domingo, 18 de abril de 2010

DILEMAS DO OUTONO

Está acontecendo da forma que eu disse, nessa mesma época no ano passado, aconteceria com as paineiras torturadas da EPIA. As pistas em reforma alcançaram as áreas que deveriam ser verdes e essas ainda mostrem veios abertos de terra vermelha do cerrado. As árvores desafiam todas as afrontas desabrochando em róseos múltiplos. São filas de árvores mutiladas, ora lhes faltam um lado inteiro ora se vê a brancura do cerne onde foi arrancado um galho, que se engalanam, se vestem mesmo de festa, e abrem suas flores mimosas ao ar límpido. Um ar que mostra um arremedo da seca que vem aí, prosseguindo, a ordem natural das coisas: choveu demais, aguardemos as secas excessivas, portanto.
Assim é a natureza que gosto tanto de observar do alto de minha vasta ignorância; mas preciso continuar observando porque conheço pouco demais de naturezas, a das coisas e a dos homens.
É domingo, um dia que me obrigo a viver como deve ser vivido: longe de planos de aula, avaliações, relatórios. Tirei 24 horas de folga: ontem me dei ao luxo de descansar à tarde, me espreguiçar sem remorsos entre as almofadas da sala de TV e, ora dormir, ora ver um filme. E agora de manhã insisti, contra todos os montes de pastas, a não trabalhar. Por enquanto...
Também tomei o café da manhã tranquilamente, teimando; claro que com o jornal e a revista semanal me esperando na outra ponta da mesa. Fiz questão de ficar quase uma hora comendo devagar; e falando com as pessoas lindas que me acompanhavam. Pausa, caros momentos: não pensando em problemas ou tarefas da segunda-feira em diante.
Li com cuidado os e-mails da semana: um irmão me enviou texto do Arnaldo Jabor de jornal do dia 13; publicado num Português difícil, marca do escritor, para a maioria dos brasileiros, inclusive eu, consegui, acho, entender que estamos num paradoxo no Brasil. Como levar ao povão que apoia o atual governo paternalista a entender que o verdadeiro crescimento de uma nação está em trabalhar seriamente para cada um conseguir o seu lugar e pagar as contas com o suor do próprio rosto? Não é todo mundo que quer trabalhar não, pelo menos não no sentido de ter um compromisso todos os dias, regular e responsavelmente, e, muitas vezes, ter que fazer algo que exige um pouco mais de esforço não apenas físico, mas, sobretudo mental.
Tenho me deparado com essa preguiça mental por onde ando. Refletir deve doer, incomodar sei que incomoda mesmo. Não o refletir superficial, de apenas conhecer o óbvio da notícia ou do livro. Não o refletir sobre o que vemos com nossos olhares de preconceito, mas buscar a verdade, utopia, sei, de tudo o que nos cerca. Não o refletir sobre o que nos agrada, mas, sobretudo sobre o que não nos agrada: pode estar aí a resposta para muitos dos nossos desentendimentos.
No geral, vivemos ilusões do que é real de acordo com o que nos interessa. Temos pouca visão do outro, natural, já que temos a nós mesmos para aprender e a entender. Se não nos conhecemos, e nem sei se isso se consegue um dia, conhecer o outro fica mais difícil. Conhecer o outro, o vizinho, o bairro, a cidade, o País, então, leva um bocado de tempo, esforço e vontade. Daí, voltamos à preguiça.
Além da preguiça, talvez herdada de nossos antepassados índios, ou africanos, ou europeus, a sociedade no Brasil mostra um comodismo de dar medo. Muitos se esgueiram em silêncios para não botar a mão na massa, dizer o que pensa, tomar atitudes desconfortáveis em alguns aspectos para mudar o que está errado. Pensa-se mais em manter o que se tem do que no que se pode construir para o futuro. Gosto da História para entender o mundo agora. Na aula de pós-graduação de ontem cedo falamos dela. Penso que poderia ser definida, a História, como “a soma de todos os presentes passados”. Isso para explicar que somos hoje o resultado de muita coisa feita anteriormente e é aí que vejo que a falta de ação do povo brasileiro pode trazer consequências muito sérias para os brasileiros de amanhã.
Isso penso também por outra reportagem de jornal: deputado paulista se retira da política em razão das tantas falcatruas no setor. E, vejo aqui em Brasília, além da gangorra política conhecida, e lamentada, o comércio sendo tomado por asiáticos. Nada tenho contra, mas não me furto ao fato de que são alguns bilhões de pessoas e tão trabalhadores; seria exagero prever que tomarão conta do mundo todo um dia? Taí o Tibet como exemplo.
Se voltarmos a conversa para as riquezas naturais, e refletirmos com muita insistência, vamos ver que seguem céleres as ancestrais “invasões brancas” por meio de tantas “missões”. E providências necessárias são adiadas indefinidamente porque nossos políticos atendem a interesses particulares sobrando pouco tempo para os coletivos.
Cadê os brasileiros? Cadê o povo varonil que ama tanto essa terra “verde” de paz e igualdade? Cadê os idealistas? A História também tem esse lado: mostra que quem tentou algo diferente sofreu o diabo, até morreu, e tudo ficou por isso mesmo. Saber disso pode dar medo de tentar; é, estamos tão emaranhados de medos de diferentes formatos que nos protegemos até dos nossos pensamentos.
Concluo que refletir de verdade dói mesmo. O consolo é o exemplo das paineiras rotas das alamedas brasilienses: pintam de rosa o azul transparente do céu ignorando que suas raízes se espalham nuas e desamparadas em meio a estradas, ruas e prédios em construção. Vejo que a natureza, a vida natural, está lutando, enfrentando, resistindo, e se resolvendo. Ao que encerro com os dilemas: estamos fazendo o mesmo? Afinal, temos ou não temos, nós brasileiros, futuro como Brasil?

Por Magda R M de Castro
Brasília – DF, 18 de abril de 2010.