As painas tornam os gramados caminhos de neve esvoaçante. Amontoadas, as fibras de seda ora formam alvo tapete, ora sobrevoam silenciosas com as leves brisas, ora saem em disparada sobre o asfalto levadas por rajadas intermitentes de vento.
É um vento gelado, gélido, para esse clima tropical e fica mais frio ainda quando o sol desponta no lento amanhecer: a neblina ainda encobre os topos dos prédios mais altos; poucos. Até que o sol se faça presente, o dia é só amostra; as veias das ruas solitárias ainda têm silêncio de noite, sossego de vazios.
Paisagem surreal entre o despontar do sol e o dissipar das sobras da noite e da fria neblina. Orvalho se poderia dizer não fosse a secura que chegou há alguns dias; cerração se fosse olhar um vale do alto, mas aqui já se está no alto, no plano alto. Então, essa neblina pode ser mistura de orvalho e poeira tantas as obras que expõem as estranhas da terra vermelha do Cerrado agonizante. Todos os elementos expostos, açoitados pela ganância humana, pelos valores retorcidos de nossas sociedades, se confundem, e confundem a todos. Sol, noite, manhã, neblina ou poeira, neve ou paina se confundem e se misturam na manhã brasiliense, precisamente uma manhã de inverno.
Começaram as férias escolares, que muitos pais fazem coincidir com os muitos recessos pelos órgãos públicos; por isso as ruas quietas nas primeiras horas da manhã; ainda mais silenciosas quando o sol começa sua subida por entre as árvores enregeladas. Seus raios se entremeiam às sombras e formam tiras de energia serpenteando pelos gramados. Tiras entrecortadas, aqui luz e ali sombra que, aos poucos, como o pequeno movimento do trânsito, se esvaem.
Ao virar uma das curvas, também raras, o sol se mostra deslumbrante mesmo ainda tão baixo, rastejante quase. Sua luz invade o rés do chão enquanto a noite persiste nas alturas. Enquanto se passa por uma descida de avenida, arremedo de, aliás, pode-se quase apalpar as intenções do astro-rei; e aí vem o dia. Exuberante luz, de deslumbrante despertar talvez pelo contraste com a escuridão, talvez porque o céu nu lhe dá plena passagem.
É verdade: não há nuvens no céu tão cedo. Talvez essa abóbada inteiriça, o convergir de todos os azuis para o cinza-gris; talvez tenha se vestido diferente então o céu em um único espaço liso, sem dobraduras, sem matizes: todo igual. Como uma redoma de vidro, o céu cobre o dia que desperta, exibe sua esplendorosa luz e se infiltra inexoravelmente por entre as criaturas e as coisas.
É interessante observar esse contraste: as frias marcas da noite e o poderio total de um sol deslumbrante. Talvez seja esse o momento mais frio do dia. Talvez os elementos disputando espaço, talvez um resistindo ao outro, querendo cada um ficar e aproveitar a vida.
Talvez, e enquanto isso, despertam outros seres, como o vento; esse vem cantar sem pudor sua cantiga de fazer imaginar assombrações. Como as fileiras de ipês roxos e rosas que coalham os canteiros laterais do Eixão; como as mangueiras que se cobrem de flores ferrugem; como os pássaros que se agrupam para aproveitar a seca e voarem livres da chuva.
É Inverno, que bom! Falta tão pouco para a Primavera agora!
Por
Magda R M de Castro
Brasília – DF, 06 de julho de 2009.
segunda-feira, 6 de julho de 2009
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