segunda-feira, 15 de junho de 2009

O ÉDEN

A casa sede não comportava tudo: tantas pessoas e tantos cacos de mobília. Então, a mobília foi amontoada numa das casinhas de agregado que meu avô mantinha na beira de um brejo. Havia muitas casinhas, todas ligadas por um trilho de carro de bois: escolhemos uma mais perto da casa grande.
Dormiríamos parte na casa grande, pelo menos os menores, outros na casinha porque nem ali cabia todo mundo. E o avô tinha família: mulher e enteada e cozinheira. Na casinha, ficariam os rapazes ou quem mais precisasse de cama.
Mesmo com o rebuliço da mudança, com tudo tão diferente, desse tempo nada recordo como doloroso. Cada dia foi uma celebração, de vida, de alegria, de esperança, de segurança. A abundância podia ser vista e podia ser tocada e, melhor, podia ser comida. As frutas se espalhavam por todos os lados e nada era proibido, exceto o quarto do avô, sempre trancado com enorme chave. Mas o canavial podia ser degustado a qualquer momento, as goiabas eram abundantes, os jambos tinham as cores do arco-íris, as mangas de muitas espécies eram doces e suculentas. As laranjas viam nos balaios dentro do carro de bois ou no lombo de burros. O leite era servido em copos gigantes, feitos do zinco das latas de óleo e polidos com esmero. Os doces enfeitavam o guarda comida da sala e a ordem era que fossem comidos o mais rápido possível. Ainda tínhamos o creme fresco, o melado, o milho verde. O engenho chiava puxado por musculosos bois curraleiros. As tuias transbordavam de café, feijão, arroz. As sacas de farinha de trigo e açúcar se amontoavam pelo chão grosso do porão. As braúnas, as maiores que existiam, vivam abarrotadas de banha de porco e carne cozida. Pelos jiraus balançavam rodilhas de lingüiça, chouriço, carne seca. As cestas de ovos enfeitavam as prateleiras da despensa, essa sim, cumprindo a finalidade de guardar as maravilhas que meu avô mandava vir da cidade, como, batatas, macarrão, bolachas Maria; tudo em sacos ou em grandes caixas. Nada ali era minguado: os capados se amontoavam na seva, as galinhas coalhavam os quintais, o gado era um assombro espalhado pelos espigões que cercavam a sede.
O fogão, gigantesco, tão grande que se podia dançar em cima, borbulhava de enormes panelas negras, essas não mais assustadoras, mas redentoras. Havia de tudo: legumes frescos, batata inglesa, omeletes, paçocas, mandioca, feijão bem vermelho, arroz de pilão. Amontoada toda num prato fundo, a felicidade existia finalmente.
Desse tempo, não tenho lembranças. Tenho magias espalhadas pelo meu coração, gravadas no meu cérebro e na minha alma. Nada do que vivi ali naqueles meses pode ser esquecido. Nenhum detalhe. Afinal, eu era uma mocinha deslumbrada com o paraíso.
Ali podia subir nas goiabeiras, podia brincar nas enxurradas que desciam pelos grotões, subir nos pés de manga ou caminhar livre pelas colinas até mudar de horizonte e podia subir pelos moirões dos currais construídos morro acima. Quando o gado todo era reunido para vacinação ou para os negócios do avô, a poeira podia ser vista muitas léguas além. Eu me equilibrava em cima das ripas fortes e protetoras, tentando tirar os pés do alcance dos chifres. A briga entre os peões e as reses era de dar medo, os laços voando baixinho por sobre as cabeças nervosas. A cada rês laçada, os urros e gemidos me faziam adormecer as canelas, sensação que tenho sempre em caso de perigo. Havia uma parte do curral entelhada, a coberta. No centro dela, um tronco robusto, alto, liso de tanta corda abraçá-lo, onde os homens, montados em seus cavalos inquietos, subjugavam cada rês e a deitava por terra. Fosse para tratar um berne ou carrapato, fosse uma vacina ou um remédio para os males tantos que rondavam naqueles tempos, o tronco segurava o bicho até que o serviço fosse feito. Era uma algazarra quando a corda afrouxava e o animal saía coiceando e pulando no meio do rebanho. Gritava bicho, gritavam homens, meu avô e eu.
Dava gosto ver o riso na bochecha do meu avô, a satisfação e o prazer pelo exemplar bonito que ele mandava de volta ao pasto. Era sua diversão favorita: ver o gado nos pastos. Era tão ativo ele que costumava comer, andando pela varanda da cozinha, indo dum canto ao outro porque de cada ponta ele podia ver um dos pastos. Em tardes de preguiça, raras, se sentava em um tamborete feito especialmente para ele, bem grande, e ficava cismando olhando o mundo verde, brincando com os dois polegares, alisando um com o outro, ora de direita para a esquerda, ora da esquerda para a direita. Ali ele ficava horas contando suas aventuras – de desventuras ele falava pouco comigo. Era um homem sábio o meu avô: um dos maiores. Para falar a verdade, sinceramente, até hoje, meu avô foi o homem mais sábio que conheci. Quem dera fossem assim os professores que me ensinariam mais tarde, de quem ele até era amigo...
De modo que ele se levantava cedo, bebia meio litro de leite fervido na hora, com a nata, tomava quase uma garrafa de café, misturado numa xícara grande – que a gente chamava de média – comia quase um bolo inteiro e saía para ver o mundo que construiu com a força do próprio braço, de perto. O cavalo, enorme, bufava quando ele lhe caía em cima. Castanho, era o nome, e era castanho mesmo. Um quarto-de-milha especialmente treinado que aceitava como cavaleiro somente o meu avô. Sempre lustrado, crina aparada, o trote curto e macio, lá iam os dois pelos pastos afora inspecionar a fazenda: bichos, roças, aguadas.
Quando voltava, com a tarde desmaiando, a janta já recendia pelo terreiro de terra batida; de secar o café e feijão recém-colhidos. Nessa hora era um milagre de cheiros aquele mundo: os jasmins explodiam do barranco na porta da sala, os laranjais novos irradiavam seu perfume inebriante, o cheiro da cana adoçava o da comida que descia pelos degraus ao encontro do dono da casa que chegava.
Uma das coisas mais conhecidas do meu avô era a sua paixão por gatos. De manhã ou de tarde, depois de suas voltas pela fazenda, ele gostava de entrar pela porta da sala. Pelo menos uma vez de manhã e uma vez à tarde ele entrava de mansinho e parava na porta entre a sala de visitas e a de jantar. Parava, espreitava. Sem o dono “feroz”, mais de trinta gatos se espalhavam pelos cômodos, pelas janelas, pelas cadeiras, pelas mesas, ao pé do fogão. Ele chegava pela porta da sala, tirava mansamente o chicote de couro trançado da correia da cintura, pisava passo a passo o assoalho e pegava todos os gatos de surpresa. Uma lapada sonora no assoalho da sala do guarda-comida, bem pertinho da porta que a separava da cozinha, fazia um estralo assustador tanta força ele punha ali. Voava gato para todo lado. Essa história era conhecida até muito longe, por pessoas de todo tipo. Ele explicava dizendo que preferia os gatos aos cachorros. Tudo bem, cada louco com sua mania.
Do casarão, a varanda era uma obra de arte: ladrilhos em duas cores, desenhando triângulos, tinham vindo de muito longe. A balaustrada de proteção era feita de ripas de madeira, encaixadas em duas vigas horizontais que terminavam em pilastras trabalhadas. Na mesma linha dos parapeitos, junto ao madeiramento do teto, havia um rendado de madeira, como que um véu de coroação sobre a obra. A casa, muito alta, de paredes de quase meio metro de espessura ficava numa ladeira suave e a parte inferior era apoiada sobre fortes troncos de aroeiras. A porta da cozinha, de duas folhas largas, encimada por três caixas de vidros trabalhados e coloridos, vivia escancarada para dar passagem aos gatos e a quem mais chegasse. Para o quintal e a cisterna, se descia pela escadaria emoldurada com os mesmos enfeites da varanda da frente: cerca romântica de ripas alinhadas perfeitamente.
Logo em frente à escadaria, desviada um pouco da cisterna de enorme sarilho, havia a casinha. Esse era o nome: casinha. Era uma construção quadrada, e alta como a casa grande, dividida em quatro partes. Eram quatro portas independentes, acessadas todas apenas pelo lado externo. Num dos quartos havia duas camas de solteiro, com cordas amarradas de parede a parede servindo de cabide para as roupas ensebadas dos peões. No outro, fincada no chão de terra batida, havia um tronco, grosso e da altura do umbigo de um dos meus irmãos, que apoiava a desnatadeira. Invenção maravilhosa que retirava o creme fresco do leite para derramarmos em cima de pamonhas amarelas e quentes. Delícia incomparável!! Noutro quarto – tão apropriado esse nome, nunca vi – ficavam os arreios, baixeiros, freios, rédeas, varas de ferrão, baldes, tudo que fosse necessário para a lida do gado leiteiro ou do gado solteiro. No último compartimento, ficavam os venenos para ratos, remédios e o sal do gado. Esse último ficava mais fechado, talvez em razão do risco com tanta criança rondando sem ter o que fazer. Desses, o que eu mais gostava era do quarto da desnatadeira; os outros não me interessavam nada.
Inesquecível era o dia de moer. Cana. O carro de bois vinha trazendo do canavial montes e montes de cana e jogando um monturo perto de engenho. Depois de fora das cangas, os bois iam para o engenho. Rodavam, rodavam e rodavam sob os gritos do peão, fazendo círculos perfeitos, e eternos, sobre a grama úmida. O caldo verde dourado ia escorrendo em canais de latão até cair nas braúnas também de latão. Dali seguiam para a casinha dos tachos, no fundo do quintal. Do dia da moagem eu guardava até o ritmado dos sons: “Vai, Rochedo!! Vai, Trapézio” Eia, boi!!!” e o engenho cantava: “Ai, ai, ai, ai...”
O paiol vivia abarrotado. Vez ou outra meu avô pedia pra gente empurrar as espigas para o alto, para que elas não caíssem pela porteira afora. Eu brincava sobre o monte de milho até sentir que a coceira tinha tomado conta. Ali tínhamos que ter cuidado porque se espalhava ratoeiras para todo lado. O paiol foi construído estrategicamente: por cima do chiqueiro; de forma que fizesse sombra nas horas mais quentes do dia, principalmente para os capados, esparramados em suas intumescências pelo chão lavado com capricho.
Meu avô era um homem além do próprio tempo e todas as tecnologias possíveis usava em sua fazenda querida. A logística das casas, dos currais, das demais benfeitorias e do quintal, com suas bananeiras, canavial, pomar, rego d’água, era perfeita e minimizava os esforços dos trabalhadores. O chiqueiro ficava embaixo do paiol, tinha, naquele tempo, acreditem, torneiras, para lavar tudo. Lavava-se os porcos!! A água usada ia para o brejo perto, mas não tão perto que contaminasse o ribeirão que passava no fundo. Esse ribeirão tinha sido desviado e um canal perfeito desembocava num poço fundo. Sobre esse poço fundo havia uma casa de máquinas, que, acreditem, gerava energia para a fazenda. Pasmem! Nem na cidade deveria ter eletricidade direito, mas a casa do meu avô era iluminada pela pequena usina que construiu no fundo do próprio quintal.
A casa grande também era exemplo admirado por todas as pessoas da região; dela já falei um pouco, mas tem mais: alta, sólida, bonita. Janelões, treliças, vidros coloridos, tábua corrida larga, cozinha de ladrilhos, chaminé até o teto, luz elétrica, quarto de banho. Uma pequena inovação era como jogar a água do banho fora, ainda tomado em bacias: uma saída de água da cozinha que seguia por um cano e jorrava bem em cima dos pés de laranja. As paredes eram muito largas, feitas de tijolos atravessados; as trancas eram de ferro fundido e giravam guinchando quando acionadas. Todos os cômodos tinham muita luz natural, mas à noite, com tudo fechado o breu era total e o sono era profundo. A fornalha, no centro da enorme cozinha, tinha forno excelente e ali eram assados carnes e demais quitutes.
Tudo ali era grande: da altura da casa, ao número de gatos, à quantidade de porcos, aves e bois, às frutas, legumes da horta, às tuias, à chaminé, às cumeeiras, aos currais, ao paiol, ao chiqueiro. Acho que se fossem menores não caberiam o meu avô, homenzarrão forte e alto; nem a sua história toda.
O telhado da casa principal luzia à distância, exibindo telhas francesas avermelhadas, perfeitamente colocadas, dando a impressão de trabalho de artista, nas suas águas encantadoras. Também os telhados das casinhas de apoio seguiam o da casa grande. Outra casinha era a das tarefas mais pesadas, que não eram desempenhadas todo dia como matar porco, fazer sabão, fazer doces e pamonhas. Era a casinha dos tachos: grandes, enormes, tanto que podíamos tomar banho dentro. Tachos ou tachas, nunca entendi esse feminino. Tinham sido construídas trempes muito firmes para acomodar a tacha do doce, a que fazia sabão, a que fritava os toucinhos. Separadas. Todas de cobre e tão pesadas que não saiam do lugar. O avô exigia que fossem lavadas com limão e sal até que todo o zinabre desaparecesse, então, todo o cuidado era pouco para não derramar água nas cinzas e ficar difícil acender o fogo. Também tudo tinha que ser lavado depois de usado.
Ele inspecionava. Ensinava. Cobrava. Mas tudo na calma. Nunca tive que ser castigada por ele e nunca o vi zangado com ninguém. Isso não quer dizer que ele não ficava zangado, quer dizer que nunca se mostrou zangado para mim. Pelo contrário, vi ternura nele em muitos momentos. Comigo, de forma mais distante, sei, mas sempre ternura e mais tarde, eu já moça, teve a liberdade de expressá-la mais claramente. Era terno também com a enteada. A menina fazia uma arte qualquer, ele conversava, mas não maltratava. Aliás, a menina e a mulher viviam vestidas de fitas e cetins. A menina, então, era uma boneca. Toda serelepe para baixo e para cima, a garota tinha coisas que jamais sonhei, mas aquilo para mim era natural: era a família dele. Tudo o que conseguia perceber é que ali, naquele canto do universo, existia um homem ao qual tudo era permitido; e eu era grata, até o chão em roda, pela parte dele que tocava para mim.
Mas tinha uma coisa proibida: cruzar a soleira da porta do quarto dele. Sempre trancada a chave, a porta enorme para meus poucos anos, assombrava. Nas noites caladas, com medo de fantasmas, me enrolava até o pescoço nas cobertas de tear, imaginando o que poderia ter naquele quarto: um esqueleto de alguém que ele matou, um monte de diamantes, uma mulher prisioneira, muitos revólveres. Ainda não me tornara a leitora esfomeada de livros como me tornei depois de modo que a imaginação não tinha muito para onde ir. Das histórias conhecidas então, a maioria vinha das que ouvia por ali mesmo e uma das inesquecíveis é que se contava sobre um assassino que esquartejou a mulher, colocou numa mala e foi correr mundo com ela. Isso me arrepiava a ponto de bater queixo e ranger os dentes. Assim, aquela porta era a representação do medo, quase pavor, do desconhecido do outro lado. Assim foi até que, depois já moça, tive coragem de confessar para meu avô sobre nossa fascinação. Digo nossa porque meus irmãos e primos também viviam às voltas com o mesmo mistério.
Éramos uma turma de jovens e crianças: meus irmãos, alguns primos mais assíduos, filhos do outro tio que, naquela altura, já estava de volta à cidade, o filho mais novo de meu avô, os enteados. Zanzar pela fazenda, correr pelos pastos, subir em pés de goiaba e manga, chupar cana e laranja campista, docinhas, nadar no ribeirão: brincadeiras para dias de chuva ou de sol. Nos dias de mais chuva, jogávamos baralho, dama, amarelinha. Eu perdia sempre, mas não me importava. Vez ou outra eu chateava os rapazes porque era uma mocinha atrapalhando as brincadeiras dos “homens”.
Uma das lembranças mais especiais é de uma manhã de neblina. Tinha chovido a noite toda, chuva que já vinha acontecendo há dias, então, o mundo derretia. Eu gostava de me levantar cedo: para ver o sol ir chegando caladinho, para tomar leite quente no curral, para assistir a tudo e não perder nada. Nessa manhã nem a cozinheira tinha ainda feito o café e meu segundo irmão me chamou para chupar cana. Estava frio. Nos sentamos num tronco escuro de tão úmido, ajeitamos as pernas como pudemos e ele se pôs ao trabalho. Cascava as canas com capricho, jogando fora cada nó. Depois cortava os roletes rodando o canivete na carne branca e os partia cuidadosamente em quatro. Ficava com duas partes e me dava duas. Chupamos cana até cansar, calados, sem trocar palavra. A sensação que tenho dessa manhã é que o prazer de chupar a cana doce não era tão grande como a delícia de ter o meu irmão comigo, só para mim. Eu estava contente, era apenas uma menina e não posso afirmar se me lembrei, naquela manhã nevoenta, de que o irmão querido que me oferecia aquele quitute era o mesmo que tinha rolado uma tampa de tambor sobre o meu nariz há alguns anos. Vejam como as crianças são mesmo criaturas de Deus!
Por isso chamo ali de “éden”. Naquele vale entre espigões vivi os dias mais felizes de minha vida. Naquele lugar encantado comecei a viver. Ali podia ir nadar, fora das enchentes, claro. Podia galopar pelas estradas vermelhas. Ali aprendi a amar o campo, a admirar as flores, a curtir o ar puro, a respeitar limites. Tive a chance de ficar algum tempo com meus irmãos que já rapazes, também ajudavam na lida. O éden. O paraíso. O jardim dos milagres. E o homem mais sábio e encantador do mundo. Que eu amei muito.
Só não herdei dele a sabedoria para compreender isso naquele tempo e dizer-lhe tudo que significava para mim. Mas a vida é mais que um milagre e, de alguma forma, escrever essas memórias pode significar a redenção dessa minha incapacidade e sou grata ao universo por essa chance. Me consolo ao pensar que mesmo indo embora, continuei visitando aquele lugar sagrado. Conviver com ele era mais importante para mim do que festas, eventos, diversão de cidade.
Quase todo fim de semana eu pegava a jardineira ou o caminhão do leite e subia as colinas até o ponto da estrada que me levaria até o paraíso. Depois, caminhava cerca de três quilômetros respirando com força o ar amado e me deixava levar pela glória de estar no meio da natureza e indo de encontro aos braços do meu avô. Os braços, representados pela casa de telhado francês, pela cozinha fumegante, pelos risos e enxurradas, pelo abrigo e pela proteção. Chegava, ele ficava feliz, jogávamos baralho juntos, ele mandava vir balaios de frutas para mim, mandava fazer a comida que eu gostava: arroz, feijão de bagos grandes e bem vermelho e ovo frito. Ah! Manjar de deuses!
Tudo que tinha na fazenda ficava à minha disposição. Até o rádio de pilha que ele não deixava ninguém tocar, me era permitido, emprestava para ouvir uma rádio de São Paulo, no programa “Barros de Alencar”. Adorava quando o radialista falava “Alô, Mooca!!” Achava horrível esse nome, mas a voz dele era fantástica. Acho que era porque a puberdade já vinha despontando com suas garras e eu me enlevava com as músicas românticas do Moacir Franco, do Antônio Marcos, do Roberto Carlos, do Gianni Morandi. A voz deles dissipava o silêncio da fazenda, com o rádio de meu avô a todo volume. Eu me tornava mocinha e não me dava conta do conto de fadas que vivia.
É. Eu não sabia, não naquele tempo. Se desconfiasse, possivelmente teria me agarrado a um dos moirões do curral, ou a uma das pilastras dos alpendres, ou a uma das pernas de meu avô, para que me deixassem ficar. Teria vivido feliz eternamente naquele canto de mundo. Ah! Que não duvidem!! Nenhum outro lugar do mundo é melhor do que a fazenda que meu avô construiu e nos abrigou em nossas tantas tempestades. Nunca teve lugar que me fizesse tão feliz!
Por
Magda R M de Castro
Brasília - DF

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