DE PROMESSAS CUMPRIDAS
Quando adolescente no interior de Minas Gerais, li todos os
livros que pude, às vezes lia um em metade de um dia. Sentada na calçada da
caixa d’água no fundo do quintal, à sombra do pé de manga carlota mais gostosa
que existiu, me lembro ter lido “A entregadora de pão”, de Xavier de Montépin,
começando no almoço – comendo na panela arroz com carne moída enquanto lia – e
terminando no momento exato do Ângelus.
A biblioteca do colégio só deixava a gente pegar livros de
quinze em quinze dias. Então, minhas colegas os pegavam e eu os lia. Vivia
rodeada de personagens, no mundo da lua, como mamãe dizia. Mesmo depois que a
realidade me afastou quase totalmente dos romances, aqueles personagens me
acompanharam de alguma forma. Eu acreditava ser o personagem da mocinha boa.
Agora, o personagem do meu pavor sempre foi a madrasta.
Pedia a Deus o tempo todo que não me deixasse morrer enquanto meus meninos
fossem pequenos de modo que não fossem criados por madrastas. Esses meninos,
hoje, são adultos driblando os próprios personagens em seus mundos encantados.
Sou grata, e mesmo assim, confusa, de tanto a vida me deu. Como diz escritora
famosa, “dou por vivido tudo que sonhei”? Não mesmo, vivi muito mais do que sonhei
em minha limitada filosofia literária.
Essas são conjecturas de agora, na velhice. E esse talvez
seja tempo triste para alguns, mas no meu caso, enquanto desembrulho teias de
aranha por corredores vazios, limpo estantes empoeiradas, me quedo relendo os clássicos
da juventude; e me encanto de novo. Deliciada, reencontro personagens, releio
contos, revivo épicos. E volto ao mundo da lua, tão bom!
Tão bom, sim, mas descubro que a madrasta, encarnada por
amedrontadoras bruxas, esteve disfarçada de mocinha bondosa aqui ou ali. Sim,
vejo agora, os personagens que pululam por meu mundo real são muito mais
surpreendentes que os da mais poderosa trama de ficção.
Brasília, DF, 12/08/2019.
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