segunda-feira, 23 de junho de 2008

COMO SOBREVIVER A UM MESTRADO

OU CRÔNICA DO MESTRANDO LOUCO

Quase no final do semestre, quando, mais uma vez, os alunos perguntaram, como seria o exercício de avaliação da disciplina, o Professor (aqui não vai nenhum nome porque senão fere-se, inutilmente, susceptibilidades) respondeu que poderia ser feito um resumo que indicasse o que se havia apreendido, até o momento, do curso de mestrado.
Em meio à profusão de informações recebidas, bombardeadas de todos os lados, organizar um texto coerente implicaria em arrebanhar complementos e novas informações para fazer pontes entre tantos dados. E, considerando que cada informação abria verdadeiros icebergs de outros assuntos, outras áreas do saber, deduz-se que essa não é tarefa fácil.
Livros novos e velhos, cópias borradas de outros, pastas disso e daquilo, revistas, jornais, anotações em agendas, rodapés, cadernos grandes, pequenos, guardanapos de boteco – e até o papel-cartão da meia-calça – era lugar para anotar, guardar, captar tudo. Também crescia exponencialmente – palavra chiquérrima essa – os arquivos dos computadores, dos pen drives e lap tops, do CDs, para não deixar as – sempre grandes – idéias escaparem.
Tinha ainda que se considerar a ajuda de vizinhos, patrão, mãe, irmão, marido/esposa ou namorada/namorada, professores do curso; esses assediados pelas idéias das mais estapafúrdias e infantis até as mais razoáveis e inviáveis.
Todos os dias a roda era inventada de novo. A toda aula algum aluno via o descortinar de um mundo novo, descobria – pela décima vez – seu tema de dissertação – essa com o fim de ser a única no mundo. Quando se falava em “material”, “texto de fulano”, “artigo” de sicrano , “site” tal – essa palavra poderia ser “sítio”, mas, gente “site” é muito mais chique – e fora do lugar, como tantas – era um fusuê na sala, como se em cada nova informação fosse encontrada resposta para todas as questões.
Assustador, o volume de informações. Pelas durações dos módulos, o número de horas totais seria de quase dois dias – pasmem! Era para aprender a história da humanidade – e isso sendo claro que história é uma coisa e que memória é outra –, em dois dias. E aprender fundo a ponto de criar uma nova teoria, reinventar o mundo, salvar a humanidade.
Havia os bolsistas que viviam apenas para o curso, mas a maioria trabalhava e grande parte ralava para estudar, fazer as tarefas, pagar as – caras – mensalidades do mestrado e ainda dar conta de se manter no mundo lá fora. Então, esse exercício de viver na realidade e se transmutar para o mundo acadêmico faziam os alunos quase mudarem de personalidade e, de vez em quando, um ou outro errava o timing e acabava deslocado na sala.
No começo, os grupos se formam apressadamente, de acordo com a vaga idéia do que era cada aluno: se contribuiria, se atrapalharia. É que a meta geral era ser “o melhor”, ou o queridinho do professor ou ganhador de uma suposta disputa ou prêmio. Depois das primeiras tarefas, nem todos se entendiam mais e caras decepcionadas fugiam para outros cantos da sala em busca da alma gêmea, do colega perfeito, aquele que tudo podia, sabia, fazia e ainda era gentil e educado. Interessanta também é formar grupo com aquele colega político: conhecia a escola e os coordenadores e passava informações para todo mundo. Num terceiro momento, todos já com informações mais precisas sobre cada um, os grupos sofreram baixas ou acréscimos, de acordo com o interesse de quem chegava ou saía.
Tinha gente de todo jeito: um falava gritando, outro sabia de tudo, esse não falava nada, aquele o professor sempre ouvia e achava bonitinho, o coitado que se falasse levava má resposta e os que só observavam e assistiam para ver aonde aquilo tudo ia chegar. Nesse mundo à parte, amizades verdadeiras nasceram enquanto outros relacionamentos se deteriovam devagar. Pequenos pedaços de vidas foram se mesclando aqui e ali, confidências foram trocadas, problemas pessoais foram se tornando de conhecimento geral. Alguns se gostavam naturalmente outros não se gostavam naturalmente e só a boa educação, que parecia a maioria ter recebido, é que não permitiu arranca-rabos aqui ou ali.
Mas entre interesses – ou desinteresses – foram se desenhando vinte personalidades diferentes, fascinantes, mesmo quando se mostravam irritantes ou desagradáveis. Todos tinham valores, pontos de vista, conhecimento, dúvidas que se ia mostrando, em gestos, esforços, avanços de limites, o quanto estava disposto a pagar pelo bilhete da viagem. Longa e cara viagem que tornaria ainda mais diferentes ainda pessoas vindas de muitos cantos do país. O que, entretanto, parecia ser comum era a expectativa com o resultado, do quanto aquele curso poderia significar para cada um, quantos caminhos para o sucesso poderiam surgir. E apesar do esforço visível em todos, só um aluno desistiu. Confessou não ter “se identificado com a metodologia”.
E, enquanto eram apenas aulas e trabalhos individuais o andamento do curso foi até suave, mas, à medida que mais informações se acumulavam, o nível de exigência foi aumentando e conciliar compromissos pessoais, profissionais e tantos outros foi se tornando cada vez mais complicado. Entretanto, muito se aprendeu, como por exemplo:
1) Que se você gastar todo o final de semana lendo aquele livro indicado de 600 páginas vai quebrar a cara porque o professor vai levar três quartos da aula seguinte discutindo as notícias do jornal de domingo – e não o clássico livro;
2) Que o horário e a presença são obrigatórios, mas se você for à aula, deve-se preparar para levar bronca pela falta dos colegas;
3) Que a sala de aula é um palco iluminado – tem estrela para toda parte e ali você aprende o que jamais imaginou aprender e desaprende o que sabia;
4) Que quando você faz uma pergunta ao professor, quem lhe responde é aquele sabe-tudo bonitinho, que afinal não sabia nada e você fica sem saber do mesmo jeito;
5) Isso deve se explicar pelo fato de que só vai à escola quem sabe tudo. Se você quiser aprender deve ir a outro lugar – que o dicionário ainda não definiu qual;
6) Numa aula de mestrado se aprende que quando o professor lhe perguntar uma coisa, você tem duas opções: ficar calado ou responder. Qualquer que seja sua escolha você estará errado;
7) Também se aprende que se o professor falar uma verdade – e ela não agradar – pode-se ir ao coordenador reclamar – em nome da turma, mesmo que a “turma” não tenha sido consultada. Pois é, mesmo num mestrado ainda se tem isso;
8) Se aprende que não se pode ler qualquer coisa porque só algumas “fontes” são dignas de credibilidade – como é que sabe isso antes de ler? – que certos autores você “queima” porque é opinião sem valor;
9) Que os textos escritos por mestres e doutores têm o objetivo – depois de detalhado o objeto – de confundir todo mundo: só podem ser entendidos por eles mesmos.
Concluindo, tenho que parar de escrever porque tenho três resenhas para entregar na próxima semana, mas não sem antes contar o que uma garota de 16 anos me falou. Diga-se, de passagem, a maior lição do período – e, percebam: não foi aprendido no mestrado. Essa menina disse o seguinte: “a verdade é nossa melhor máscara”. Por que essa frase é tão fantástica? É porque, hoje, para sobreviver às hipocrisias que nos permeiam precisamos parecer alguma coisa. Ou seja, seremos muito mais aceitos num grupo social se parecermos ser algo: é que no despreparo de leitura de mundo, as pessoas estão acostumados a ver apenas as aparências porque talvez assim tenham mais facilidade de lidar umas com as outras. Dessa forma, como é de praxe usar máscaras, todos já acreditam que você tem uma. E se você não tem, pode ficar no conforto de parecer o que é usando a própria cara, o que, cá entre nós, é grande alívio.
Agora, fazer um mestrado só para fazer de conta que é alguma coisa diferente do que realmente se é vai decepcionar: o curso é longo, exige dedicação e isso acaba expondo o que está escondido a sete chaves. Portanto, se optar por uma empreitada dessas é melhor ser o que se é e viver bem assim porque de outra forma... é tempo demais para usar uma máscara com sucesso.

Magda R M de Castro
Brasília – DF, dezembro de 2006.

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom, gostei!!!
H.A.

Anônimo disse...

Eu sempre tive um sonho: ser professora e fazer meu mestrado e doutorado. Hoje sou professora e faço meu mestrado. Estou terminando e nunca imaginei que estar numa universidade pública (pois fiz a graduação numa particular e este era meu grande desejo...) fosse tão frustrante. Vejo pessoas que se acham melhores do que as outras. Vejo discriminação religiosa, social, etc. Vejo professores que na nossa frente se amam, mas por trás não se suportam. Vejo professores chamando o texto dos colegas de pedante, ridículo, etc. Fora o conhecimento que ao invés de nos tornar mais cultos, nos deixa mais deprimidos com uma realidade que dificilmente mudará. A cobrança é absurda e a sensação é que vc é o ser mais imbecil da face da Terra. Diante dos colegas, parece que sempre que abrimos a boca, estamos ferindo alguma lei universal ou mesmo a sensibilidade alheia. Tudo que falamos é besteira!!! A única coisa que sei é que não quero o doutorado. Quero ser medíocre numa sala de aula de Ensino Fundamental mesmo. Lá pelo menos alguém vai valorizar o que eu sei...