DE ABELHAS, COLINAS E CARROS
Não me importo com luxos, marcas, excessos, ostentação.
Tenho o necessário de tudo para viver bem, mesmo assim, não me importo de morar
num rancho de capim, capinar o mato, não tenho frescura com lixo. Vivo bem
desse meu jeito. Tenho tudo, afinal, livros, comida, livros, roupas, sapatos,
livros, livros... e um carro. Carros devem me levar aonde quero ir; e só isso.
Vejo carrões ao redor, pelas avenidas de Brasília, um povo apressado comendo um
pedacinho da minha pista: e tenho dó. Quanto estrago no meio ambiente esse
carrão fez, e faz? Meu carro já não está sendo fabricado mais. E nem sempre me leva
aonde quero ir: já pedi socorro a carrões para subir uma serra de areia, por
exemplo.
Meu carro é especial: gasta pouca gasolina, baratinho de
consertar e o melhor: é invisível. Quem repara num carrinho a meia velocidade
sendo dirigido por uma mulher de óculos e cabelos brancos. Invisíveis, somos, o
carro e eu. Jeito meu de viver, gosto assim. Nada contra quem tem, ou é, alguma
coisa diferente. Daí foi que detonei a roda do meu transporte descendo de
Sobradinho para casa batendo num buraco. Parei num posto de combustíveis e o
Cláudio, pai recente da Isabela, procurou uma chave de roda, que descobri não
ter uma, e trocou o pneu. Tá, volto pra casa, já tarde da noite, vou dormir,
claro, que de manhã tinha compromisso cedinho, antes das 8. Carro parado, sem
estepe, solução? “Mandinha, você tem compromisso amanhã de manhã?”- ”Não, mãe,
o que você precisa?” – “Preciso do seu carro.”
De manhã cedinho, pistas secas, alívio, sol brilha: manobro
o carro, bem maior que o meu, na porta de casa: descobri que as ruas se
estreitaram por aqui. Ufa! Depois de seis manobras, pego a BR pra Sobradinho.
Se der na doida, posso chegar a Fortaleza, num carrão daqueles daria – risos. As
pistas externas também se estreitaram e parecia que o mundo se acabaria em carros.
Eu, ali, tentando não andar devagar demais, e os carros me empurrando pra lá e
pra cá; e era um susto pisar no acelerador: o carro dava um arranco e saia na
carreira sem que eu pudesse impedir. Freava, freava? O freio desse automóvel
funciona e, diferente do meu bastava tocar o pedal, levemente. E minha cara ia
pro painel...
Ah, tem que andar com as luzes acesas: onde elas estão
mesmo? Ah, vai sem, a lei está suspensa. Sobe colina, desce colina, gosto de
apreciar a paisagem, que isso, mal conseguia olhar a linha no asfalto pra não
andar de lado. E pensava: “Mulher, você fez uma cirurgia enorme, deveria estar
em casa, de cama, não numa aventura dessas. Mas compromisso é compromisso e fiz
alguns dias desses: vou cumprir, que posso, ora, não morri! E não estava
contando que iria trocar de carro, o meu é tão mais confortante!!
Sobe colina, desce colina, penso que poderia mexer no rádio
pra aumentar o volume que o que estava ouvindo mais parecia uma cachopa de
abelha. Onde está o som mesmo? Nesse botão? Ih, aquecedor? Não, não preciso
disso. Ah. Ali, naquele sinalzinho colorido. Né não. Bora seguir assim, amo
abelhas. E segui no acelera pula e no freio meto a cara no volante. Cheguei ao
meu destino ilesa e acho que o carro também. Depois do compromisso, já que para
casa todo santo ajuda, eu estava menos apavorada. Claro que não guardei a coisa
na garagem: o portão também tinha sofrido um encolhimento misterioso. A calçada
nos fundos da casa pareceu um bom lugar para apear. Guardei as chaves me
achando corajosa, mas burrinha que só: “Mandinha, tá aqui seu carro”- “Foi tudo
bem, mãe?” – “Foi, filha, foi ótimo. Obrigada,” – “Ok; sempre que precisar,
mãezinha.”. Tá, fui consertar as coisas que me pertencem sem nem almoçar. Despreparada!!
Magda Castro – Brasília/DF, 16/02/2017
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