terça-feira, 14 de junho de 2011

NA VIDA, NÃO HÁ ATALHOS

Uma das minhas dificuldades existenciais mais constantes é dar às coisas ao meu redor seu exato tamanho e a importância que realmente têm. A lucidez sobre o mundo é questão discutida e estudada por cientistas de todas as cores, mas como não tive acesso a todas as teorias, impossível mesmo em tempo de informações-relâmpago, vez ou outra me deparei, e me deparo, com a dúvida de qual tamanho cada coisa, fato ou pessoa tem de verdade.
Me descobri, muitas vezes, conjeturando sobre o que seria a vida que vivi se tivesse me casado com o primo, no interior de Minas Gerais, de quem fui noiva aos 16 anos. Minha mãe até me preparou um enxoval e eu, saudosista que sou, não nego, guardo dois viróis de linho com bordados singelos: um azul, outro amarelo. Tenho a teimosia de pensar que ainda os vou usar em lugar e alguém muito especiais. É aí que percebo a minha mania de deixar em aberto largo espaço para tantas possibilidades, mesmo que haja poucas chances de mudanças.
Assim, penso que se quisesse ter sido bailarina, eu teria sido. Se quisesse ter sido desenhista, teria sido. Se quisesse ter sido uma esposa abnegada e mãe de prole farta, bem, sou a segunda coisa, mas não consigo me encaixar na primeira, mas poderia ter sido. Acho possível ser qualquer coisa, desde que se queira o bastante e suficientemente para arregaçar as mangas e se dedicar à escolha. Então, eu poderia ter sido escritora se tivesse querido suficientemente, o bastante para não aceitar outras opções que foram surgindo. Dedicação é um dos itens do perfil dos maiores profissionais de qualquer área, por isso é que digo que não sei como mensurar ou dimensionar os meus sonhos. Acho que num caso sonho de mais e noutro sonho de menos e insisto em sonhar coisas desmedidas e sem sentido. Daí minha caçula escreve no blog: “se você sonha, você pode”; frase que me trouxe a essa reflexão.
Então, avaliando as experiências de diferentes aspectos é que descubro que não dá para fazer tudo o que imaginamos. A imaginação é incontrolável e também porque nossos sonhos, muitos deles, mudam com o tempo. Por exemplo, hoje, meu maior sonho é uma casinha numa serra, para viver o silêncio, para ouvir meu coração, e, talvez, até me tornar a escritora que sempre quis.
Só que viver no campo, bem, isso foi realidade um dia, vivi isso, mas na primeira oportunidade de sair de lá e vir para a cidade grande, não titubeei e parti sem olhar para trás. Fui viver o sonho daquele tempo que era ser independente, ter a minha casa, minhas coisas, minha história. Entretanto, inconscientemente, vejo agora, os sonhos de hoje começaram a ser desenhados desde então. Uma das maiores lições que aprendi, e que se repete a cada nova estação de vida, é que viver um sonho é tão maravilhoso quanto é doloroso o esforço, ou as trocas, que se tem que fazer por ele. Quando vim embora, naquela época, me lembro ter tido tanta saudade, mas tanta saudade, principalmente da minha mãe, que sentia dores até nos cabelos dos braços.
Então, voltar para a cidade pequena, para os silenciosos campos, foi sonho de vida toda que começaram quando vim de lá. Só que as tramas foram me enredando, me enredando, que acabei onde acabei. Não é vida ruim, ao contrário, boa demais, mas há sonhos no coração que não minguam nem perdoam. Fazem parte de mim como se fossem uma pinta no rosto, uma verruga no pé; estão lá. Só que a realidade vívida, se olhar direitinho, prova que não há, no horizonte próximo, já que não há mais horizonte de vida toda para mim, vestígios de que se realizarão.
Pode ser o mesmo para todo mundo, pode ser, mas para mim é o que entendo nitidamente: a vida é um retalho de escolhas. Em cada tempo, escolhemos algo que altera nosso rumo. Ficar noiva, deixar de ficar noiva, partir, ficar, me casar, ter filhos, voltar à escola, fazer carreira, amadurecer, amar, deixar de amar, vestir algo, despir algo, são escolhas, e decisões. Pequenas umas, enormes outras, mas se somam e montam nossa história. As decisões se relacionam umas às outras e nos levam através de caminho único, só nosso. Nenhuma é inócua, todas têm seus efeitos, e as que tomei foi que teceram o meu destino. E, nada há no universo, capaz de mudar as consequências de nem uma delas, por menor que seja.
É interessante refletir sobre a vida nessa altura. Cheguei a um ponto não de encruzilhada, diferente isso, mas num tempo em que não há o que decidir. É especial descobrir que tomei todas as decisões possíveis e exigidas, que agora só me resta viver suas consequências. Posso deixar uma mala preparada no armário, devo manter as contas em dia, talvez escolher um vestido para o passeio final, sim, escrever um texto de despedida. E posso ver televisão de dia, sair sem dizer para ninguém, voltar tarde para casa: nada mais depende de decisões minhas. Se tivesse decidido diferente ou ter escolhido coisas que não escolhi, o que seria agora? Pior, melhor? Jamais saberei.
E, mesmo que ainda haja sonhos, que, por favor, estou viva, os aquieto a um canto menor do meu coração, e, da mesma forma, me aquieto na vida. Vivo o prazer inimaginável de fazer nada para que aconteça coisa alguma. Trabalhei e me esforcei por anos, nem os conto, que me atrevo a experimentar o far niente dos italianos. Se vier a acontecer algo muito espetacular na minha história, será, exclusivamente, resultado de ato ou decisão de muito tempo atrás.
Sim, acredito nisso porque não escrever profissionalmente e não viver no campo foram escolhas feitas há muitos anos. Mesmo que difíceis, ou mesmo que o contrário fosse decidido, a vida do jeito que vivo agora, foi obra particular. Que tenha sido de ilusões ou enganos, agora já não importa: foi o que vivi e quis viver. Se não ouvi meu coração o bastante para encarar o que realmente queria, nada mais pode ser feito. Isso porque, uma vez dado o primeiro passo, o segundo você já não conhece. É aquele ditado sobre subir a primeira montanha: há outra adiante e dá aquela gana de alcançá-la também; e a vida acontece.
É assim que se faz a própria história, é assim que se vive a própria vida e se não formos muito claros e buscarmos a verdade mais funda de nossos corações, podemos sofrer quando não for mais o tempo das escolhas. Isso porque, na vida real, não há caminhos alternativos, não se pode redesenhar o sinal dos passos dados sobre a areia. Na vida de verdade, não há atalhos: todas as estradas levam à própria, única e definitiva história.

Por Magda R M de Castro
Brasília/DF, 14 de junho de 2011.