segunda-feira, 23 de junho de 2008

COMO LIDAR COM FILHOS CRESCIDOS

Depois de chegar, exausta, da fazenda, abri meu e-mail e lá estava uma mensagem sobre filhos: tudo que deveria ser feito “antes que eles cresçam”. Lindo e criativo, o texto. Desses dignos de publicar em colunas de jornal ou prefaciar livros de grande sucesso. Texto urgente, de fazer a gente sair correndo e se jogar nos braços dos filhos pedindo perdão, antes que eles cresçam. Texto original nas palavras, mas falando de sentimentos milenares e muitas vezes repetidos, chorados, bradados. Filhos!! Palavras de dolorosas rimas torcendo o coração, espremendo a garganta, esfregando em nossa cara essa impotência de fazer tudo pelos filhos, antes que eles cresçam.
Só que “Antes que eles cresçam” não serve mais para mim: meus filhos já cresceram. Portanto, não posso mais seguir tão sábios conselhos, chegaram tarde demais.
Então, talvez para expurgar a minha culpa por não ter feito tudo antes que meus filhos crescessem, escrevo também sobre filhos. Começo com um sentimento de quase revolta, por descobrir só agora, por aprender só agora. Chego a sentir raiva mesmo, porque só encontro um aviso desses depois que meus filhos cresceram, pó! Não dava para achar isso antes? Um tem 29 anos. Outro, 27. Uma, 22, outra, 19 e ainda outra, 15. Todos grandes, grandes, maiores que eu. Crescidos, então. Eis porque me revolto: sendo eles já crescidos, logo, não mais pequeninos, não posso mais vê-los dormindo, abrir de mansinho a porta do quarto, tatear no escuro rumo à cama, pegar a colcha do chão, levar os lábios para roçar um nariz ou uma face ou uma orelha ou um cabelo amassado e sair de ré do quarto, com o alívio de saber que por mais algumas horas, estarão por perto e em segurança?
E agora? O que faço?
Porque cresceram, não os posso mais abraçar apertado, beijar seus machucados para mandar a dor embora, cantar cantigas de ninar, ou fazer uma canja de galinha?
Então, porque cresceram não posso mais falar das escolhas mais difíceis que vão exigir muito esforço da parte deles, apesar de ter feito exatamente igual um dia e não me arrepender de nenhum dos rumos que tomei?
Será que porque cresceram não tenho que acompanhá-los a uma festa, a uma viagem, a uma escola, a um cinema ou estão proibidos de viajar comigo, não têm que ouvir minha opinião, não têm mais que acreditar em sonhos juntos?
Será que, porque cresceram, não posso mais dar palpite na roupa de vestirem, ou na comida mais saudável, ou nos livros que lêem ou nos horários de irem para a cama ou não posso mais esperar que cheguem à noite, que encontrem um bom emprego, que tenham ótimos casamentos, casa boa, riqueza, felicidade? Tenho que abrir mão de tê-los por perto, de lhes fazer carinho – e receber –, de me preocupar com eles? Tenho que desaprender a ser mãe e deixar de amá-los?
Porque preocupação, cuidados, conselhos, afagos, são as maneiras de mostrar que os amamos muito. Nem mesmo a mãe mais errada do mundo será tão culpada se o que quer que tenha feito tenha sido por amor aos filhos. Esse não tem tamanho, cor, nem distância, ou idade. Não sei explicar, não entendo, não sei contar a respeito de amor de mãe. Ele vive, está sempre ao redor, sempre sangrando entre uma lágrima, um riso, uma espera, um abraço de chegada. Não existem palavras em nenhuma língua humana capaz de contar o que é amor de mãe. Mas nem por isso é menor. Nem por isso deve se calar. Não é porque não há como explicá-lo que ele vai diminuir depois que os filhos crescerem. Porque mães não deixarão de ser mães – ou pais – apenas porque os filhos crescem. É injusto demais! Creio que a diferença de sermos mães de filhos crescidos – e não mais pequenos – é que a casa se esvazia, a saudade se instala e não há canto onde não encontremos o frio da ausência, o eco de solidão, um adeus.
Sempre ouvi minha mãe dizer que “filho criado era trabalho dobrado”. Vivo isso de “filho criado”. Não concordei ainda – por até ser que o faça mais tarde – é que é “trabalho dobrado”. Não tive a chance de trabalhar dobrado com meus filhos grandes porque cada um seguiu seu caminho rápido demais. Muito mais rápido do que eu mesma ousei imaginar. Três partiram correndo assim que puderam, como se a nossa casa fosse o último lugar para ficar. Como se chovesse dentro, ou queimasse sempre um fogo, ou faltasse comida ou agasalho, ou um olhar mudo de dolorosa contemplação.
Partiram depressa demais, sem dar tempo de me acostumar às camas vazias, aos livros abandonados na pressa, o último pedaço de voz ricocheteando pelas paredes de onde ainda olham, desenhos a crayon. Partiram tão velozmente que se foram sem levar as medalhas, as fotografias, o álbum de formatura, uma foto minha.
Pois é. Meus filhos cresceram, e continuam crescendo, ganhando o mundo. Confiantes se atiram à estrada, ao desconhecido, à vida. Igualzinho ao que fiz um dia, se distanciam, acenam de longe; se afastam devagar, mas inexoravelmente. Os que ainda não partiram, esperam ansiosos o sinal do trem.
Estou, então, tentando aprender o que é ter os “filhos crescidos”. Os estou conhecendo como seres humanos, acompanhando seus descobrimentos, suas desilusões, suas tragédias. Posso, portanto, aprender a viver meus filhos crescidos assim como vivi para os meus filhos pequenos.
Quero, agora, um outro texto criativo e original, para me ensinar como vou viver com meus “filhos crescidos e longe”. Não é um longe de distância. É o longe de ausente, o de não mais confidências, de não mais compartilhar segredos; o longe de sonhos divididos. O longe de medo de falar o que não deve, de ferir a quem parece saber tudo, de fazer carinho e “pagar mico”; o longe de não saber deles por um dia, depois por dois dias, depois uma semana, depois meses sonolentos. Longe de saudade eterna e em confusão, de uma mãe de filho crescido que não quer que partam, mas é obrigada a viver sem eles. Mãe que não telefona para não incomodar; que não dá conselhos para não irritar. É o longe de silêncio porque as palavras agora têm significado diferente e os gestos podem interferir na nova intimidade guardada a sete chaves.
Quero também um texto que ensine, aos filhos crescidos, que mãe sempre terá cuidados; que mesmo que não a ouçam, ela gostaria de dizer; que mesmo que não telefonem o coração dela espera; que mesmo que não venham aos domingos, ela sempre reza. E que não são somente eles que crescem, cresce com eles, lado a lado, o amor de mãe. Filhos crescidos devem saber, definitivamente, que essa mãe, por teimosia, sempre dará uma última olhada para a rua, ao anoitecer, antes de fechar a janela. Pode ser que aconteça um milagre e um dos filhos crescidos – ou todos – se arrependam de ter partido e voltem para casa. Porque onde estiver, essa mãe estará esperando, para sempre, com a cantiga de ninar, o abraço macio e o prato de canja quente, por todos os seus filhos, grandes ou nem tanto.

Magda R M de Castro – Maio/2006

4 comentários:

Anônimo disse...

Meu comentário?
Lágrimas correntes...
Filho n° 2.

Anônimo disse...

Idem... Também chorei Magda (Magali)

Anônimo disse...

Nossa q lindo!!Nem imagino qdo minhas meninas q agora tem 3 e 5 aninhos estiverem longe de mim! Já estou chorando...

Patricia disse...

Oi Magda,
Estava procurando algum livro que falasse sobre filhos criados, pois como você sou ávida por leitura. Mas ao buscar esse assunto na internet, na tentativa de melhor entender minha filha de 22 anos e com isso melhorar o nosso relacionamento, que já antecipo, é muito bom. Mas as vezes temos dúvidas, inseguranças. Enfim, buscando pelo assunto me deparei com esse seu texto lindo, sincero e emocionante. Só posso agradecer por suas palavras, pois é exatamente isso que sinto, todos esses fantasmas me perseguem. Mas adorei te ler, suas palavras me tocaram profundamente. Muito obrigada. Grande abraço.