segunda-feira, 14 de julho de 2008

PARA O AEROPORTO, POR FAVOR!

Passamos meses preparando tudo. Lista de necessidades, conta do dinheiro que precisaria, tamanho da mala: nem grande, daria trabalho e nem pequena que não coubesse todas as compras encomendadas.
Com ansiedade, mas de olhar atento para não deixar nada impedir o acontecimento, todo dia se fazia lista nova de necessidades. Falta isso ou aquilo, corre aqui e ali, arruma, lava, passa, separa. Isso vai, aquilo não, ou aquilo vai e isso fica. Dorme menos, adia compromissos. Tudo por causa da viagem, grande, para o exterior, para os Estados Unidos da América.
A família inteira e os amigos sabiam. Em casa, o calendário de todas dependia disso e os últimos dias foram exclusivos para a empreitada. E mesmo que parecesse o sonho mais distante do mundo, o dia de partir amanheceu, inesperadamente, igualzinho a todos os outros: hora de fechar a mala, checar documentos, dólares trocados, tomar o último gole d’água.
Então, manhã gelada de julho em Brasília, a garota morena vestiu sua roupa de guerra. Ficou linda toda de malha preta, a camiseta certinha com detalhes em amarelo. Era o uniforme da empresa para a qual trabalharia nessa viagem. Falando Inglês fluentemente, tinha sido convidada para ajudar num passeio à Disney e para isso ganharia a metade da passagem. Até aí, tudo ótimo.
O problema é que para a situação financeira do momento, até metade da metade do custo de tal viagem era grande demais. Numa família de quatro mulheres, ganhando pouco para o conhecido altíssimo custo de vida em Brasília, é mais que sonho essa viagem: é falta de juízo até. Só que era mesmo boa oportunidade, tanto para a menina recém-formada em Turismo que tinha aberto mão das comemorações da graduação quanto pelo total do custo em que, afinal, tudo iria ficar.
Então, aperta daqui e negocia dali, a viagem, finalmente, começa. A mala, nem tão grande nem tão pequena, mas mala, diga-se, ocupou o bagageiro do pequeno carro. É carro emprestado porque nossa coragem não foi suficiente para financiar um. É que estamos esperando por melhores dias financeiros para nos darmos a tal luxo, de modo que, lá fomos nós rumo ao aeroporto, com mala, mãe, não confundam as duas coisas, por favor, namorado e moça.
Ao sair da garagem, um susto: o ponteiro da gasolina estava cravado no branco: tanque vazio. A caçula saíra à noite e chegou avisando que havia algo estranho porque o tanque se esvaziou de repente. Bom, o jeito era espremer o tempo e parar para abastecer.
Antes da primeira curva, a alvoroçada viajante se lembrou do chapéu identificador. Voltamos, pegamos o tal chapéu e rumamos de novo para a pista. Aí descobri que tínhamos outro problema: o carro não acelerava. Pisando fundo, o velocímetro chegava a vinte e na pista de maior velocidade foi possível chegar a cinqüenta, ainda usando a terceira marcha. E só.
Quando passamos em frente a um ponto de taxi comentei que talvez fosse melhor que se tomasse um para garantir a chegada em tempo ao aeroporto, mas antes de decidir chegamos a um posto de combustível: pedi rapidez no atendimento porque o tempo parecia voar pela janela.
Desistimos do taxi quando o carro desceu melhor a ladeira de volta à pista, até me animei, ao que minha filha retrucou: “Se anima não, mãe, é que está na descida. Espera para ver como vai ser na subida do aeroporto”.
Manobrando entre o trânsito da manhã, surpreendentemente livre, fomos filosofando sobre o universo nos ajudar nas coisas quando elas devem mesmo acontecer e, torce daqui para passar uma subidinha, tenta ultrapassar um carro e não consegue, e outros pequenos apertos, chegamos à subida do aeroporto.
A primeira parte foi no embalo, só que tivemos que parar no balão. Arrancar depois, aproveitando uma brecha no movimento de carros, fazer a curva e continuar subindo é que foram elas. Os carros rápidos, inveja, queriam passar por cima da gente e alcançar um ponto onde pudesse ocupar menos espaço foi torturante. Mesmo então, o carro estava tão lento que minha filha ligou o pisca-alerta. Foi alívio porque daí os outros se desviavam mais depressa e não dava aquela angústia, para não dizer constrangimento, de atrapalhar o mundo.
Começamos a brincar analisando a ironia de estar indo para o aeroporto, para uma viagem internacional, aos Estados Unidos da América, e tendo que juntar todas as emoções e criar um campo de energia para o carro funcionar e nos levar ao destino em tempo. Rimos a gargalhadas. Era só o que podíamos fazer. Rumando para o aeroporto, no lugar mais chique da cidade, nós ríamos da situação, ridícula, diga-se de passagem.
Mas chegamos a tempo. Deixei minha querida na plataforma de desembarque, a abracei com carinho, a abençoei; ela me abraçou dizendo que me amava com aqueles lindos cabelos pretos e olhos verdes que deixavam transparecer toda a luz que a inundava ante a expectativa da aventura prestes a começar.
Ainda tinha o caminho de volta a ser feito. Nenhum problema, não mais. Com a tranqüilidade da missão cumprida, mas ainda meio de mim rindo e meio de mim tentando manobrar por entre os carros das ruas da cidade de modo a não incomodar quem estava com mais pressa do que eu – ai se não fosse assim –, cheguei bem em casa.
Depois recebi mensagem avisando que o avião só partiu duas horas depois. Mas levava uma alminha linda e contente; tão contente e feliz que os problemas em terra ficaram pequenos. Muito pequenos.

Por Magda R M de Castro
Brasília, DF, 09 de julho de 2008.

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