segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

 

DE ABELHAS, COLINAS E CARROS

Não me importo com luxos, marcas, excessos, ostentação. Tenho o necessário de tudo para viver bem, mesmo assim, não me importo de morar num rancho de capim, capinar o mato, não tenho frescura com lixo. Vivo bem desse meu jeito. Tenho tudo, afinal, livros, comida, livros, roupas, sapatos, livros, livros... e um carro. Carros devem me levar aonde quero ir; e só isso. Vejo carrões ao redor, pelas avenidas de Brasília, um povo apressado comendo um pedacinho da minha pista: e tenho dó. Quanto estrago no meio ambiente esse carrão fez, e faz? Meu carro já não está sendo fabricado mais. E nem sempre me leva aonde quero ir: já pedi socorro a carrões para subir uma serra de areia, por exemplo.

Meu carro é especial: gasta pouca gasolina, baratinho de consertar e o melhor: é invisível. Quem repara num carrinho a meia velocidade sendo dirigido por uma mulher de óculos e cabelos brancos. Invisíveis, somos, o carro e eu. Jeito meu de viver, gosto assim. Nada contra quem tem, ou é, alguma coisa diferente. Daí foi que detonei a roda do meu transporte descendo de Sobradinho para casa batendo num buraco. Parei num posto de combustíveis e o Cláudio, pai recente da Isabela, procurou uma chave de roda, que descobri não ter uma, e trocou o pneu. Tá, volto pra casa, já tarde da noite, vou dormir, claro, que de manhã tinha compromisso cedinho, antes das 8. Carro parado, sem estepe, solução? “Mandinha, você tem compromisso amanhã de manhã?”- ”Não, mãe, o que você precisa?” – “Preciso do seu carro.”

De manhã cedinho, pistas secas, alívio, sol brilha: manobro o carro, bem maior que o meu, na porta de casa: descobri que as ruas se estreitaram por aqui. Ufa! Depois de seis manobras, pego a BR pra Sobradinho. Se der na doida, posso chegar a Fortaleza, num carrão daqueles daria – risos. As pistas externas também se estreitaram e parecia que o mundo se acabaria em carros. Eu, ali, tentando não andar devagar demais, e os carros me empurrando pra lá e pra cá; e era um susto pisar no acelerador: o carro dava um arranco e saia na carreira sem que eu pudesse impedir. Freava, freava? O freio desse automóvel funciona e, diferente do meu bastava tocar o pedal, levemente. E minha cara ia pro painel...

Ah, tem que andar com as luzes acesas: onde elas estão mesmo? Ah, vai sem, a lei está suspensa. Sobe colina, desce colina, gosto de apreciar a paisagem, que isso, mal conseguia olhar a linha no asfalto pra não andar de lado. E pensava: “Mulher, você fez uma cirurgia enorme, deveria estar em casa, de cama, não numa aventura dessas. Mas compromisso é compromisso e fiz alguns dias desses: vou cumprir, que posso, ora, não morri! E não estava contando que iria trocar de carro, o meu é tão mais confortante!!

Sobe colina, desce colina, penso que poderia mexer no rádio pra aumentar o volume que o que estava ouvindo mais parecia uma cachopa de abelha. Onde está o som mesmo? Nesse botão? Ih, aquecedor? Não, não preciso disso. Ah. Ali, naquele sinalzinho colorido. Né não. Bora seguir assim, amo abelhas. E segui no acelera pula e no freio meto a cara no volante. Cheguei ao meu destino ilesa e acho que o carro também. Depois do compromisso, já que para casa todo santo ajuda, eu estava menos apavorada. Claro que não guardei a coisa na garagem: o portão também tinha sofrido um encolhimento misterioso. A calçada nos fundos da casa pareceu um bom lugar para apear. Guardei as chaves me achando corajosa, mas burrinha que só: “Mandinha, tá aqui seu carro”- “Foi tudo bem, mãe?” – “Foi, filha, foi ótimo. Obrigada,” – “Ok; sempre que precisar, mãezinha.”. Tá, fui consertar as coisas que me pertencem sem nem almoçar. Despreparada!!

Magda Castro – Brasília/DF, 16/02/2017

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