domingo, 28 de fevereiro de 2010

DIA BRANCO

Imagino como seria virar uma esquina e enxergar tudo branco à frente. Nada de árvores, pessoas, prédios... tudo transparente, sem contornos, nada está lá. Me imagino esfregando os olhos, pisco, os faço lacrimejar, não adianta: não vejo o ponto de ônibus, ou o ônibus; não vejo a banca de jornais, nem as manchetes. A cerca do parque, o sinal de trânsito, o luminoso: tudo que sempre esteve ali, onde está?
Tateio no vácuo, estendo a mão, é frio? Não, engraçado, não é frio não. Não é nada, ou melhor, é o nada; do céu à terra, deve ser a terra. Um painel translúcido, claro, imóvel. Nada se move, pelo menos parece ser assim.
Olho de novo, tento ouvir; silêncio, silêncio também branco. Há vento? Não, também não...
Me viro, olho para trás: tudo igual ao que sempre foi. Estão atrás de mim os postes, os letreiros, a rua com carros passando, a cidade mais além, o portão enorme e cinzento, a alameda que me trouxe até aqui. Num movimento vagoroso dou as costas a toda essa realidade e, de novo, vejo à frente, o nada, álveo, ausente. Nem som, ah, mas tem cheiros? Talvez!! É mesmo cheiro essa sensação? Respiro fundo, achei alguma coisa. Não ouço nem vejo, mas parece que sinto um perfume, um aroma. É bom? Não, não é bom de jeito nenhum. Porque não é bom? Não é tão bom porque parece cheiro de rosas. Cheiro de rosas desmaiadas, colhidas de vésperas, enregeladas... e brancas. Estão tristes, parece, e são rosas mesmo? Nessa brancura, como saberia? Apenas sei, só não sei por que sei serem rosas brancas. Elas não têm, mesmo, cheiro muito bom.
Como estátua, quieta, olho para o pedaço de caminho que ainda resta sob meus pés. Como seria avançar adiante nessa brancura? Afundaria? Para onde iria? Não vejo nada além. Será que depois dessa nívea ausência tem algo palpável, visível? O que sinto? Medo, curiosidade, desespero pelo que sempre foi e desapareceu? Não, nem um nem outro. Não é possível sentir frente a esse espectro do nada... ah, não é verdade! Tenho sim gana, uma estranha força de tocar e ver o que acontece.
Estico as mãos, as que sempre conheci. Aos poucos, milímetro por milímetro, os familiares contornos, a pele traçada de marcas e sardas vão enbranquecendo, primeiro parecem se iluminar, depois desamaiam languidamente. Vão mudando de forma, se arredondam, perdem os traços conhecidos. A transparência vai avançando, os braços roliços vão se alongando. Olho novamente para os pés que acompanham os braços e me torno gigante, esticada, branca, vítrea...
Num súbito acesso, tento me voltar para a alameda atrás, buscando o portão agora parecendo tão mais distante, e descubro que estão tão silenciosos os conhecidos elementos que vi há pouco. Se distanciam ou diminuem de tamanho, algo também acontece além.
Ah, que coisa! Sei que meus braços estão aqui, tenho certeza! Vou alcançar aquela linda árvore de cachos dourados pendentes que vi quando vinha longe.

Magda R M de Castro
Brasília, 27 de fevereiro de 2010.