenciosos campos, foi sonho de vida toda que começaram quando vim de lá. Só que as tramas foram me enredando, me enredando, que acabei onde acabei. Não é vida ruim, ao contrário, boa demais, mas há sonhos no coração que não minguam nem perdoam. Fazem parte de mim como se fossem uma pinta no rosto, uma verruga no pé; estão lá. Só que a realidade vívida, se olhar direitinho, prova que não há, no horizonte próximo, já que não há mais horizonte de vida toda para mim, vestígios de que se realizarão.
Pode ser o mesmo para todo mundo, pode ser, mas para mim é o que entendo nitidamente: a vida é um retalho de escolhas. Em cada tempo, escolhemos algo que altera nosso rumo. Ficar noiva, deixar de ficar noiva, partir, ficar, me casar, ter filhos, voltar à escola, fazer carreira, amadurecer, amar, deixar de amar, vestir algo, despir algo, são escolhas, e decisões. Pequenas umas, enormes outras, mas se somam e montam nossa história. As decisões se relacionam umas às outras e nos levam através de caminho único, só nosso. Nenhuma é inócua, todas têm seus efeitos, e as que tomei foi que teceram o meu destino. E, nada há no universo, capaz de mudar as consequências de nem uma delas, por menor que seja.
É interessante refletir sobre a vida nessa altura. Cheguei a um ponto não de encruzilhada, diferente isso, mas num tempo em que não há o que decidir. É especial descobrir que tomei todas as decisões possíveis e exigidas, que agora só me resta viver suas consequências. Posso deixar uma mala preparada no armário, devo manter as contas em dia, talvez escolher um vestido para o passeio final, sim, escrever um texto de despedida. E posso ver televisão de dia, sair sem dizer para ninguém, voltar tarde para casa: nada mais depende de decisões minhas. Se tivesse decidido diferente ou ter escolhido coisas que não escolhi, o que seria agora? Pior, melhor? Jamais saberei.
E, mesmo que ainda haja sonhos, que, por favor, estou viva, os aquieto a um canto menor do meu coração, e, da mesma forma, me aquieto na vida. Vivo o prazer inimaginável de fazer nada para que aconteça coisa alguma. Trabalhei e me esforcei por anos, nem os conto, que me atrevo a experimentar o far niente dos italianos. Se vier a acontecer algo muito espetacular na minha história, será, exclusivamente, resultado de ato ou decisão de muito tempo atrás.
Sim, acredito nisso porque não escrever profissionalmente e não viver no campo foram escolhas feitas há muitos anos. Mesmo que difíceis, ou mesmo que o contrário fosse decidido, a vida do jeito que vivo agora, foi obra particular. Que tenha sido de ilusões ou enganos, agora já não importa: foi o que vivi e quis viver. Se não ouvi meu coração o bastante para encarar o que realmente queria, nada mais pode ser feito. Isso porque, uma vez dado o primeiro passo, o segundo você já não conhece. É aquele ditado sobre subir a primeira montanha: há outra adiante e dá aquela gana de alcançá-la também; e a vida acontece.
É assim que se faz a própria história, é assim que se vive a própria vida e se não formos muito claros e buscarmos a verdade mais funda de nossos corações, podemos sofrer quando não for mais o tempo das escolhas. Isso porque, na vida real, não há caminhos alternativos, não se pode redesenhar o sinal dos passos dados sobre a areia. Na vida de verdade, não há atalhos: todas as estradas levam à própria, única e definitiva história.

Por Magda R M de Castro
Brasília/DF, 14 de junho de 2011.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

UMA NOITE QUALQUER

Eu não tinha entrado no quarto... ainda. Entrei naquela noite porque estava trabalhando na saleta e a porta bateu ligeiramente no umbral. Melhor: encostou levemente, um barulho mínimo, um toc surdo que não seria audível se o silêncio já não tivesse se instalado tão profundamente: era hora avançada da noite.
O edredom rosa-roxo estava embolado em cima de uma cadeira; ainda não tinha sido levado em razão do volume que faria nas malas. Iria breve, a data estava marcada, junto a outras tantas coisas que ficaram para trás: o ex-namorado e atual amigo com quem ela fala quase todos os dias vai para o casamento de uma prima e vai levar o que mais puder, o bastante para não pagar excesso de bagagem – esses tempos nossos são tão diferentes!
No quarto, o lençol da cama tinha sido esticado, mas as pontas sobravam aqui e ali. Sobre ela, estavam jogados, como sempre estiveram, livros, revistas, travesseiros, a vaca vermelha, o cachorro branco, o sapo verde, uma calça jeans em posição de espantalho. Sobre a estante rente à irreverente (verso?) parede roxa, estavam organizados desorganizadamente, uma nécessaire vazia e também como sempre estiveram, mais revistas, outros livros de música, de ópera, de literatura, uma caixa de metal com diademas de muitos tipos e cores, os que sobraram, frascos com restos de cosméticos, um baldinho decorado cheio de lápis de cor e canetas fosforescentes, vidros de colônia, uma caixinha vermelha com duas bolas de metal colorido, aquelas chinesas, decoradas, que fazem plim quando a gente as rola nas palmas das mãos.
Sobre essa estante também havia sacolas de papel vazias, um cubo com fotos dela de muitos períodos diferentes, outra caixinha, essa, laranja, cheia de clips duplos, um copo de inox com alça, uma caixa redonda e transparente para CDs ... pelo chão, um par de tênis desencontrado e pequenos pedaços de coisas; coisas que poderiam seguir viagem em breve ou poderiam ficar ali, no quarto calado, para sempre.
O relógio de disco de vinil parecia arranhar a quietude, talvez me tirando do transe, do devaneio de seguir a história daquelas pequenas lembranças em repouso. Inevitavelmente procurei o rosto branco e corado escondido entre os travesseiros e o edredom roxo: hábito antigo quando eu invadia silenciosamente aquele pedaço de mundo para verificar se ela respirava. Quem respirava aliviada era sempre eu quando via que seu corpo se espalhava pelo colchão macio, em segurança, aquecida em casa; aquecido meu coração.
Mas não foi o relógio que me trouxe de volta à realidade, foi a brisa que levantou o voil da cortina branca. O vôo transparente cobriu a cabeceira da cama e o vestiu em gala; pensar assim quase me fez rir. Essa mesma brisa que acariciou a porta do quarto e me fez avançar pela penumbra.
Noutra parede, pequenas prateleiras estavam apinhadas: caixas, mais livros, um conjunto de vidros coloridos para velas, troféus, uma cesta em xis cheia de trecos diversos, incensos, um porta-retratos cheio de fotos dela, outro, pequenino, com uma foto minha, tão antiga!
Fixo sob as prateleiras, um quadro de ímãs equilibrava fotos de amigos, do ex-namorado, do pai, minha, dos irmãos, muitas dela. Depois desse, outro quadro, nessa parede, exibia uma futura artista plástica, que futura, parece, será, já que ela escolheu cantar. Houve tempos em que os tubos de tinta, as telas nuas, as revistas com roteiros e modelos eram tudo o que ela queria; mas não agora. Mesmo assim ela pintou uma tela: um bule de café com xícaras, desenho estilizado e bonito. A arte foi levada para a fazenda porque lá eu queria juntar tudo de especial que pudesse contar a nossa história. Tentativa vã: a fazenda se foi para bancar as necessidades mais imediatas e o quadro voltou para a casa da cidade e espera, guardado preciosamente num armário, que outros tempos de abundância cheguem para ser ostentado novamente em um lugar digno de sua luminosidade e significado.
Bem, voltando ao quarto, essa parede ostenta também desenho em crayon: um traço longo, central, que se abre em dois ou três, como galhos secos terminando em bolas e estrelas, ou flores; ou pode ser um homem, ou um extraterrestre; e uma frase: “What if I fell to the floor?” e a resposta, noutra letra: “Won’t fall...”. Ao lado, mais um quadro, esse com recortes de revistas: cachorros, um cavalo branco, uma mulher dançando, outra segurando uma criança no alto, símbolos de música, frases, um casal de mãos dadas, um ciclista. Acima dessas tantas imagens, uma cesta de basquete fazia a vez de lixeira, acho tão original!
O armário, na parede oposta à da janela, escancarava suas entranhas remexidas: cabides vazios alinhados perfeitamente mostrando, aqui e ali, uma peça de roupa descartada; um boné xadrez agora inútil, caixinhas vazias ou com restos de bijuterias, peças íntimas, tictacs de cabelo, cintos, meias. As portas não se encaixavam muito bem, meio empenadas, parte dos parafusos soltos... o abre-e-fecha do dia-a-dia durante longos anos, os arrancos e chutes dos ataques de fúria e os consertos improvisados foram marcando a madeira; parece que contava uma história real de gente.
Como o armário foi no que reparei por último, foi assim que pensei quando associei aquela peça de mobília, colada à parede, inerte, calada, à minha própria história, então procurei ansiosamente a chave da porta, não tanto para trancá-la, mas para dar certa utilidade aos meus braços antes que eles ficassem vagando pelo vazio da madrugada silenciosa.
Por Magda R M de Castro
Brasília/DF, 09/04/2011.