segunda-feira, 23 de junho de 2008

O TREM

“Ouve-se ao longe, o apito do trem...” Parem! Esse pode ser o começo de uma outra história, mas não o da minha.
A minha história é o “trem” da minha terra: lá tem um trem. Só que não apita nem anda na linha. A linha que a gente conhece lá é a “linha de leite”. Ou de carretel. O trem da minha terra é pau para toda obra: o trem é panela, é vassoura, é estrada, é chuva. É o ônibus que vai para o Cedro, é o moirão do curral. É alegria: “Ô, trem bão!” É xingamento: “Que trem!”. É trem pra lá, trem pra cá. Mas não atropela nem maltrata ninguém, a não ser quando um arrisca a botar o pé fora da terra natal: o povo da cidade grande “faz hora” desde que o animadinho aventureiro chega até que sai, rindo dele falar “trem” para tudo.
O “trem” da minha terra não tem preconceito: passa em cada canto, levando trabalho, levando sorrisos, más notícias, novidades a até mesmo aquelas histórias maravilhosas de nossos inesquecíveis avós.
O “trem” da minha terra começa a circular no pezinho da serra na entrada, quando se chega à cidade pelo lado do Marmelada – que não é doce, é o nosso “rio” – onde o “Grilo” – que era apelido de gente – bateu o FIAT e deu aquela tristeza em todo mundo. Na ponte, depois do “Parque de Exposições” – festona boa de agropecuária – se não cuidar erra o caminho porque começa com dois e acaba só num. Subindo a rua de chegada, tem o “Colégio das Irmãs”, onde levei a primeira bomba de minha vida, em Matemática. E o professor era o João Dias, que era professor de Francês também. E a Maria José era professora de Português e de Inglês. E o Leonídio, onde será que anda?
Subindo a mesma rua tem a “Padaria do Dominguinhos”, “trem” que cheira longe até a sala de aula. Se seguir reto, o “trem” pega o fundo do Hospital, a praça de esportes, o Colégio Estadual. Se virar à esquerda, pega a casa do prefeito Dr. José Carlos – do meu tempo –, a CNEC, a Praça da Matriz, que tem o “trem” da missa das sete. Daí para a direita, o “trem” alcança o cinema, a Casa Andrade, a Casa Moura, a Prefeitura, a Cooperativa em frente, o Abaeté Clube na Pracinha – Ah! Carnaval bão, peraí que tô chegano!”. A Pracinha é querida dos namorados, onde o “trem” tem ponto nas tardes frescas, nas manhãs de domingo, nos sábados à noite. Na Pracinha, tem ponto de táxi, é rodeada de bares, lojas de tecidos, sorveteria, sapatarias – a da Cidade também é um dos “trem” tradicional ali –, tem um mini “super-mercado”, um hotel – que “trem”! Esqueci o nome desse –, farmácia. É o trem, que roda, roda e qualquer caminho que tomar tá bem tomado porque sempre vai ter num cantinho gostoso, num lugarzinho querido, num rosto amigo, num pingo de saudade – Oh! “trem” que dói é a tal da saudade...
Se o “trem” pegar a Rua Dr. Antônio Amador, vai dar na Capelinha de São José, onde o Frei Mário rezou tanto pra gente e tem missa todo domingo às nove da manhã. Delícia de “trem” quando o padre fala: “vão em paz e que o Senhor os acompanhe” eu sabendo que tinha o domingo todo para aproveitar. Bem pertinho, tem a “Vila Vicentina”, essa um “trem” danado de triste, e o “Lactário”. Daí, se continuar depressa, o “trem” sai logo da cidade pelo lado do “Bicué”, ou pela Rua do Capim – rua onde moram a Maria do Mato e o Zé Barata. E tem, ainda no trilho do “trem” dessa Rua, a Capelinha, das missas de domingo às cinco da tarde no meio do poeirão de terra vermelha, porque dentro não cabe todo mundo.
Seguindo o caminho do “Bicué”, o “trem” vai chegar no Cedro, não antes de passar pelas fazendas do Dr. Aloízio, do Zé de Paiva, do Dr. Amador, do Tio Osvaldo Arruda, dos Sales, da entrada da Fazenda Gamelão do meu querido e saudoso avô Zé Miranda. Seguindo pelo mesmo caminho, tem uma hora que o “trem” passa numa terra azul como o céu e a poeira deixa as folhas dos galhos perto, um “trem” esquisito de se ver. É seguindo esse “trem” azul é que a gente alcança o Cedro. Rua única que descamba para o Capacete.
Agora, se o “trem” não pegar essa estrada pode sair da cidade pelo rumo da Paineiras e aí ele vai passar pertinho da Serra do Tigre, que é onde tem “trem” bão demais principalmente se ele parar na fazenda dos Amorim, que tanta moça e rapaz que se o “trem” não fosse do tamanho dum trem, não dava para todo mundo. E esse povo todo, mora numa casa perto da minha, na cidade, na Rua 13 de Maio, que cruza com a “Antônio de Andrade”, a “Princesa Izabel”, a “Sete de Setembro”. A “Sete de Setembro” tem uma ladeira que é um “trem” de dar medo. O Odimar levou um tombo enorme lá numa bicicleta novinha, que foi de dar dó.
Mas tem mais caminhos de “trem”: o da “Oncinha”, o de “Tiros”, o caminho do “Quartel” – a lagoa era famosa, ponto de veraneio da região. É “trem” que não acaba fácil, é fartura de “trem”. Saudade que não acaba mais. E “embarcando” gente e saudade junto no “trem” da minha terra, dá certinho a receita da vovó para ser feliz e seguir pela vida afora...
É. Mas como qualquer outro, esse “trem” de história que escrevi aqui tem que parar, por enquanto, porque tenho uns “trem” para lavar ali na cozinha. Mas qualquer dia desses, boto o “trem” de novo na linha dos meus pensamentos e escrevo para esse “trem” que chamam jornal, sobre o “trem” da minha terra, que mesmo de longe, dá um “trem” no coração da gente...


Magda R. M. de Castro
Brasília, 01/10/85

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