segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

 

DE PROMESSAS CUMPRIDAS

Quando adolescente no interior de Minas Gerais, li todos os livros que pude, às vezes lia um em metade de um dia. Sentada na calçada da caixa d’água no fundo do quintal, à sombra do pé de manga carlota mais gostosa que existiu, me lembro ter lido “A entregadora de pão”, de Xavier de Montépin‎, começando no almoço – comendo na panela arroz com carne moída enquanto lia – e terminando no momento exato do Ângelus.

A biblioteca do colégio só deixava a gente pegar livros de quinze em quinze dias. Então, minhas colegas os pegavam e eu os lia. Vivia rodeada de personagens, no mundo da lua, como mamãe dizia. Mesmo depois que a realidade me afastou quase totalmente dos romances, aqueles personagens me acompanharam de alguma forma. Eu acreditava ser o personagem da mocinha boa.

Agora, o personagem do meu pavor sempre foi a madrasta. Pedia a Deus o tempo todo que não me deixasse morrer enquanto meus meninos fossem pequenos de modo que não fossem criados por madrastas. Esses meninos, hoje, são adultos driblando os próprios personagens em seus mundos encantados. Sou grata, e mesmo assim, confusa, de tanto a vida me deu. Como diz escritora famosa, “dou por vivido tudo que sonhei”? Não mesmo, vivi muito mais do que sonhei em minha limitada filosofia literária.

Essas são conjecturas de agora, na velhice. E esse talvez seja tempo triste para alguns, mas no meu caso, enquanto desembrulho teias de aranha por corredores vazios, limpo estantes empoeiradas, me quedo relendo os clássicos da juventude; e me encanto de novo. Deliciada, reencontro personagens, releio contos, revivo épicos. E volto ao mundo da lua, tão bom!

Tão bom, sim, mas descubro que a madrasta, encarnada por amedrontadoras bruxas, esteve disfarçada de mocinha bondosa aqui ou ali. Sim, vejo agora, os personagens que pululam por meu mundo real são muito mais surpreendentes que os da mais poderosa trama de ficção.

 

Brasília, DF, 12/08/2019.

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