quinta-feira, 28 de agosto de 2008

SEM ESCAPATÓRIA

Não são todas as manhãs que posso me emaranhar por essas tantas possibilidades que me dá o computador. Em algumas delas, estou longe, não por meu gosto, mas por necessidade. Mas sempre que tenho essa chance, e nas de sol iluminando até pensamento, tem um canarinho cantando feliz. É que o vizinho cria passarinhos e os solta nas manhãs calmas e perfumadas. E então é muito bom ficar escrevendo com a energia batendo quente no chão de tábuas e o canto do pequenino.
Então, meu coração se alarga, devaneio, sonho. É um privilégio quando posso fazer isso. É a minha renovação: essa luz toda não deixa ninguém de fora e eu, especialmente, me deixo arrastar por ela, saio ao léu, me deliciando, e tentando explicar porque acho tão bom isso tudo.
Aqui em Brasília, mesmo ainda sendo oficialmente inverno, os dias costumam ser gloriosos e as flores, cedo, se arrumam em fila para enfeitar as amplidões. Algumas são mais apressadas e encantam e, desencantam obedecendo ao ciclo natural, antes da maioria, de modo que mesmo na sequidão mais bege, há jardins alegrando os já alegres raios de sol e os passarinhos e, gente.
É bom demais poder parar assim de manhã, se aquietar a ponto de ouvir passarinhos. É o resultado de longa caminhada, durante a qual rodei que nem pião, bati em paredes, quiquei em buracos e dancei ao som das melhores músicas também que isso seja dito. Uma aventura posso dizer foi minha vida até aqui: surpreendente, encantadora, rica, completa.
Completa porque até agora fiz tudo que quis, e tudo que quis eu pude fazer, se não por condições apropriadas, por teima. Sou teimosa, sim, ainda sou e parece vou continuar sendo. Não é porque sou burra, apenas, disso tenho um pouco também que isso é do ser humano, mas porque ainda não morri e coisas que somos muito no fundo somos sempre, verdadeiramente. Tem coisas que somos tão verdadeiramente que a gente tem até que ir arrancando uns pranchões pelos caminhos, quebrando os dedões do pé, mas vivendo mesmo assim.
Tem coisas que não dá mesmo para mudar, coisas das quais a gente não escapa, por mais que se tente. Mas acho que se forçamos muito certos rumos é porque não nos conhecemos a ponto de gostar dos defeitos também. É porque a gente gosta do rio apesar de ter barro que gruda na pele; gosta da chuva mesmo com o frio, do calor mesmo com a canseira que dá. É isso: gostamos de verdade quando gostamos junto dos defeitos e eles podem até ser bonitinhos um dia.
Esse um dia é para poucos, os ungidos penso, que foram transformando o olhar junto com todas as transformações. Penso nisso quando vejo pessoas que viveram lado a lado por muitos anos e quando se separam sofrem e se acabam, até morrem junto. Isso acontece. É que aprenderam a amar o torto que diz piadas, a gorda que é cheirosa, o pequeno que canta divinamente, a magra que faz pão como ninguém. É que em toda criação há beleza, tudo que existe tem um milagre embutido.
É por isso que sou teimosa: tento, acerto, ou erro, vou ali, volto, insisto, faço de novo. Olha, estou aqui outra vez. Vim novamente, apesar de não estar mais bonita que antes, apesar de me descobrir um pouco mais burra do que acreditava, apesar de continuar a caipira que sempre fui, continuo com a teima de ser feliz, é o que digo. Quero, procuro, construo depois de desmanchar: quero ser feliz.
É que tem esse chamado, esse canto de passarinho, essas manhãs iluminadas e essas flores de perfume que me encantam, me arrastam para a esperança, me carregam para a alegria: teima pura!! Se fosse ver, com o olhar de tantas ilusões o mundo tem, não teria a mínima condição de, nem mesmo pensar, o que dirá ser, feliz. Teimosia só.
De tanto rodar, rodar, teimar e teimar, ainda penso: será que gente já morreu disso?

Por
Magda R M de Castro
Brasília, DF, 28 de agosto de 2008.