sábado, 20 de junho de 2009

BRASÍLIA... QUE TE QUERO BRASÍLIA!

Não passou tanto tempo, parece, mas passou porque o outono se despede. Sei que se despede porque a paineira da minha rua se recobre de folhinhas novas, verdinhas-claro. Elas se misturam aos frutos pendurados, imitação de pequenas cabaças amarradas em cordões, fazendo os galhos se curvarem até bem pertinho da terra. Acho que, se me esticar um pouco, consigo pegar um casulo daqueles para debulhá-lo em painas brancas. Esse pensamento me leva à infância quando minha mãe achava o máximo rechear os travesseiros da filharada com paina; mas vou esperar que caiam de maduros, na hora certa.
Isso vem durando uns dez dias e vigio com tanto afinco que quase posso contar tudo que é novo em meus tantos caminhos. Um desses é a saída no rumo do Eixo Monumental; daí vou dar de cara com a paineira que namora o ipê na frente do Fórum. Se ela estava resplandecente dias atrás e agora só ensaia pequenas folhas, por sua vez, o ipê, rosa, desabrocha, mesmo meio espremido; tenho que passar com o carro em marcha lenta para ver cada flor que se ilumina. Ainda são poucas flores...mas estou vigiando o dia em que ele se empertigará todo, orgulhosamente.
Se pego a saída da BR 040, pela Via EPIA, quase como Roma, observe-se, vou encontrar as paineiras do canteiro central despedaçadas com a obra de ampliação da pista. Não só paineiras, mas também jamelões, goiabeiras, figueiras, amoreiras, pedem socorro em meio à poeira e aos maus tratos. Para melhorar a sensação, imagino o lugar com plantas novas, imagino o cheiro de suas resinas, se abrindo em flores, a volta dos pássaros... descobri uma quaresmeira florida, mesmo com flores empoeiradas, na última quinta-feira, quando desci de Sobradinho de dia; temporona essa, já que a quaresma se foi...
Se pego para o rumo do Hospital das Forças Armadas, vou encontrar as jaqueiras, essas sempre verdes, sempre vivas, palmas para elas; se preparando para parir enormes rebentos, interessantes frutos gigantes que mais enfeitam que alimentam, pelo menos, aqui em casa ninguém gosta. As preferidas são as mangas, essas, em fileira comprida e compacta, alinham os limites entre os dois Cruzeiros e fazem do fim do ano, com suas frutas coloridas nas grimpas das árvores, concerto musical, resultado de ataque de todo tipo de passarinhos; bom demais canto de passarinho.
Nos canteiros de cada quadra do Plano Piloto ou das cidades satélites próximas, como o Sudoeste e o Cruzeiro, há muitas plantas diferentes, e numa das curvas dessa semana, modo de dizer, dei de cara com uma pata de vaca cor de rosa. Nos meus caminhos as encontro sempre brancas, flores discretas em meio a folhas robustas, mas dessa vez, dei de cara com uma rosa. Estava carregada, as flores, vitoriosamente ocupando maior espaço que as folhonas verdes. Estava linda: assim disse meu coração.
Agora, o melhor de tudo é que já contei uns dez ipês por onde andei. Floridos rosamente, mas estou espreitando os amarelos. Vi um, na Esplanada dos Ministérios, tamanho médio, poucos cachos, amarelo, mas só esse. Se os rosas abriram a linha de frente, os amarelos os espero sempre por agosto, e torço para que nenhum outro invente de desabrochar temporonamente. Mas é quase inverno, coisa esquisita, não deveria haver flores se abrindo, ainda não. Penso que deve ser porque as chuvas duraram tanto, mas me preocupo porque se todas as flores florirem agora, antes do tempo, podem não estar aqui quando devessem estar, na primavera.
Essa é questão: o tempo, o lugar, certos. Sim, esse lugar: cidade de milagre pensada há décadas, mas com a visão de milhares de anos à frente; sem limites intransponíveis quão grande ficará? Resultado da idéia maluca de um Mineiro – de novo com letra maiúscula e já expliquei porque – essa cidade será uma das maiores do mundo. Fincada num planalto com rios pequenos, não tem o limite de um mar ou de uma cordilheira e a fronteira com outro país está muito distante. Povoada por pessoas de diferentes origens, querem, todas, se abrigar nas “asas” de sua proteção, Brasília será muito mais do que pode imaginar o seu criador; muito além do que pode imaginar mesmo quem vive aqui.
Brasília, ímpar, inigualável, com seus segredos expostos, se oferece em dádiva para quem a escolhe. Suas amplidões envolvem como abraço de mãe, sem distinção de raça, cor ou conta no banco; doam a quem tem capacidade de enxergar, o que há de mais belo na existência humana: a liberdade.
Não há como não se contagiar de liberdade quando se busca o céu de Brasília, escancarado. Seus horizontes se misturam aos seus gramados dando a quem os espreita a perfeita sensação de eternidade. Se de alguma forma, ela se contamina com quem chega e se rende a algumas influências – tem satélites que já tem nome de santo, por exemplo, como em outras cidades – sua atmosfera de infinito arrebata a respiração de quem a fita com a alma.
Silenciosa em seu esplendor monumental – aqui se pede aos motoristas para não buzinar – ela se deixa conquistar e ainda oferece suas dádivas, mas que essas sejam respeitadas. Sim, que se respeite mesmo esse singular lugar, diferente urbe, que se ergue mais com idéias do que com concreto; que nasce primeiramente na reflexão, na escolha espontânea de cada um. Que se dê o devido valor à permissão de suas obras; essas não segregam, não isolam, ao contrário: se espalma o parque em verdes oferendas; se espraia o lago em ondas serenas; se publicam aos passantes as frutas em seus pomares; se purificam os andarilhos em suas águas cristalinas, inacreditáveis.
Inacreditável, para quem apenas ouve falar de Brasília; tantos os seus mistérios; inacreditável sua extraordinária exuberância; ininteligíveis seus códigos e símbolos: para os desavisados. Não pode entender mesmo, quem a quiser comparar a outros formatos; ela é única. Se essa unidade pode assustar primeiro, viver Brasília é viver como ninguém mais vive; entender Brasília é para quem tem muita imaginação, para quem entende um pouquinho de História e de Filosofia e para quem quer muito mais do que o trivial e o igual.
Brasília, que assim é e assim que seja sempre, porque o seu inigualável esplendor é a prova de que o ser humano pode muito mais do que supõe a sua pequenez, porque Brasília se constrói, primeiramente, nos corações; Brasília, primeiro se aprende a amar; depois, então, é que ela se deixa explicar.

Por
Magda R M de Castro
Brasília, DF, 20 de junho de 2009.

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