quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

A ISCA DA VEZ

Eu tinha acabado de pedir para as meninas não irem pra piscina. Não sei onde aprendi isso, mesmo porque saber nem sempre tem que ter fonte; mania de cientista. Estávamos numa chácara no domingo, mistura de alegria e saudade porque há tempos não vou a uma. Essa, aqui nos arredores de Brasília, me lembrou muito a Várzea, talvez pela parecença de estar ainda sendo construída: coisa nova junto com coisa velha – e a luta renhida dos donos para manter o mínimo de ordem naquilo. Coisa de quem tem o campo no coração e enfrenta qualquer dificuldade para passar nele algumas horas de liberdade – usei liberdade porque felicidade me pareceu exagero...

Bem, fomos passar o domingo numa chácara, e pouco depois que fizemos o reconhecimento inicial do lugar despencou chuva. Não foi chuvinha de molhar bobo, foi chuvaréu de pingo grosso abrindo goteiras pelos telhados compridos. Foi chuva de arrastar a bendita terra vermelha que o caseiro acabara de rastelar.

Assim, todos tiveram que se refugiar na casa, muitos jovens transbordando energia jogando Imagem e Ação, Sinuca, balançando nas redes da varanda, contando piadas, jogando baralho. Num dado momento, talvez pelo excesso de energia acumulada, resolveram ir pra piscina; e o chuvaréu despencando. Eu, coisa minha trazida dos sertões, reconheço e não nego, estava ao redor do fogão e da pia da cozinha fazendo de conta que cozinhava alguma coisa para o almoço. Desfiava pedaços de frango assados e cozidos que tinham sobrado das comilanças da noite anterior. A esse misturei cebola frita com alho e tudo virou farofa. Ainda refoguei arroz branco e o sequei a fogo brando para ficar bem soltinho. Queria fazer bonito para as pessoas que conhecia naquela ocasião. Bem, mas antes...

Quando as meninas passaram por mim, alegres como periquitos em revoada, excitadas com a possibilidade de tomar a chuva fria – gelada – que caía pelos beirais e atravessar os canteiros até a piscina, me meti onde não era chamada; avisei, uma informação tirada não sei de onde, mas que acreditava ser grande verdade: “não vão pra piscina, a água atrai os raios”. Pareceram acreditar e mesmo que eu não tenha tido maiores argumentos e ninguém na casa tenha reforçado essa verdade, os jovens preferiram não arriscar.

Voltaram para dentro e se espalharam pela casa. Televisão também não teria porque a dona da casa acabara de descobrir que o aparelho tinha tomado banho; diferente de sofás, cadeiras, colchões arrastados para os lugares mais insólitos para evitarem goteiras. Alguém comentou que chovia mais dentro de casa do que lá fora... Exagero.

Antes que todos se acalmassem e arranjassem o que fazer, levei um susto dos grandes. Como disse, estava às voltas com o fogão e, no momento, segurava a panela grande de alumínio onde refogava o arroz com o pano de prato úmido – tinha acabado de enxugar a louça. Aliás, tudo estava úmido pela casa.

De repente, ouvi um relâmpago fortíssimo. Talvez através da panela sobre o fogão ligado à tomada, num átimo de segundo, a descarga elétrica me atingiu tão forte que fui colada ao chão. O que evitou que fosse morta ou foi a colher de pau ou o pano ou o par de chinelos de borracha ou puro milagre. Senti um arranco e a colher voou de minhas mãos espalhando arroz no fogão. Depois, senti meus braços apertados com muita força, os dois de uma vez; fiquei impossibilitada de me mexer. A força, dos braços passou direto para os pés: foi ai que fiquei colada ao chão. Foram estalos simultâneos, dois traques, explosões secas, duas pancadas iguais de mesma força e duração.

Não vi quanto tempo levei para me dar conta da realidade e tomar consciência do acontecido. De costas para as outras pessoas espalhadas pelo salão, fui me virando devagar tentando contar o susto. Alguns me ouviram, distraídos por diferentes atividades, dai alguém comentou que eu tinha acabado de falar pros jovens não irem pra piscina e era muito estranho acontecer aquilo. Alguém me botou sentada e trouxe um copo d’água. Demorei cerca de meia hora até parar de tremer; e o assunto se diluiu entre outras conversas.

A sensação de ter levado as pancadas sem que nada tivesse tocado meus pés me acompanhou pelo resto do dia. O engraçado é que mais cedo, tinha pensado em escrever sobre como ali havia um pé de mangas lindas, redondas e grandes cheias de bicho e outro com mangas pequenas e amarelinhas sem um traço de praga. Estive pensando que as moscas devem se encantar com frutas grandes e esquecer as pequenas; mas sabe como é, a gente não sabe dessas coisas de natureza, a não ser que as estude profundamente, mas, com o susto, parei de pensar nesse mistério. Afinal, fui alvo direto de fenômeno tão poderoso, mas como sai as e salva do incidente, ainda arrisquei a brincar porque fui eu a escolhida para levar o choque. Uai, mistério! E olha que eu não era nem a maior nem a mais verde naquela chácara. 

Por Magda R M de Castro Brasília, DF, 22 de janeiro de 2009.