segunda-feira, 23 de junho de 2008

PARA QUE SERVE UMA CASA DE CAMPO

Esta é a resposta para uma pergunta da Lu, que faz parte do grupo: Para que quero uma casa de campo.
Tenho a minha casa no campo há mais de 5 anos e me pergunto o que seria de mim, hoje, sem ela. Brasília não é também estressante, apesar de estar longe de São Paulo, mas para mim - criada solta como bicho pelas fazendas de Minas Gerais - sempre foi difícil viver na cidade. No dia em que carreguei meu carro com tralhas e treliças, me dei ao luxo de amarrar os cabelos com um lenço berrante e rumei para o campo, meu coração exultante, tarde inesquecível, me dizia: finalmente, tenho um canto meu, longe de tudo, para onde fugir.
Sinto ainda alegria, fundo, apesar de passado esse tempo, toda vez que atravesso certa ponte, no caminho que me leva ao paraíso. Já tem muita flor plantada lá. Neste momento, estou comemorando a primeira florada de uma paineira rosa, mas já floresceram hibiscos, jasmins, rosas, flamboyants, flores em penca. O gramado já pegou ao redor da casa e já estamos comendo as frutas plantadas por nós. As noites de sono são reparadoras: meu marido e eu viajamos quatrocentos quilômetros todo fim-de-semana apenas para dormirmos lá a noite de sábado - aí vc percebe que não gastamos mais com motéis...
Mas nem tudo são flores - há cobras aos montes: elas entram pela porta da cozinha, pela da sala, sobem nas grades, nas colunas, de dia, de noite, de tarde, sol ou chuva não avisam e ficam loucas perto da gente – e a gente perto delas. As aranhas se escondem onde vc jamais imaginaria; há sapos e besouros aos montes. Os grilos são ensurdecedores em contraste ao profundo silêncio - e ainda: na entrada da primavera, o arvoredo ampara milhares de cigarras incansáveis que berram por mais de três meses seguidos.
Vc ainda tem que ser responsável pelo lixo que produz, pelo tratamento da água, pela leitura do padrão de energia, pela visita da pessoa da cidade acostumada à televisão e ao sofá, que joga tocos de cigarros, papéis de bala, tampinhas de garrafa no gramado e vc tem que catar um a um porque não me consta que a grama verde - ou o cortador - gostem disso. Ainda, pessoas que não sabem separar o lixo, que reclamam da picada - suave - do vagalume, e dolorosa - do marimbondo -; querem matar as lagartixas e os passarinhos, - e os pobres marimbondos -; não suportam o cheiro do estrume e reclamam do barro. Sim, porque é muito barro. A não ser que vc cimente todo o quintal, todo o caminho.
É que para ir para o campo vc precisa se preparar com a invasão da natureza na sua vida. Lá vc vai ouvir a chuva: mansinha embalar o sono, mas a de vento arranca as telhas e desregula a antena parabólica. Quando é poeira, ela entra em qualquer fresta e se instala, sem cerimônia no seu guarda-roupas, mesmo herméticamente fechado. As traças não pedem licença. O mofo adora ficar pelos colchões, travesseiros e almofadas. Se vc cuidar como uma histérica, vai ficar livre de ter os forros de crochet que cobrem as mesas virarem comida de ratos. A natureza invade tudo, com muitos personagens. Os lobos são mansos: atacam as galinhas no terreiro. E também as raposas. Alguns pássaros atacam você a bicadas, se se aproximar de um ninho. Quanto ao tempo, no verão há muita chuva, tudo se encharca. No inverno, há a seca, tudo se acinzenta, morre, enche de poeira. A primavera e outono ficam no meio, sem grandes dramas.
Quanto está muito quente, os insetos invadem a casa à noite atrás das luzes e para usar o computador tenho que colocar cortinado. Todas as vezes que abrir uma porta, se sentar ou se deitar, é preciso espiar, vasculhar com cuidado. Há suspresas por toda parte.
Uma coisa que não posso deixar passar: é duro escolher alguém para tomar conta enquanto vc está longe.
Bem, teria que escrever um livro para lhe falar das peripécias pelas quais passamos, minha família e eu, depois que compramos este sítio. E teria que escrever dois para lhe contar quanto já mudamos e nos tornamos melhores pessoas depois disso. Mudamos tanto que alguns amigos se afastaram - ainda bem que conhecemos outros no campo; temos hábitos diferentes, resposanbilidades diferentes. Agora estamos mais tranqüilos, passamos mais tempo juntos, cantamos e rezamos juntos. Aprendemos a respeitar mais a natureza e estamos ensinando às pessoas com as quais convivemos, a fazer o mesmo.Portanto, Lu, vá para sua casa no campo. Se vc gostar muito, muito, vai dar certo. Se vc gostar de sol quente, de chuva fria, de muito silêncio, de distância da civilização - não adianta pedir socorro -, vá! Mas saiba que aí a vida vai se apresentar todinha para vc, sem maquiagem, sem janelas de vidro, sem grades de proteção, sem o corpo de bombeiros, sem leis humanas, só as inexoráveis da natureza, sem seu controle. Certifique-se de que quer mesmo se entranhar na natureza, ser natureza de novo. Se assim for, vc jamais será a mesma e não se arrependerá. Se assim não for ... não invista em uma casa muito cara...

Magda R M de Castro
25/04/06

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