sexta-feira, 31 de outubro de 2008

SABEDORIA JOVEM

Santa juventude! costumo dizer. Os jovens de hoje são surpreendentemente sábios. A surpresa é porque há uma corrente de pensamento que diz que a sabedoria se adquire com a experiência, e talvez, em alguns casos, seja assim.
Bem, então, os jovens não deveriam saber mais que os experientes, mas ai do experiente que não considera o que dizem os jovens: perderia a chance de ser verdadeiramente sábio.
Tarde dessas, saindo de carro com minha caçula, desta vez eu dirigindo, um automóvel passou rápido ao lado e avançou sobre a nossa faixa, nos interceptando. Não foi uma fechada propriamente, mas avançou sobre nosso espaço. No sinaleiro adiante, os carros foram distribuídos entre três faixas e acabamos parando lado a lado com o apressadinho. Minha filha sussurrou, pedindo, pelo amor de Deus, que eu não dissesse nada ao rapaz ao volante. Respondi que não pretendia falar, apesar de ter tido vontade há uns segundos antes. Para ajudar, a janela do lado dela estava fechada, então fiquei quieta, ainda bem.
O semáforo logo abriu e rumamos para o Plano Piloto. Gostamos de conversar, nós duas. Falamos de tanta coisa! Gosto, especialmente, de saber de suas opiniões lúcidas e nesse pequeno tempo até o nosso destino, falamos de soberba. Ela disse reparar que os jovens em carros bonitos se sentem muito poderosos, achando que o mundo lhes pertence. Não respeitam o espaço alheio, acham que são invencíveis. Fiquei feliz com a percepção dela, e aproveitei para pedir a promessa de, quando fosse famosa, se manter humilde e preocupada com os menos favorecidos. Ela me prometeu.
Era uma tarde escura, anunciando chuva, de muito vento levantando poeira. O trânsito não estava fácil e ainda levamos mais uma fechada: de um carro maior, uma espécie de jipe pequeno. Isso reforçou nossas percepções. Ainda comentamos que o sucesso costuma mudar muito as pessoas e que era preciso muita força de vontade para se manter fiel a certos valores.
É verdade, manter valores em terra de desvalores é quase um atestado de burrice. Mas é importante insistir em tentar, insistir em ensinar o certo, apesar do errado nos rodear. Uma jovem falar de tal assunto, é rara exceção. Que ela seja forte para se manter assim... isso garante que um dia fará parte do time de experientes sábios. Um bom sinal.

Por
Magda R M de Castro
Brasília - DF

PROVA DE AMOR

A gente se acha até normal enquanto não nos jogam tomate. Essa seria uma situação extrema, para ilustrar o que pode acontecer quando não estamos agradando. Só que não agradar nem sempre precisa ser descoberto assim.
A gente se descobre desagradando, ou pelos menos, não agradando profundamente quando o telefonema prometido não veio, quando descobrimos uma festa depois que ela passou, quando nos contam de certa – e ignorada – linda viagem; quando alguém prometeu visitar e só teve tempo de passar à tarde, para entregar encomenda urgente e aceita um copo de – “suco não, por favor” – água fresca, tomada rapidamente.
Se coisas assim acontecem a miúde tem-se que desconfiar. É bom ver se o guarda-roupa não está ultrapassado, se o hálito está fresco, se o desodorante não venceu, se o sapato não perdeu a borrachinha do salto. Também, talvez seja hora de trocar a bolsa perfeita, mas que já solta umas linhazinhas.
Se sentir que a casa um dia calou é bom observar se os banheiros andam limpos, se as plantas dos vasos estão verdes, se os quadros das paredes estão aprumadinhos. Quando o telefone não toca é bom ver se os recados foram respondidos, se os pequenos compromissos foram cumpridos como os importantes, se os e-mails foram correspondidos.
É que, um dia, a gente vai desagradar. Uma irritação porque o carro parou bem no centro da pista pode mostrar o lado feio da gente. Esqueceu a escova de dentes e aí nem a goma de mascar vai ajudar no cineminha; vestiu roupa apertada e escura para a tarde de museu ao ar livre, errou feio; então, tomate!!
Se for tomate vermelho e macio, pode-se fazer suco; se for aquele tomate japonês enorme, parece três grudados, tirado verde do pé, aí, ai, ai.
Desagradar não agrada a ninguém, e não precisa chegar ao ponto de atirar tomates por aí, entretanto, também podemos preparar um episódio com o objetivo claro de desagradar, talvez, para dispensar algo ou alguém. Não responder às mensagens do celular ou dos e-mails, pelo menos umas quatro; dizer que viajou ou que saiu para o shopping quando perguntam por que não atendeu em casa – telefone com registro de chamadas – são corriqueiros métodos de dispensar contatos.
Existe, entretanto, formas tão sutis de afastar o “indesejável”, digamos assim, que nem nós mesmos percebemos. Acho que é porque cansa tirar a poeira todo dia; cansa lutar contra o prato apetitoso; a gente se esgota tentando disfarçar a nova ruga: vale-se mais que cirurgia plástica, pô! O cabelo embranquece e a gente não quer pintar: vale-se além de cabelos. E se, não for assim, a conseqüência é ir sumindo, devagar, das listas de amigos.
Ocorre que, não se sabe se por desilusão, se por preguiça, ou por um boicote inconsciente ao perigo que é ficar à mercê dos eventos e se decepcionar porque não acontece aquilo que queremos para nossa felicidade, nós mesmos nos colocamos na sombra. Inconscientemente, vamos nos tornando menos vaidosos, menos cuidadosos, menos simpáticos, menos gentis, resultado talvez das pedradas que levamos. Descuidamos e comemos mais, estudamos menos, saímos em público cada vez mais raramente.
E descuidar de nós pode ser o sinal de que estamos com medo dos atritos da arena. Se, por exemplo, passamos a comer sem fome pode indicar que estamos tentando criar um mecanismo, engordando demais, para sair do páreo, para que não tenhamos atrativos. Não atrair, por exemplo, um parceiro que nos fira de novo, que nos humilhe de novo: é melhor ficar sem.
Ouço dizer que o ser humano não foi feito para viver só. Mas muitos de nós estamos sozinhos; por opção? Acho que não. Por medo, creio. E é esse medo que faz com que desistamos de ser agradáveis e simpáticos. É que ser agradável e simpático pode atrair o interessante, mas pode também atrair maus eventos. Então, desistimos de mostrar a melhor parte do que somos para não corrermos o risco de sofrer, ou levar umas tomatadas.
O lado bom disso é que pode acontecer que, mesmo desagradáveis, gordos, com o hálito comprometido ainda atraímos algo muito interessante. Se formos lúcidos o bastante para reconhecermos isso antes que desapareça, podemos voltar a acreditar. E quando se descobre a atração mesmo numa pessoa em caquinhos, é razão para acreditar na vitória dos melhores valores. E aí, de volta ao dia, recomeça a ciranda de nos mostrarmos simpáticos, agradáveis, rodeados de amigos ... e felizes.

Magda R M de Castro
Brasília – DF, 31 de outubro de 2008.