MINHA VIDA DE VELHA 3
"VOCÊ É VELHA!"
Aquela cara barbuda estava bem pertinho do meu rosto e falou duas vezes seguidas com contundência: "você é velha! Acho que porque queria me convencer desse fato que sei, muito sei, mas não me importo e vou levando tudo sem me preocupar excessivamente. Daí, o cardiologista barbudo, simpático em todas as medidas, poderia me casar com ele, aplicou terapia de choque. Respondi, nas duas vezes, que tenho orgulho de ser velha, fazer o quê, poderia ser defunto ao contrário. Tenho que gostar de ser velha, pronto.
Ocorre que o choque foi fazendo efeito aos poucos e passei acabrunhada o rosto do tempo de consulta que foi ali por duas horas. Grudada na cadeira, parei de ser feliz como costumo e segui informando tudo de minha vida pregressa prus três profissionais da medicina que revoavam papeis, digitavam informações, me mediam, me perscrutavam. Sim, pode ser que não estava levando a situação a serio, e adiantaria? Ora
Mas me aquietei e deixei que fizessem o trabalho deles. Canseira geral, joelho doendo, chamei o Uber que não apareceu, peguei carona até metade do caminho, segui o resto de ônibus, cheguei em casa debaixo de chuva fina, todas as dores do mundo e o coração e o cérebro em redemoinhos. "Você é velha!", a ladainha se repetiu pelo resto do caminho, pelo dia afora, pela noite adentro. Sim, sou velha. E tenho problemas grandes com meu corpo vivo. Sim, meu corpo está vivo, ainda, nem eu acredito. E meu cérebro tem alguns arranhões e muitas reminiscências. Coração é pela metade, pele e ossos se esforçando, muitas partes espalhando sinais de fumaça. Entretanto, estão vivos, corpo, alma e fantasia. O que importa de quedas, o que importa de pedaços, o quanto importam opiniões e refrões? Sigo sendo velha, e viva, mesmo que não saiba quanto vai durar. Essa jornada que percorro com todas as bagagens continua e vou percorrê-lo até a última pedra ou flor.
Por Magda Castro
Brasília, DF, 20 de novembro de 2024.