quarta-feira, 30 de julho de 2008

NEM SÓ DE ROSAS E TULIPAS VIVEM AS ABELHAS

Seria uma questão de estética? Talvez não porque estética é confundida com moda, vez ou outra. Prova disso é a Mona Lisa, padrão de beleza um dia, mas não na maioria das sociedades contemporâneas. Seria estética ou moda homens usando perucas nas cortes medievais da Europa? Isso existe ainda nos tribunais da Inglaterra. E para que serve estética ou moda, usar peruca, vestir chita ou seda? Para a salvação da humanidade? Possivelmente não.
Qual é a importância do padrão? A quem interessa o modelo estético atual de beleza? Peles e ossos num esqueleto prestes a desabar num vento mais forte; cabelos domados a ferro e fogo; músculos falsos são úteis? Decididamente não. Ao contrário, é angústia para os que, embotados pela mídia massacrante, se vêem fora do modelo, em conseqüência, fora dos grupos sociais originalmente criados para atender às necessidades de seus componentes.
Referências sociais, sim, são úteis porque os grupos, agora imensos, precisam de certos padrões, só que apropriados, uma vez que viver onde as pessoas são todas iguais deve ser sufocante, além de cercear a criatividade nata do ser humano e enfraquecer almas originalmente puras. E fortes.
Ser forte talvez tenha sido a condição, no passado, para selecionar as espécies que habitariam a Terra. Mas hoje, qual é a utilidade do padrão, febre no mundo? Preservar a espécie? Creio que poucos pensam nisso inebriados pelas conquistas e invenções que tornaram o século XXI o tempo das galáxias. Só que padronizar pessoas impede a capacidade crítica necessária a novos olhares, esses que nos permitem nos reconhecer graciosamente diferentes.
Natureza, propriamente dita é assim: formas, cores, sons, cheiros, seres e elementos de todo tipo que, sabiamente, padroniza para que todos sejam diferentes. Todos têm lugar e valor e a diferença é fator de sobrevivência. Contrariamente, o ser humano quer padronizar tudo. Exemplos disso são as gôndolas de supermercado: tudo esteticamente luzidio, perfeito, igualmente colorido sejam abobrinhas, tomates ou laranjas. O que está torto, arranhado ou com uma pintinha só serve para fazer volume no fundo do tabuleiro. É o império da estética padronizadora: fica por cima a fruta ou o legume, ou a pessoa, que se encaixa no modelo, estranha forma de seleção.
Isso lembra uma visita que recebi no sítio uma vez: a mulher foi muito sincera quando confessou não estar gostando do lugar cheio de árvores tortas, cada uma de um jeito ou tamanho, da poeira, dos morros, da estradinha estreita, dos cheiros de bicho, dos vaga-lumes e mosquitos e de outras coisas. Completou que havia gostado mais de outro lugar com filas de palmeiras iguais, trilhos asfaltados, gramados aparados, casa bonita. Isso é prova do gosto que a estética vigente criou nas pessoas: retas, luzes, cores, a ordem, o igual.
A diversidade, perfeita no equilíbrio de diferentes formas, foi derrotada: o homem artificial dorme em paz sobre o concreto que substituiu a terra sagrada. Não haveria problema, ou, pelo menos, ele não cresceria mais tanto, se fosse contido o avanço sobre os últimos santuários da Terra transformando-os em ruas que não abraçam as chuvas e prédios indiferentes às rotas dos pássaros. O homem avança, derruba e muda tesouros milenares cujo fim era o bem e proteção: tudo deve ser reformulado, enretado, colorido mais fortemente porque a cor natural é tão sem graça. Qual é o propósito disso? Me recuso a aceitar a resposta tradicional: o capitalismo. Não creio mais que seja tão simples assim.
Uma resposta digna da genialidade humana seria que essa gana de transformação é para mudar o destino da vida: a morte. Talvez seja para que a morte se perca entre tantos rostos iguais, se confunda e acabe não escolhendo ninguém. Essa pode ser explicação razoável para a insana determinação em tornar tudo tão igual, em que nada se salva: rios são desviados, montanhas são aplainadas, florestas viram desertos; são eliminados genes, sementes, valores. Para quê?
No Cerrado, tão desamparado e belo Cerrado, se extinguem velozmente as reservas naturais: as árvores tortas, os arbustos de folhas ásperas, os muricis, as cagaitas, as pitombas, as flores pequeninas e rasteiras. Tantas maravilhosas espécies são substituídas pelas intermináveis e retilíneas fileiras de eucaliptos ou pelos oceanos de soja ou sorgo, coisas tão estranhas a esse ambiente e cujo objetivo passa longe de suprir as necessidades locais. É quase irônico quando perseguidores da alta produtividade “limpam” a terra vermelha para plantar estranhos espécimes que não se reproduzem, não geram semente. Será possível continuar a vida sem as sementes?
Enfim, o homem modelou a comida, a vida, os valores, as escolhas. Escolha é importante quando significa o direito de optar pelo que mais convém. Nesses tempos de canais uníssonos de informações, não se tem acesso a todas as opções. Acostumado ao padrão divulgado, o homem tem a ilusão de que está escolhendo. Não está não: está sendo conduzido e não escolhendo. Não está refletindo sobre o caminho do futuro, o está percorrendo às cegas.
Fico imaginando, como exemplo, esse fantástico Cerrado se aqui fossem plantadas somente flores padronizadas em laboratórios, tão iguais em sua exuberância, tão lindas, tão perfeitas. Ah! Mas seria lindo ver tudo tão igualzinho até alcançar o horizonte! Sim, mas é lindo também o Cerrado, abrigo de seres tão diversos onde, apesar da seca castigando, a caraíba ainda arranja um resto de energia para florescer e alegrar o cinza ao redor até que tudo renasça.
E as abelhas, de muitas espécies, umas que gostam das flores da lixeira, outras das flores da congonha, outras da pixirica, da gomeira, da mimosa como ficariam? Será que teriam escolha? Ou seria uma questão de estética? Qual é realmente útil para a humanidade como um todo, a abelha ou a estética? E, seria essa uma questão de escolha?
São muitas perguntas. Muitas podem ser respondidas, creio. E lembrando um amigo respondo a mais uma pergunta: como achar as respostas? Observando a natureza, observando a natureza. Ela tem as respostas, todas elas. Pelo menos enquanto ainda existirem abelhas.


Magda R M de Castro
Brasília – DF, 30 de julho de 2008.

Um comentário:

Felipe Ramos disse...

Amei o texto todo!
Enfim... já sou fã
hehehehe
Bjoz