segunda-feira, 6 de julho de 2009

INVERNO

As painas tornam os gramados caminhos de neve esvoaçante. Amontoadas, as fibras de seda ora formam alvo tapete, ora sobrevoam silenciosas com as leves brisas, ora saem em disparada sobre o asfalto levadas por rajadas intermitentes de vento.
É um vento gelado, gélido, para esse clima tropical e fica mais frio ainda quando o sol desponta no lento amanhecer: a neblina ainda encobre os topos dos prédios mais altos; poucos. Até que o sol se faça presente, o dia é só amostra; as veias das ruas solitárias ainda têm silêncio de noite, sossego de vazios.
Paisagem surreal entre o despontar do sol e o dissipar das sobras da noite e da fria neblina. Orvalho se poderia dizer não fosse a secura que chegou há alguns dias; cerração se fosse olhar um vale do alto, mas aqui já se está no alto, no plano alto. Então, essa neblina pode ser mistura de orvalho e poeira tantas as obras que expõem as estranhas da terra vermelha do Cerrado agonizante. Todos os elementos expostos, açoitados pela ganância humana, pelos valores retorcidos de nossas sociedades, se confundem, e confundem a todos. Sol, noite, manhã, neblina ou poeira, neve ou paina se confundem e se misturam na manhã brasiliense, precisamente uma manhã de inverno.
Começaram as férias escolares, que muitos pais fazem coincidir com os muitos recessos pelos órgãos públicos; por isso as ruas quietas nas primeiras horas da manhã; ainda mais silenciosas quando o sol começa sua subida por entre as árvores enregeladas. Seus raios se entremeiam às sombras e formam tiras de energia serpenteando pelos gramados. Tiras entrecortadas, aqui luz e ali sombra que, aos poucos, como o pequeno movimento do trânsito, se esvaem.
Ao virar uma das curvas, também raras, o sol se mostra deslumbrante mesmo ainda tão baixo, rastejante quase. Sua luz invade o rés do chão enquanto a noite persiste nas alturas. Enquanto se passa por uma descida de avenida, arremedo de, aliás, pode-se quase apalpar as intenções do astro-rei; e aí vem o dia. Exuberante luz, de deslumbrante despertar talvez pelo contraste com a escuridão, talvez porque o céu nu lhe dá plena passagem.
É verdade: não há nuvens no céu tão cedo. Talvez essa abóbada inteiriça, o convergir de todos os azuis para o cinza-gris; talvez tenha se vestido diferente então o céu em um único espaço liso, sem dobraduras, sem matizes: todo igual. Como uma redoma de vidro, o céu cobre o dia que desperta, exibe sua esplendorosa luz e se infiltra inexoravelmente por entre as criaturas e as coisas.
É interessante observar esse contraste: as frias marcas da noite e o poderio total de um sol deslumbrante. Talvez seja esse o momento mais frio do dia. Talvez os elementos disputando espaço, talvez um resistindo ao outro, querendo cada um ficar e aproveitar a vida.
Talvez, e enquanto isso, despertam outros seres, como o vento; esse vem cantar sem pudor sua cantiga de fazer imaginar assombrações. Como as fileiras de ipês roxos e rosas que coalham os canteiros laterais do Eixão; como as mangueiras que se cobrem de flores ferrugem; como os pássaros que se agrupam para aproveitar a seca e voarem livres da chuva.
É Inverno, que bom! Falta tão pouco para a Primavera agora!

Por
Magda R M de Castro
Brasília – DF, 06 de julho de 2009.

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