sábado, 12 de junho de 2010

O PRESENTE

Ontem à noite foi que descobri que uma das coisas mais frustrantes da vida se chama “presente”; em todos os sentidos. Se for presente representando o tempo que passa agora, nesse minuto, será impossível se satisfazer com ele porque estará entre a tristeza, ou a alegria, que se teve há pouco, ou há muito tempo. E também porque o amanhã, daqui a um minuto à frente também não tem nada a ver com o que se sente, faz ou espera. E se for presente, daquele tipo que vem embrulhado em papel, menino, que complicação!
Esperar também, taí, outra coisa difícil à beça. Já me descabelei por ter que esperar, um minuto, dois, vinte. O que dizer,então, de quando se espera por dias, meses, ou anos? Frustrante a espera é, agora, junto com a espera de um presente a coisa fica feia, feia mesmo. Difícil se contentar com o que quer que seja. Se for uma flor que a gente espera e vem uma flor ela poderia ser azul, poxa! Se for um carro, mas que droga que não é amarelo, é vermelho, caramba! Não dava prá ser amarelo, não? Ele não me conhece, não me entende.
Penso, em casos como esses, sempre, que a vontade é ser criança eternamente. Minha caçula disse outro dia que “ser adulto é difícil demais”. É mesmo. Porque falo isso? É para chegar aonde quero chegar. Então, juntando a espera do presente, uma mulher já adulta, haja ciência, tecnologia e filosofia para acertar no presente. Veio o presente, “não era bem isso”. Não veio, ahan, o mundo acaba.
Isso tudo foi para dizer que o dia dos namorados é coisa de doido. No shopping ontem à tarde onde fui pagar contas, você só via casais de mãos dadas prá lá e prá cá. As lojas, as propagandas, tudo era chamando para o dia dos namorados. O hotel onde minha filha do meio trabalha estava lotado. Os produtos, então! Fui procurar um chaveiro: achei um de coração vermelho e outro com um casal de gatos um branco outro preto, com pedrinhas brilhantes no lugar dos olhos.
Por aí se tem uma idéia de quanto é frustrante esperar um presente, já não sendo a filhinha luxenta do papai. E sem namorado. Aliás, não me lembro quando ganhei presente de dia de namorado. Ultimamente estava difícil ganhar no meu aniversário, menos dos meus filhos claro que nunca falharam, agora ganhar presente de namorado faz muito tempo, muito tempo, uma eternidade.
Então, se esperar é difícil, se o presente é sempre frustrante, passar o dia dos namorados esperando por um presente que não existe é piração total. Estou brincando claro que não esperei presente nenhum, e talvez por isso ele não tenha vindo mesmo, é aquela coisa da Lei da Atração, que para mim não funciona nem que a vaca tussa.
Agora, não funcionar prá gente, é uma coisa, mas não funcionar para quem a gente ama, a não, não dá para agüentar não. Quando se vive uma vida tão comprida quanto a minha se acaba aprendendo alguma coisa; mas só aí, quando os anos socaram você no chão e você pode berrar a plenos pulmões, bater a cabeça na parede, se afogar, pegar fogo, ir à falência que não haverá ninguém mas ninguém mesmo para lhe ajudar, ou não querer fazer nada para lhe tirar de sua mais profunda dor, se aprende.
Agora, uma jovem de vinte anos, vivendo o primeiro amor, e já com experiências difíceis que muita gente de cabelo branco não teve, é pior do que o pior. Um dia antes do dia dos namorados perguntei à minha filha caçula se ela poderia me ajudar a preencher algumas pautas de aula porque agora trabalho de dia e de noite. E de madrugada, se considerar que roubei meu sono para escrever esse desabafo. Mas eis que minha caçula responde que estaria ocupada porque tinha que se arrumar para o dia dos namorados. E ela vem fazendo isso há dias, na maior expectativa pelo momento glorioso de encontrar o lindo namorado e trocar beijos e presentes. Não vou aqui descrever o que ela fez que essa parte pertence a ela, mas todos da casa entraram na preparação da data.
No dia, um sábado, ontem, saí para uma reunião de trabalho, mas fiquei sabendo que ela tinha se levantado cedo e tomado sol no pátio da frente. No almoço, faminta, comeu rápido demais. Tinha que tomar banho e ficar pronta. O namorado iria ligar logo. Tomou banho, ficou pronta, o presente sobre a cama; e o telefone não toca. Saí, como disse, fui pagar as contas. Voltei trazendo lanchinho sabendo da possibilidade de ela já ter saído quando chegasse em casa; mas trouxe assim mesmo.
Quando entramos em casa, ouvimos a conversa pesada. Ela estava completamente alterada ao telefone: o namorado havia combinado não sei o que com alguém e não tinha falado prá ela. Eu fiquei ao pé da santa implorando para minha filha parar de chorar e discutir com o namorado. Pedi também prá minha querida umas três vezes. Chorei também vendo a tristeza, a frustração naquele lindo coração. Ouvi o tanto ela estava decepcionada; até aquela hora da noite, o namorado não tinha lhe dado a atenção esperada. E ela se preparando há dias. Quando vi que eu também perderia as estribeiras, como se diz lá no interior de Minas Gerais, porque já me propus a não mais sofrer por causa de ninguém, e nem me permito mais ser magoada, peguei meu carro e fui chorar longe. Não longe, estacionei na rua, algumas casas depois da nossa e fiquei lá quietinha até me acalmar. Isso me lembrou: fiz isso por muitos anos.
Bem, final da história: minha caçula parou de brigar, quando entrei de novo em casa, me pediu para abraçá-la e ficamos as duas um tempo agarradas uma à outra; me pediu desculpas, não tenho o que desculpar, sei o que ela estava sentindo. A cabeça martelava com as lembranças embaçadas das também frustrações; e me perguntando quando é que nós mulheres vamos desistir de esperar que os outros façam o que queremos.
“Mulheres que amam demais” é um livro que li e reli muitas vezes, grifando as frases que grudavam na minha vida tão exatas. Depois de lê-lo fui me conhecendo melhor e esperando menos, portanto, sofrendo menos. No caso, minha filha terá o tempo dela, mas o que arrebenta o coração é saber que o caminho não será nem um pouco suave.
Ela me garantiu que é forte, cochichou isso enquanto me abraçava envolta em um roupão branco e cheiroso. Linda ela, fofa, inteligente, bela por dentro e por fora. Dá raiva, revolta até vê-la sofrendo assim. E, talvez para provar o quanto é forte, se arrumou muito bonita, e eu supervisionando, para sair com amigos. Quando ficou pronta, ainda olhei o relógio do computador onde estava às voltas com minhas tantas tarefas de professora. Será que ainda daria tempo de minha querida comemorar o dia dos namorados com o namorado? Fiquei torcendo calada para que o telefone dela tocasse antes da meia-noite.
Mas não tocou. A garota acabou de pintar os lindos olhos em meio às lágrimas, o branco do olho vermelho e ela fungando. Se despediu muitas vezes antes de pegar as chaves do carro e sair de casa. Saiu. Voltei ao computador sentindo algo não muito agradável, mas ao mesmo tempo, rezando para que o resto da noite daquela jovem mulher fosse um pouco melhor depois do dia de espera inútil que teve.
Ainda recomendei que não bebesse nada na rua já que ia dirigir. Fui ao quarto dela para, como de hábito, deixar a cama pronta para quando chegasse mais tarde. Num último gesto, peguei o sofisticado embrulho de presente e o coloquei numa cadeira. Quando olhei para dentro do quarto no momento em que me virei para apagar a luz, o vi de novo, intacto, ostentando o coração vermelho sobre o fundo preto. O último pensamento foi de que há coisas na vida que acontecem num momento e duram a vida inteira. Senti os olhos arderem quando meu coração sentiu que aquele dia de namorado seria inesquecível para aquela linda jovem.

Por
Magda R M de Castro
Brasília – DF, 13 de junho de 2010.