sexta-feira, 18 de julho de 2008

UM DIA SERÁ TARDE, SIM, PARA SE SER FELIZ

Um dos ditados que mais ouvi na vida é o que diz “nunca é tarde para ser feliz.” Acreditei nisso por muito tempo, mas hoje em dia, acho que “depende”.
É, depende. Porque não é todo mundo que merece a felicidade. Claro! Merece ser feliz quem faz a infelicidade dos outros? Acho que não. É claro que vez ou outra a gente provoca a infelicidade alheia, mas se for sem querer até que ainda se salva. É o caso de alguém nos amar e a gente não amar de volta. Ou, ai, quando amamos sem que nos amem. Mesmo aí, depende.
É, porque para amar tem que ter cercado, vivido certo tempo junto, repartido a garrafa de Crush, o pedaço do bolo ou o saco de pipoca. Para amar, tem-se que aprender enquanto o outro se aprende. Então, houve permissão, e se apenas um curtiu sem ver que o outro se envolvia de verdade, então, tai a razão para a felicidade passar ao largo. Mesmo assim, já que poucos são adivinhos, uma conversa sincera, olho no olho, é boa para todo mundo.
Mas tem gente que merece ser feliz, principalmente quem é, quer dizer, para algumas pessoas a felicidade está em ser. É que ser humano, ser espírito, é surpreendente, ótimo! Pena que há os que optam apenas pelo ter e que se dane o ser. Enquanto o ter é algo inerte, coisa – em alguns casos é pessoa –, não cresce, não se movimenta, não se modifica, o ser é o contrário. É vivo, dinâmico, em evolução, a caminho. Então, o que opta por ter corre um risco maior de não ser feliz.
É que para se ter tudo o que existe no mundo tem-se que trocar valores típicos do ser humano: um deles é partilhar. E quem tudo quer, não partilha. Quem tem coisas não constrói vida, alegria, companheirismo, pois, preocupado em juntar, deixa o bonde passar. E aí descobre que, afinal, perdeu a conta, não a do banco, mas a do tempo, do carinho, do entendimento. É que deu bobeira, o trem passou, o tempo acabou.
E feliz, acho que se é e não que se tem. Mas a salvação é que felicidade pode-se ter, desde que se seja o suficiente para saber a diferença.

Por Magda R M de Castro
Brasília, DF, 14 de julho de 2008.

O TEMPO DO ADEUS

Penso, muitas vezes, não mais para não enlouquecer, mas nem tão pouco que não entenda o que seja, em adeus. Esse não é coisa que se diz todo dia. Às vezes, não, na verdade, nas muitas vezes em que acontece o adeus nem é falado. Pode também não ser mostrado ou entendido: é porque adeus não é somente a palavra, o aceno, a partida de mala pronta. Adeus é também afastamento invisível e sorrateiro que vai tomando conta do espaço, aumenta distâncias, cava abismos. Nem sempre real, na maioria imperceptível, disfarçado de até logo, até breve ou até amanhã. Entretanto, em geral, o adeus total se percebe num repente, quase como no acordar de um sonho.
É. Pode-se sofrer um adeus e não perceber; acontece o adeus sutil e pode-se não ver. Foi no embalo, na rotina do dia-a-dia, se perdeu o diálogo, se perdeu o interesse e o amor se foi. Foi porque algo foi visto mais longe, uma descoberta se deu de repente, apareceu alguém melhor e o adeus se fez. Primeiro em quem o sentiu e depois em quem o sofreu. Quem o percebe primeiro se cala para não magoar pode até ser que não seja coisa séria afinal foram tantos anos juntos. O novo estímulo não passa, então, é tempo de adeus. Ele acontece primeiro no coração, depois nas palavras caladas, nas opções de viagem, nos novos valores sendo construídos de acordo com os olhos de quem chegou, de quem arrebatou, de quem tomou o espaço sem cuidados.
É isso: os espaços não existem vazios, a energia circula, partículas de vida o preenchem e quem se distrai, perde o lugar. É quem acorda por último que fica. Quem parte, leva novo sonho, outro caminho, o recomeço. Deixa o que não interessa mais, seleciona parcos tesouros, pois basta o próprio coração, agora livre para outro tempo. Quem fica, fica com o adeus e o mesmo caminho, o mesmo travesseiro, o mesmo menu. E os restos: de rostos, de risos, de alma, pedaços de vida. Desses restos é que se deverá refazer, reconstruir, remendar.
Adeus não dói. O que dói é a falta, a mudez, os vazios, a nudez sem charme, a indagação, é não mais fazer parte. Adeus não dói: o que dói é o que ele deixa para trás.

Por Magda R M de Castro
Brasília, DF, 18 de julho de 2008.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

PARA O AEROPORTO, POR FAVOR!

Passamos meses preparando tudo. Lista de necessidades, conta do dinheiro que precisaria, tamanho da mala: nem grande, daria trabalho e nem pequena que não coubesse todas as compras encomendadas.
Com ansiedade, mas de olhar atento para não deixar nada impedir o acontecimento, todo dia se fazia lista nova de necessidades. Falta isso ou aquilo, corre aqui e ali, arruma, lava, passa, separa. Isso vai, aquilo não, ou aquilo vai e isso fica. Dorme menos, adia compromissos. Tudo por causa da viagem, grande, para o exterior, para os Estados Unidos da América.
A família inteira e os amigos sabiam. Em casa, o calendário de todas dependia disso e os últimos dias foram exclusivos para a empreitada. E mesmo que parecesse o sonho mais distante do mundo, o dia de partir amanheceu, inesperadamente, igualzinho a todos os outros: hora de fechar a mala, checar documentos, dólares trocados, tomar o último gole d’água.
Então, manhã gelada de julho em Brasília, a garota morena vestiu sua roupa de guerra. Ficou linda toda de malha preta, a camiseta certinha com detalhes em amarelo. Era o uniforme da empresa para a qual trabalharia nessa viagem. Falando Inglês fluentemente, tinha sido convidada para ajudar num passeio à Disney e para isso ganharia a metade da passagem. Até aí, tudo ótimo.
O problema é que para a situação financeira do momento, até metade da metade do custo de tal viagem era grande demais. Numa família de quatro mulheres, ganhando pouco para o conhecido altíssimo custo de vida em Brasília, é mais que sonho essa viagem: é falta de juízo até. Só que era mesmo boa oportunidade, tanto para a menina recém-formada em Turismo que tinha aberto mão das comemorações da graduação quanto pelo total do custo em que, afinal, tudo iria ficar.
Então, aperta daqui e negocia dali, a viagem, finalmente, começa. A mala, nem tão grande nem tão pequena, mas mala, diga-se, ocupou o bagageiro do pequeno carro. É carro emprestado porque nossa coragem não foi suficiente para financiar um. É que estamos esperando por melhores dias financeiros para nos darmos a tal luxo, de modo que, lá fomos nós rumo ao aeroporto, com mala, mãe, não confundam as duas coisas, por favor, namorado e moça.
Ao sair da garagem, um susto: o ponteiro da gasolina estava cravado no branco: tanque vazio. A caçula saíra à noite e chegou avisando que havia algo estranho porque o tanque se esvaziou de repente. Bom, o jeito era espremer o tempo e parar para abastecer.
Antes da primeira curva, a alvoroçada viajante se lembrou do chapéu identificador. Voltamos, pegamos o tal chapéu e rumamos de novo para a pista. Aí descobri que tínhamos outro problema: o carro não acelerava. Pisando fundo, o velocímetro chegava a vinte e na pista de maior velocidade foi possível chegar a cinqüenta, ainda usando a terceira marcha. E só.
Quando passamos em frente a um ponto de taxi comentei que talvez fosse melhor que se tomasse um para garantir a chegada em tempo ao aeroporto, mas antes de decidir chegamos a um posto de combustível: pedi rapidez no atendimento porque o tempo parecia voar pela janela.
Desistimos do taxi quando o carro desceu melhor a ladeira de volta à pista, até me animei, ao que minha filha retrucou: “Se anima não, mãe, é que está na descida. Espera para ver como vai ser na subida do aeroporto”.
Manobrando entre o trânsito da manhã, surpreendentemente livre, fomos filosofando sobre o universo nos ajudar nas coisas quando elas devem mesmo acontecer e, torce daqui para passar uma subidinha, tenta ultrapassar um carro e não consegue, e outros pequenos apertos, chegamos à subida do aeroporto.
A primeira parte foi no embalo, só que tivemos que parar no balão. Arrancar depois, aproveitando uma brecha no movimento de carros, fazer a curva e continuar subindo é que foram elas. Os carros rápidos, inveja, queriam passar por cima da gente e alcançar um ponto onde pudesse ocupar menos espaço foi torturante. Mesmo então, o carro estava tão lento que minha filha ligou o pisca-alerta. Foi alívio porque daí os outros se desviavam mais depressa e não dava aquela angústia, para não dizer constrangimento, de atrapalhar o mundo.
Começamos a brincar analisando a ironia de estar indo para o aeroporto, para uma viagem internacional, aos Estados Unidos da América, e tendo que juntar todas as emoções e criar um campo de energia para o carro funcionar e nos levar ao destino em tempo. Rimos a gargalhadas. Era só o que podíamos fazer. Rumando para o aeroporto, no lugar mais chique da cidade, nós ríamos da situação, ridícula, diga-se de passagem.
Mas chegamos a tempo. Deixei minha querida na plataforma de desembarque, a abracei com carinho, a abençoei; ela me abraçou dizendo que me amava com aqueles lindos cabelos pretos e olhos verdes que deixavam transparecer toda a luz que a inundava ante a expectativa da aventura prestes a começar.
Ainda tinha o caminho de volta a ser feito. Nenhum problema, não mais. Com a tranqüilidade da missão cumprida, mas ainda meio de mim rindo e meio de mim tentando manobrar por entre os carros das ruas da cidade de modo a não incomodar quem estava com mais pressa do que eu – ai se não fosse assim –, cheguei bem em casa.
Depois recebi mensagem avisando que o avião só partiu duas horas depois. Mas levava uma alminha linda e contente; tão contente e feliz que os problemas em terra ficaram pequenos. Muito pequenos.

Por Magda R M de Castro
Brasília, DF, 09 de julho de 2008.