quinta-feira, 19 de março de 2009

PAINEIRAS TEMPORONAS

Eu subia a pista que circunda a cidade, a EPIA – Estrada Parque Indústria e Abastecimento. Vinha da Faculdade onde dou aulas agora, nesse dia, de manhã; ainda não era meio-dia. A pista estava em reforma, o asfalto cheio de remendos e galões enormes nas laterais de modo que o lugar de passar era um corredor estreito, mais que de costume: por isso a reforma. Dava pena ver as árvores com galhos quebrados, ou com raízes de ponta cabeça, mas tinha delas ainda inteiras. Na terra revolvida dava pra ver os traços das rodas do trator que mostrava a tentativa de evitar tirar o arbusto vivo e florido. É porque Brasília tem disso nas suas áreas verdes: as árvores e arbustos são combinados para darem flor em cada época do ano, então, sempre tem flores pelas alamedas. E com a obra, agora, estavam maltratando muitas apesar da tentativa de não.
Bem, mas essa era uma manhã de final de verão, já seca demais, de sol ainda causticante, iluminado então o dia, como candelabro de mil lâmpadas; acho que foi por isso que percebi o galho. Parecia avançando sobre a pista, tenho medo de checar e descobrir que esse vai ser um dos que vão abaixo com a reforma da ponte. Tenho a impressão de que aquela árvore ainda está lá tão perto é porque será a última a dar lugar a um pedaço de novo viaduto. Mas eis que o galho, quase atravessando a faixa de desaceleração, se atrevia a abrir-se em flores, rosas, no meio da poeira, do calor e do caminho remendado. Abria-se em abraço desavergonhado, escancarado e seguro; ignorando, completamente, o destino tão cruel que o aguardava.
O trânsito era rápido e me distraiu de observar maiores detalhes, mas, acho que foram meus instintos, vi as flores. Imediatamente meu cérebro começou a calcular que dia do mês era, a estação, a época do ano. Talvez seja porque quando dou uma aula, estudo durante horas, e fico com aquilo tudo na cabeça até ter que mudar para outro tema, de outra aula. Não sei se isso é normal: professores darem aulas de tantos assuntos, apesar de que no meu caso, são só três e dois são muito parecidos. Mas que estação era, afinal? Consegui mudar o foco dos pensamentos.
Não podia ser das flores, das paineiras avisando para se preparar para a primavera, só que o galho estava lá, não inventei isso, queria entender, queria uma explicação. Bem, depois de certa idade a gente descobre que se parece demais com os próprios pais, eu, especialmente, me pareço muito com minha mãe; quando falo – e escrevo – palavras tão nossas, de nossos lugares, lá dos confins do interior.
Mas sei que minha cabeça cheia sempre com as questões de que deu certo ou não, entenderam alguma coisa ou não, o que melhorar para a próxima aula e mesmo assim o galho florido me arrastou para outros píncaros e eis-me, já distraída, portanto, querendo me certificar porque o tempo já permitia galhos em flor.
Não achei que estava certo, o tempo. Flores agora? Outono? Primavera? Fim de verão, afinal, consegui me situar e o galho foi ficando pelo retrovisor do carro. Ainda me distrai arranjando justificativas para as flores temporonas – como dizia minha mãe – e me aproximei de casa.
Foi aí que descobri outro enigma: ou já era mesmo estação de flores ou todas as paineiras da rua resolveram dar uma de temporonas e florir fora de época. Uma das grandes, na esquina da minha rua, começava a se enfeitar de um lado, silenciosa, discreta diria, sem alarde; com seus galhos rumando para o infinito, se vestia para a nova estação. Se o tempo de verão, outono ou inverno, e quem sabe, a primavera chegou para elas, isso era do direito delas. No meu caso, levei mesmo o susto de imaginar o ano voando, as estações se confundindo e a vida acontecendo. Não esperava que essas suntuosas árvores florissem agora, me acostumei com elas esbanjando esplendor no auge da seca como que esnobando os outros seres que murchariam.
Que seja, que venham, as grandes paineiras cheias de flores. Foi delas a decisão, aproveito eu se quero, portanto, quero e aplaudo. Mesmo porque vi logo, logo que elas florescem em fila pelas ruas onde passo. Talvez eu não as tivesse visto antes, preocupada que ando com coisas tão menos bonitas; que desperdício! Ainda bem que as cachopas, quando todas as paineiras estiverem tomadas por inteiro com suas belezuras, estarão enfeitando todas as visões, mesmo as dos mais distraídos.
Por Magda R M de Castro
Brasília, DF, 19 de março de 2009.