segunda-feira, 23 de junho de 2008

DESCOBRINDO A LUCIDEZ

Há poucos menos de dois anos para completar cinqüenta, tive a oportunidade de desacelerar uma estabanada forma de viver e me voltar para mim. Parei, me olhei, me reconheci, não rápido, mas comecei a me olhar, como num espelho invertido. Isso nunca tinha acontecido.
Reflexão era uma palavra remota de improvável valor sem espaço na minha vida tão rica de tantas coisas boas – e algumas nem tanto. Mas um dia sem muita preparação ou explicação, me descobri tendo tempo para refletir. Levei um choque, fiquei meio sem entender o que era aquilo por alguns dias, então, foi devagar e me esforçando com afinco que assimilei a idéia. Finalmente, estava pensando e não somente agindo, coisa rara.
Com essa reflexão fui juntando um choque ao outro, descobertos nas frestas com pouca luz ou nas luzes estonteantes e falsas, nas presenças ou nas ausências, nos silêncios ou nas palavras muitas vezes enganadoras e pude delinear a vida que vivia. Melhor: vi tudo, com olhos de atento visitante. E descobri que, embevecida ou imbecilizada pelos brilhos, sons e cheiros, todos de ilusão, estava diante da encruzilhada mais importante da minha vida: decidir o que faria com os dias que restavam dela, consciente de que seriam bem menos dos que os que já tinha vivido. Portanto, o tempo de postergar acabara. Ou fazia agora ou não faria nunca mais.
É aquela história: você não pode mudar o que passou, mas decidir como viverá o que está por vir pode. Então, agora que conhecia as estradas percorridas e podia ver o começo de cada uma das novas que se abriam à frente, teria que escolher, e bem, uma delas ciente de que não teria mais tempo de trocá-la.
Era hora de dar o primeiro passo, marcar o rumo, indicar a direção. Com essa atitude, estaria validando tudo que passei ou negando tudo que vivi. Escolher a trilha, a rua, a avenida, o mar, o que seja, por onde andaria pelo resto da jornada seria a chance de dar à minha vida o seu mais cristalino sentido e, significaria o maior enfrentamento, porque seria comigo mesma.
Calculei dados, chequei informações, avaliei experiências. Revi cada canto por onde andei, revisitei vozes e rostos, sinceramente, honestamente, afinal, nessa avaliação não havia platéia e nem razão para rodeios, subterfúgios, muito menos, mentiras.
Então, me voltei para o futuro, me imaginei anos à frente para que pudesse sentir se a decisão seria suficiente para realizar os sonhos que adiei por diferentes motivos, mas que de alguma forma, ainda faziam parte de mim, que ainda queriam viver.
Fiz isso dando pequenos passos para trás e também no presente, arrumando bem a bagagem para seguir em frente. Bagagem especial, digna da vida já vivida, e que, meu coração sabia, seria o alicerce do que ainda viveria.
Voltar um olhar crítico para o passado não é tarefa fácil. Somos tentados a manipular, a justificar ou a maquiar deslizes e erros. E, isso é até engraçado, quase sempre tendemos a desvalorizar as conquistas e os acertos. Tentei fugir da armadilha, dando a cada experiência o tamanho exato de sua contribuição, de sua lição. Me esforcei para analisar fantasmas e miragens, firme no propósito de checar tudo e descobrir o que deveria consertar e o que já estava de bom tamanho.
Concentrada no passado, descobri que tinha alguns perdões a dar, e outros para pedir. Vi que queria voltar a um olhar, riso ou abraço de quem tinha saudades. Queria de alguém uma única e bendita palavra. Descobri que queria voltar a alguns lugares e conhecer um que nunca visitei; que coisas que não fiz, trabalhos não terminados, caminhos interrompidos estavam agora me espreitando no limiar das descobertas, esperando, em silêncio, o que eu faria com eles.
Vi que que voltar nem sempre permitiria consertar erros, mas poderia clarear pontos obscuros, tirar dúvidas, rever paisagens e assim refletir sobre experiências já sepultadas e sobre as inesquecíveis.
Tinha certeza de que fazendo isso poderia explicar o que tinha agora e garantir o futuro que queria com determinação suficiente para enfrentar medos, fantasmas e resgatar a coragem dos primeiros tempos quando eu ainda tudo podia.
Depois desse trabalho de escavação e reconhecimento, ficou claro que o modelo de vida que vivia não me levaria a isso. Ao contrário, a visão que se abria para o futuro, a continuar desse ponto, não era o que queria. Essa foi a razão de decidir mudar o agora, mudar o padrão: dizer “não”.
Estava tão cuidadosamente decidida que nada me faria desistir. Isso me mostrava que algo novo, o futuro, me espreitava de muito perto. E pensar que poderiam persistir as mesmas dúvidas, inseguranças, esperanças nunca concretizadas, foi visão apavorante demais.
Em resumo, devagar e determinada, percorri os caminhos que me trouxeram até aqui: quis revê-los, ter certeza, vê-los claramente para escolher o próximo a percorrer. E foi assim que dei o primeiro passo para permitir, finalmente, a viver a vida que sonhei, a ser a mulher que sempre quis ser. E assim será pelo resto dos meus dias.

Magda R M de Castro
2005.

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