sábado, 29 de novembro de 2008

TEMPO DE FLAMBOYANTS EM FLOR

Final de novembro: começo de fim de ano. O tempo se avoluma, se movimenta em espirais que embalam a travessia por sucessivos dias e noites, sem fim. É o último mês de Primavera e há cerca de três semanas os flamboyants tingem os espaços de Brasília. Pode-se vagar por avenidas inteiras sob as flores de fortes vermelhos ou suaves laranjas. Essa florada parece mais exuberante que a do ano passado, se não por novas árvores que estrearam seu espetáculo, pela sensação com que as observo dessa vez.
É que a estação das flores marca mais visivelmente a passagem do tempo. Serve para provar que tudo se movimenta, afinal. Sim, porque tem épocas na vida da gente que parece, somos eternos. Ou tudo ao nosso redor parece ser assim: imóvel, petrificado. Talvez nem tanto os acontecimentos do dia-a-dia, mas a alma no peito: de pedra, inerte. A razão não mostra o motivo disso, à primeira olhada. É preciso refletir para extrair dos mesmos sentimentos, dos mesmos passos, dos mesmos atos, rotineiros, o porquê de tudo parecer não avançar. Então, refletindo, vemos não ser verdade tudo estar parado: é o coração, apenas. A vida está acontecendo e até mais rápido do que entende desesperos vãos. As mudanças são visíveis, para melhor; por dentro é que parece haver um bloco de cristal, pedaço calcificado no peito. Particularmente, tenho que procurar com afinco resquício de fé ou eco de alegria e mesmo que o ignore, o desânimo ronda.
Então, eis que chega o final do ano, época de mais cansaço e maior correria, esse em que trabalhei como burro de carga; o que, ironicamente, prova que o universo se movimenta indefinidamente, mas é que há coisas que realmente não mudaram e não mudarão jamais, portanto, temos apenas que suportar seguir em frente. Assim, precisamos mesmo de tempo para nos acostumarmos a elas, mas estamos a caminho; portanto, insisto em esperar por algo lindo depois de virar a próxima curva.
Enquanto isso não acontece, as chuvas, a bola da vez, parecem se firmar. Já se marca compromissos para antes ou depois delas; as roupas já não secam tão instantaneamente e a casa se mantém limpa por mais tempo. O engraçado é que agora que começa o frio em Brasília: eis o “inverno”; e os casacos já saíram dos armários.
Com o semestre quase se encerrando, ousei ir ao cinema no sábado à noite. Fui, com um amigo, ver Wagner Moura e Letícia Sabatella em “Romance”. Amei, o ator, a fotografia, o figurino, a história; e a companhia, claro!
É quase uma aventura sair de casa e ainda mais com tanto trabalho, mas ninguém é de ferro. E vai que estou nesse “intermezzo” há tempos demais, portanto, preciso me obrigar a sair da toca. É tempo de recomeçar a sentir certos prazeres, simples, aliás, os mais simples são os melhores, mesmo porque o passado se rompeu definitivamente do agora e ainda não há a definição de qual futuro acontecerá.
É que nesse momento de passagem nada mais posso fazer, apenas deixar que a maré me conduza à praia; chegando de “longa viagem”. É porque meu coração ainda está se curando de doença grave; há pedaços dele por toda parte; há lembranças e medo e esperança misturados e soma que também não preciso de platéia, então, é bom ficar no canto. Ao mesmo tempo, preciso de amizade, da verdadeira, que respeita os pedaços trêmulos que sobraram de quando o “trator” revolveu a terra do mundo que era meu.
É por isso que, às vezes, penso que me tornei pedra. Tem dias que não consigo dar um único passo à frente: não adianta eu me cobrar, não adianta me exigir, não avanço. E, muitas vezes, nada posso oferecer além de minha presença sem alma; roubada por um passado que se desvanece em traços de crayon; por um futuro insuportavelmente improvável desenhado por espectros. É um tempo em que não existe muita diferença entre o dia que amanhece e a noite que ensombra suas luzes.
Mas quer eu queira ou não, a vida vai acontecendo, seja por uma hora dolorosa, seja por um momento de alívio. Seja numa indecisão, seja na atitude de grande coragem de fazer coisa pequena de grande significado; seja num abraço dado, num abraço recebido; seja no passo intrépido ou no titubeante, a vida acontece.
E meu antídoto, para a maioria dos meus males, é a natureza. Por pior que esteja, me encanto com seu renascimento sob as chuvas refrescantes, com os caminhos que se enfeitam de verdes e flores, por toda parte. Depois das paineiras de flores rosas e plumas brancas, os ipês amarelos surpreenderam os desavisados nas ruas das entre-quadras e ao longo dos Eixos. Agora é a vez dos flamboyants. Suas “chamas” de vermelho-sangue espantam: é tanta beleza! Gratuito espetáculo de cores quase dolorosas rompendo os azuis de Brasília, dá a impressão de ser possível alcançar o infinito ao seguir os galhos exuberantes. É puro prazer caminhar sobre as flores que se desgrudam das hastes e formam tapetes incandescentes; o perfume penetra os sentidos, a pele, os ossos, a alma. O frescor de manhãs, ou tardes, enfeitadas de flamboyants não tem igual: é o cheiro do renascer, da energia do universo, do pulsar, através da eternidade e apesar de todas as vicissitudes, da vida.
Então, a essa, me entrego: que venha, a espero. Mas que não venha em silêncio, que não seja discreta, porque, como disse, o tempo me fez assim meio pedra. É que as ilusões já se esvaziaram todas, então, preciso de barulho para me mover. É que não quero mais os vazios brancos nas paredes, mas sim fantasmas: os que fazem tremer com gargalhadas. Sim, que a vida aconteça com barulho porque já se fez silêncio demais; já se esperou demais. Que haja fogos de artifício para se sonhar de novo com o céu de estrelas. Sim que haja tambores, poderosos tambores, anunciando vida nova. À vida renascente que se brinde com vinho tingido pelos brilhos de candelabros. Sim, que se brinde, à nova estação, ao sonho, à fé, ao que se foi e ao que nem ousará acontecer, mas que se brinde; afinal, é tempo de flamboyants em flor.

Por
Magda R M de Castro
Brasília, novembro de 2008.