Minha família, carinhosamente, nos chamou de bando de
maritacas: cinco mulheres rodeando uma mesa de vidro forrada de branco
enfeitada com pequeno vaso de flores, e cinco copos de cerveja. Cada uma queria
falar primeiro, mais rápido, mais alto; cada uma queria contar, em sentenças
didáticas, as últimas experiências. Falar em últimas, repenso, não somente as
últimas, mas todas as novidades de desde quando nos vimos por último.
Trabalhávamos, as cinco, numa faculdade do interior de Minas
Gerais; e aliávamos o trabalho ao divertimento, aliás, filosofia em comum: o
trabalho também poderia ser diversão. Tanto que o veículo que nos levava ao
lugar era carinhosamente chamada de “van filosofia”, o jantar depois das aulas
era “encontro marcado” para desabafos, trocas, informações. A profissão nos
unia em pensamentos parecidos, em concordâncias deliciosas, em experiências
iguais que contávamos com coloridos particulares, sonhos... sim, esses também,
iguais: a busca pelo desconhecido, a crença de que a pesquisa, a metodologia e
os livros nos levariam ao melhor da terra.
Nesse encontro, domingo, almoço, cerveja, a copa da casa
simples cuja cozinha quente cheirava com diferentes quitutes foi o cenário do
encontro das amigas. Todas deixaram as vidas lá fora e trouxeram apenas as
“próprias visões de mundo” e a disposição para descontar o tempo perdido, para
rir, para ouvir e contar. E isso fizemos à vontade.
Eu tinha preparado a casa com flores, checado com detalhes a
limpeza, escolhido com cuidado os ingredientes do almoço. No dia, cedinho, dei
mais uma olhada em tudo; depois, fui escolher o vestido. Primeiro, me vesti de
bermuda, muito à vontade, camiseta e sandália rasteira. Não, é dia de domingo
com visitas, deixa por o vestido novo, nos tornozelos, florido como prefiro. A
sandália também era nova com pequeno salto completei com pulseiras, perfume
especial e batom: porque é dia especial, de amigas em minha casa.
Foi difícil reunir esse grupo, que até poderia ser maior. Só
mensagens de e-mail foram 33, fora as independentes que não transitaram pela caixa
postal e telefonemas. Era, portanto, algo especial essa reunião. Amizade é
coisa bonita e nós cinco enfrentamos o conhecido afastamento imposto por características
da profissão para continuar alimentando esse carinho. Carinho e amizade, aliás,
foi um dos temas da rica conversa, discussão estaria melhor, não, ainda, um
debate, tal a paixão e a contundência que falamos desses e de outros temas. Apesar
dos pesares, manter a amizade é complicado, e, para isso, cada uma se propôs a
enfrentar um desafio; escrever sobre essa tarde é o meu.
Então, voltando à amizade, falamos de um colega que nos acompanhou
em nossas viagens que gostaríamos estivesse presente. Filósofo da vida, me
atrevo a interpretá-lo agora, o que penso enquanto escrevo porque sempre quis
defini-lo e nunca encontrei um termo certo, acho que esse agora pode fazer isso
e não o magoará. Então, esse colega, amigo, resistente ermitão, que esteve fora
fazendo doutorado e que defenderá sua tese em março, nossa, já, foi convidado,
muitas vezes diga-se, para participar desses encontros, mas não pode,
traduzindo-se em “não quis” vir. Das meninas, a mais próxima a ele, disse que
quase o ameaçou, mas ele simplesmente respondeu que “teria gente demais nesse
encontro” e não veio. Assim, essas mulheres, aproveitando para mais um brinde
com os copos suarentos e fervilhantes, chegaram à conclusão de que ele era
assim mesmo e que assim mesmo seria respeitado e admirando. Concluída essa
parte, uma das moças contou como começou a assistir ao Big Brother Brasil 10. Ela
explicou que, estando numa praia isolada com a família, inclusive uma cunhada,
de repente, numa viagem à cidade mais próxima, os celulares, que andavam
desligados, começaram a tocar desesperadamente. Amigos e parentes de longe
avisando que a cunhada tinha sido escolhida para participar do show. O rebuliço
foi em razão de a pretensa escolhida ser professora da UnB, pesquisadora,
doutora em Linguística. No final, a história da cunhada no BBB10 não passou de engano.
Entre tanto o que falar e ouvir, cada uma falou sobre as
ocupações mais recentes. Uma estava buscando aprender a meditar. Foi quando falei
do livro “Comer, rezar e amar” que li nas férias. Outra falou da forma como
encontrou a recente ocupação ao voltar a uma escola onde trabalhou há muito
tempo e de como, de responsável por uma sala de vídeo passou a cuidar de duas
salas de vídeos, do controle de atestados médicos, de representação do diretor
em reuniões; aliás, falou de quanto essa escola era de vanguarda, um luxo. O tema
seguinte girou em terno da situação das escolas; comentamos que os alunos da
rede pública estão migrando para o ensino particular> Lamentamos essa
realidade reconhecendo que não só a estrutura física das escolas públicas de
Brasília, mas também a instituição em si e todas as suas propostas estão em decadência.
Uma pena, concluímos; sinal dos tempos.
Outra falou de sua experiência com o ensino à distância, e
também com o EJA, projeto de Educação de Jovens e Adultos. Duas trabalhavam com
esse programa e até conheciam pessoas nos órgãos responsáveis. Ah, conheço
fulano, você conheceu? É claro, e fulana, será que ela ainda está lá? Falaram
de uma escola especial na Samambaia onde muitas tiveram rica experiência. Nessa
hora, confesso que boiei porque não conheci essa escola e não trabalhei na rede
pública de ensino; conheço como aluna e minha experiência sempre foi muito boa.
E meus filhos preferiam as escolas públicas como o Colégio do Setor Leste, a
Escola de Música, o Centro de Línguas: todos aqui em casa os frequentamos e
somos gratos.
Nesse encontro, como nos afastamos em dado momento da
faculdade onde trabalhamos juntas as novidades eram infinitas. Outra tinha sido
convidada a coordenar um núcleo de educação infantil, e para isso, recebeu
carta branca; isso foi o que pediu para aceitar. E que bom para nossas
crianças! Aliás, competência é o que não falta pra essas meninas.
Quanto a mim, contei a riquíssima experiência de morar cinco
meses com minha mãe, noutro interior de Minas Gerais. A resposta de minhas
amigas é que foi experiência muito rica, ao que concordo plenamente. Contei da
milagrosa chance de poder ficar junto da pessoa da qual estive longe por muitos
anos e que, afinal, era minha mentora, pois dela tirei as lições mais
importantes que me guiaram na vida. Contei das pequenas coisas, de como ela me
mandava sair do sol – limpei e plantei o quintal da casa dela, com muito
afinco, de modo que quando vim embora, plantas e flores estavam no lugar de
cacos de vidro e pedras. Ela me chamava a atenção pela hora de ir para a escola
do mesmo jeito que fazia quando eu tinha quinze anos de idade; e se em algum
momento achei que ela me tratava como criança, a ternura com que ela fazia isso
era tão grande que meu coração transbordava de gratidão. Me senti bem demais
estando juntinho de minha mãe depois de tanto tempo. E não deixei por menos:
fiz tudo que pude, inclusive, depois daqueles meses, minha mãezinha poderia ir
ao quintal para pegar cebolinhas, salsas, quiabos, couves, abóboras, e outras
coisas, sem perigo de tropeçar. Também, em breve, poderia colher amoras, jabuticabas,
romãs e acerolas. Contei que ajudei a organizar os papéis dos bens dela, a
negociar impostos atrasados, a organizar e higienizar melhor a casa, a dar
dicas de plantas mais adequadas pro quintal. Contei do prazer de acordar
cedinho com o cheiro de café quente e biscoito de queijo, abraçar a pequenina
mulher de cabelos brancos, titubeante, mas muito lúcida. Contei que a
acompanhei na dieta, que caminhei como uma desvairada pelas ruas centenárias,
muitas vezes à noite depois de dar aulas, sem um pingo de medo. Contei que
passávamos horas, minha mãe e eu, jogando baralho, eu, em segredo, desejando
que me contasse as histórias de antigamente, a vida dela inteira; e ela contou.
O que aconteceu foi que conheci uma mulher linda e se eu já a amava agora a
admirava e mais que nunca era grata por essa chance.
Voltando à reunião regada à cerveja, a conversa virou para
os filmes, inclusive, o quanto amamos Avatar; e também sobre um que uma foi
assistir com um amigo e como ele dormiu de roncar e daí teve que ir embora
antes do final. Outro filme que ficou constatado ser paixão geral foi “O último
dos moicanos” com Daniel Day Lewis, e ainda, o “O último samurai” com Tom
Cruise; hum! Agora que percebo outras coincidências...
Eis que nessa reunião de cinco amigas todas estabeleceram
desafios: uma jurou que ia mesmo aprender a meditar, outra a fazer ginástica
cedinho, outra ficou responsável por organizar o próximo encontro, outra por
terminar de ver o filme e depois contar para as outras.
Do bando, não de maritacas, mas de mulheres felizes e
inteiras, competentes, que contribuem com seus talentos para melhorar o mundo
ao redor, reunido numa roda de cerveja porque ninguém é de ferro, e mais tarde
às voltas com saladas e molhos, peixe e suflê, mousse de cupuaçu e sorvete,
ficou o sabor do prazer em estar junto, tanta gente tão linda. Ficou a
lembrança da alegria compartilhada, de estar ali apenas por ter escolhido
assim, da saudade aliviada, das novidades tão ricas.
Marcamos o dia do próximo encontro com o compromisso de não deixarmos
nos envolver por coisas que nos impedissem de estar presentes. Trocaríamos mensagens
sobre o local, o horário, a forma que poderia ser happy hour, branche, almoço, café ou jantar;
à tarde, à noite, não importa, nos encontraríamos: a promessa era o que se fazia
urgente, por enquanto.
Beijos, garotas! Nos veremos em breve!
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