segunda-feira, 23 de junho de 2008

POR SERMOS MULHERES

Enquanto esperava que o computador fizesse suas leituras e atualizações para abri-lo e escrever esse texto, fiquei observando um dos meus netos no “papel de parede”. Admirando essa bela criatura me deixei vagar pelos tantos tempos que existi até agora. Quase acho brincadeira quando vejo, por um lado, que o tempo passou depressa demais, pois eis-me aqui, avó, e ainda mãe, e ainda filha, e, por outro lado, mais que sempre, disposta, para a vida e para o desafio.
O que espero do mundo, do porvir? Continuo indagando se vivi o que sonhei, se fiz o que quis, se valeu, ou não. E, nessa madrugada de um dia internacional de mulher, pergunto-me qual é, afinal, o mistério. Não o do futuro que não há pressa, nem o do passado que, por ora, está desvendado, mas qual é o mistério de ser, ser gente, alma, espírito, ser mulher?
Devaneio pelas mensagens que desde ontem chegam, leio o jornal que avisa do final de semana de homenagens, me lembro da cerimônia organizada pelas deputadas e assessoras da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Qual é esse mistério tão nosso?
Um e-mail fala da criação, quando Deus explicava a um anjo os motivos de fazer a mulher com certas especificidades. É uma lista enorme de sentimentos, mas que me desculpem os inventores, metade não me serve porque em mim moram também abismos, o que justamente me qualifica como mulher.
Sobre a sessão da Câmara, a abertura solene foi feita por uma deputada que conheci quando trabalhei em banco, o que me levou a refletir sobre as metamorfoses que o mundo marca em nós, ora a ferro, a fogo, ora a lágrimas.
Depois, o coral, de vozes femininas, do qual minha caçula faz parte, cantou músicas brasileiras falando de “marias”. Excelente maestro, mas diga-se, deveria ser uma maestrina ali. Seria perfeito também que o câmera que gravava o evento fosse mulher. E que não houvesse homens na sala, já que até o corpo de bombeiros era feminino. E esse poderia ter o nome mudado para “corpa de bombeiras”. Bem, vê-se, não ficaria bonito, mas seria feminino. E essas últimas expressões também poderiam ser usadas sempre como “bonita” e “feminina”. Viva o feminino!
Esses são desvarios para mostrar que é complicado separar o masculino do feminino, assim como não há sol se não houve noite, ou, não haveria o branco se não fosse o preto, não existiria o côncavo sem o convexo; ou a paz se não fosse a guerra; não existiria alívio se antes não sentíssemos dor.
Eu, particularmente, não seria o que sou se não fossem os homens. A começar pelo meu pai cuja ternura dos poucos, raros e caros momentos em que o senti perto jamais foi esquecida. Outro, homem inesquecível, inigualável, foi meu avô paterno. Do alto da estatura forte, vigiava uma menina esganiçada com carinho mesmo que minutos antes tivesse esculhambado um peão no curral. Se voltava para mim com outro olhar, nunca ralhou, nunca me deu conselhos. Ganhei dele o apelido de tanajura, e o que me ensinou foi através das histórias de aventuras que viveu. O que aprendi com ele foi assim.
Também não seria o que sou se não fosse por meus irmãos. Um a um, cada qual me ensinou uma coisa. Nunca tive facilidade para aprender o que devia: tenho que bater cabeça muitas vezes até que a lição fixe nos ossos, na carne, no cérebro. Mesmo assim conseguiram me ensinar a andar a cavalo, a nadar, a dançar, a comer coisas como creme de leite com pêssego e banana split, a viajar, a amar a Jovem Guarda.
Depois dos irmãos, inesquecíveis são os primos. Fazem parte da minha melhor história, tanto que quase me casei com um. Em tempos de férias, de feriados, de comemorações, festas de família, me acompanhavam. Me ensinaram a balançar em cipó, a jogar dama, queimada, vôlei, bolinha de gude.
Então vieram os namorados. Aí é que vieram as mais duras lições. Não fui feliz sempre e por uma vez ou duas tive que inventar forças ou lucidez para desviar-me deles, mas todos me ensinaram muito, claro, dando o devido valor a cada lição.
Depois vieram os filhos. Só com eles consegui completar-me mulher, pois aprendi, então, mais do que realmente ensinei. E, os netos, presentes divinos, são os últimos, e não menos amados, louros da jornada.
E os amigos? Oh, esses colaram cacos quando tantas vezes me quebrei, me fizeram rir quando não queria nem viver, me salvarem até de mim tanto perigo corri. Queridos amigos, quanta gratidão!
Mas persiste a pergunta. Quem somos, mulheres, desse sexo, desse tipo, dessa matéria, desse tempo? Que personagem somos nessa peça da vida?
Perguntas sinceras. Respostas sinceras: mulheres que querem o melhor para o mundo, a felicidade de todos os seres vivos do planeta. seres que querem contribuir para que tudo seja puro, perfeito, eterno. Moram em nossos corações os melhores sentimentos, as melhores intenções. Reconheço, pois conheço, que há mulheres nem tanto assim, que articulam conforme os próprios interesses, ah, se sei! que usam e abusam de seus atributos, de suas falsas fraquezas, de seus instintos perspicazes e outras armas brancas – e mortais.
Mas a maioria das mulheres quer o bem, claro que começando em seu próprio terreiro, mas não se importam em dividir, desde que seja com quem faz por merecer. Ah! Como somos insistentes em nossos sonhos, como somos teimosas em nossa fé. Como somos, eternamente, para sempre, esse complexo e intrincado tecido profano e sagrado que enfeita o feio e ainda mais o belo, que protege o fraco e o forte, que constrói e desconstrói se preciso for, que açoita ou acaricia sentindo em si cada dimensão disso.
E quem somos quando somos só mulheres, apartadas dos homens? E quem são esses, homens, sem nós, mulheres? Nada. Ou talvez bandos tresloucados de seres sem beleza ou alegria, sem razão de viver. Suportaríamos, a mulher sem o homem, ou o homem sem a mulher, eternamente, os frios trilhos de solidão, o silêncio de almas mudas de susto, o desvario do desejo natural pelo abraço penetrante e completo?
Acho que não. Não teria suportado a minha vida até aqui, mesmo reconhecendo que poderia ter sido melhor. Poderia ter sido mais respeitada, mais admirada, mais querida, o que teria me dado mais força de lutar pelo mundo que acredito ser possível. Mas nada seria sem os homens de minha vida.
Assim também é o mundo que é nosso agora: carente de colo de mãe, de mais um pouquinho de doçura, mais um cafezinho, mais um sussurro segregado, tantinho de ternura, de cantinho para o coração, de abraço quente e macio.
É que precisa-se de homens. Daqueles que querem ter uma mulher ao lado. É que é sadio e bom para a pele, amar e ser amado. É que o amor pode fazer com que o homem e a mulher sejam completos juntos, cada um sendo um inteiro-metade.
Todos precisamos de homens e de mulheres. E é por ser uma mulher, com parte das intenções divinas e parte de veneno e de bicho que parabenizo o universo feminino, nesse dia que lhe é dedicado internacionalmente. O que implica em parabenizar também o universo masculino, pelo seu significado e sua contribuição.
Sendo assim, parabéns a nós todos, partes que somos desse fantástico universo humano que, para continuar sendo esse mistério que é, precisa de todas nós, mulheres. E de todos os homens, lado a lado.

Magda R M de Castro
08/março/2008.

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