quinta-feira, 10 de julho de 2008

O CIRCO

As lonas coloridas disputam a atenção com as luzes brilhantes e as bandeirolas tremulam à brisa da noite. Com o quarteirão todo tomado, foi preciso impedir o trânsito de uma rua para instalar as carroças e os animais. O vai-e-vem é animado com as pessoas que erguem o rosto para o alto, apontando os trapézios, certamente imaginando as acrobacias que acontecerão ali. Há um burburinho na bilheteria; nos alto-falantes, ouve-se, altíssima de estremecer ossos, a música “Os Milionários”... e tudo é festa.
Numa das cercas laterais, meio na penumbra, uma moça observa o circo. Como mágica do palhaço atrapalhado, ela pensa em outros momentos iguais àquele e até em outros um pouco diferentes, mas num tempo muito antigo. Retoma outros dias, quando menina de tranças e vestido curto, rodopiara no “Dango” do parque de diversões habitualmente instalado ali, no mesmo lugar e sente de novo a emoção de estar voando, livre, poderosa, feliz. Lembra que tudo parecia ser feito de luzes. Recorda que sentia, então, o chamado da vida, para partir e procurar o próprio destino, atender às próprias vontades.
O circo, o símbolo de toda fantasia, a maior prova de liberdade, quem quando jovem não quis partir com ele? Quem, quando tolo, ou menos tolo, não sentiu o coração parar no peito quando o trapézio subia para as alturas e, ao acompanhá-lo, extasiado, não divisou o céu cheio de estrelas e então não acreditou ser assim, simples, o palco para cada um?
A moça continua na sombra, deixando o espírito voar e buscar sensações tão caras, como o primeiro namorado, o primeiro beijo, as descobertas de pequenas delícias como tomar Guaraná com a tampa furada de prego, dançar à beira de fogueiras de São João, ler os romances de M. Delly. Nesse tempo, tão distante, sonhava com um bom emprego e um apartamento só seu. E quem não sonhou sonhos nunca vividos? Quem não guarda para si a confusão de querer e temer ao mesmo tempo?
Em meio aos devaneios, alguém puxa a moça pelo braço que, parecendo meio perdida, se assusta. As imagens evocadas cedem lugar a um rosto pequenino, a um garoto chamando “Mamãe!”
A mulher recobra devagar a consciência e tomando, suavemente, a mão do menino se dirige ao caminho que os levarão para casa. Na avenida, o último olhar para o circo colorido mostra, num rosto jovem e sério, a eterna surpresa da vida, o susto de viver algo muito maior do que pôde imaginar um dia. Aqueles olhos parecem ver com pesar as luzes desaparecerem quando dobram a esquina, como se a dona deles estivesse virando as costas para si mesma e para os sonhos de menina...

Por Magda R M de Castro
Novembro de 1991

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