domingo, 9 de novembro de 2008

AS ONDAS DO TEMPO

Há 2008 anos os homens condenaram um outro homem, um Santo, à morte. Ele era importante, muito mesmo, porque depois de sua passagem o tempo recomeçou. E olha que nós, seres ditos humanos só começamos a existir depois que o Pai d’Ele permitiu; mas quem inventou de começar tudo, de novo, do zero?
Fico cismando se Ele está nos assistindo... e se divertindo. Deve ser muito engraçado ficar sentado numa nuvem branca vendo os homens correndo como formigas pelo Planeta. Bati aqui, esbarra dali, se esborracha todo noutro canto; é escravo ou se mete a ser rei: basta que tenha um tantinho de nada mais que a maioria.
E nesse mundo tão fátuo, o homem não parece perceber que o universo, o infinito, o tempo libertado de nossas insignificantes molduras estão pouco se lixando para suas vontades e pífias sapiências. Vejo isso estudando o passado, como se vivia há 200, 100, 50 séculos, e até antes disso, e comparando como se vive hoje. O mundo virou do avesso e duvido que aqueles mercadores endinheirados, aqueles reis excêntricos ou aqueles pastores famintos pudessem imaginar o que viria em seguida. E ainda somos tão pouco.
Diz-se que a cada descoberta, ou invenção, outra descoberta se segue, fazendo com que a evolução promovida pelo homem supere qualquer expectativa. É a tecnologia; e seria essa mistura de técnica com a sabedoria? Bem, pode até ser, dependendo de seu uso.
Então, quanto às mudanças, vendo-as em linha por todo o passado, avançaram em todas as dimensões: de todos os homens, de todas as máquinas, montanhas e mares, que tornaram o mundo moderno uma confusão de coisas, uma profusão de diferentes interesses. A velocidade com que as mudanças assaltam não absolve o descuidado nem se apieda do retardatário: a onda vai carregando, surda, arrebatadora no seu contínuo avanço.
Algumas mudanças são melhorias, outras, de jeito nenhum. Tenho uma pena danada de ver o campo se transformar em mar, de areia. A terra nua, desamparada e muda sem lhe sobrar ao menos pequenas tiras de verde para lhe proteger as vergonhas. É desolador ver o fino, imperceptível fio de água no fundo do barranco quando um dia a exuberância da fartura de água e vegetação abrigou grandes e pequenos. E pequenos, tantos seres invisíveis, tão importantes para a continuidade de toda a cadeia de vida quanto a maior das descobertas, se extinguem, trucidados pelo fogo, pelo veneno, pela máquina sem alma.
Quantos de nós já viram um bosque inteiro vir abaixo depois que máquinas usando correntes arrancaram árvores, uma depois da outra, de seu pedaço de chão e as colocaram em fila como soldados em campo de concentração para secar, à míngua? Dói, revolta, revolve entranhas. Elas ficam com as raízes rezando, em riste rumo ao céu, mortas, caladas, nem uma lágrima visível. Só o perfume. Exalam um perfume denso, entre o doce e o amargo, que gruda nas narinas, na pele, no coração. Morrem, não choram, deixam a terra amiga entregue a outra “sorte”. Talvez falte um olhar de ternura para os seres que morrem em silêncio. Talvez falte um olhar de futuro, de imaginação de como aquele solo agora solteiro se tornará quando não tiver mais seus nutrientes para oferecer. Claro, a árvore fazia parte de seu ciclo de vida, tirou, tirou o alimento, portanto, ao seu redor também tudo morrerá; em mais tempo ou em menos tempo, mas morrerá.
Tirar árvores dos sertões foi mudança estudada. Foi política de governo avançar para o interior, para ocupar as terras, para anexá-las ao País. Em nome do desenvolvimento – ainda não consegui que me definissem desenvolvimento. Sem brincadeira: estou com livros, de alguns expoentes autores, dos quais já li e reli alguns parágrafos e ainda não estou satisfeita quanto à definição de desenvolvimento. Pesquisei a Internet, nada. Ou melhor, entendi que desenvolver é crescer. A semente cresce e brota o fruto; a pessoa cresce e vira gente; a empresa cresce... e o dono fica rico. Quem mais fica rico?
Voltando ao desenvolvimento, ele foi a razão dessas iniqüidades: terras sagradas, bosques cheios de pássaros, florestas misteriosas, rios doces e frescos de desconhecidos peixes, bichos de diferentes coloridos, foram ignorados na “marcha para o desenvolvimento”. E viva o desenvolvimento! Mas quem é ele mesmo?
Considerando como base filosófica do desenvolvimento, a erradicação da pobreza, a distribuição igualitária de renda e acrescentando a magna decisão de nossa Constituição, do direito de todos pelo meio ambiente saudável creio que há mudanças que ainda não aconteceram. E o lucro de muitos negócios continua indo para pouquíssimos bolsos.
Essa é mais uma forma de desequilíbrio que a sociedade moderna, ou os sistemas que ela utiliza, desenhou. É verdade que há melhorias, que não se passe ao largo delas. Prova disso é a consciência quanto aos problemas ambientais que se globalizou há poucas décadas e tende a continuar. Essa é boa mudança; só que a balança ainda está pendente para um dos lados, e os processos de equilíbrio ora avançam ora retrocedem, portanto, não há, ainda, ações encadeadas para sustentar boas perspectivas para o futuro.
Identificar isso pode nos permitir avançar para o ponto certo, para a instalação de limites, para a sensibilização. E sensibilizar é procurar meios de matar a fome e deixar viver a floresta; de nos proteger e libertar os bichos; de viver bem e deixar cada ser viver também. E não só, acho que podemos fazer mais que isso: podemos defender a natureza por ela mesma; podemos respeitar o curso do rio pela sua mensagem; podemos respeitar as árvores por seu silêncio, as flores pela sua essência, as abelhas pela sua enorme pequenez.
Podemos voltar a ser natureza, a respirar natureza, a sentir natureza. Para essa conquista teríamos que percorrer caminhos anteriores; teríamos que voltar alguns passos nos milênios que nos antecederam e visitar mundos tão diferentes onde, afinal, viveram outros homens que construíram esse tempo para nós. E nós, estamos construindo o quê para quem vem vindo logo adiante?
Ainda, poderíamos usar alguma gentileza para com os que não são como nós e não usam a nossa linguagem para se comunicarem. Um pouco de piedade também para com os seres que sofrem e não têm como nos contar. Um pouco de humanidade, recordação do Homem Santo que nos ensinou que somos muito mais que isso que vemos todo dia.
Falta ao homem contemporâneo reconhecer a própria finitude: perdeu isso contemplando falsas luzes. É preciso retomar a capacidade de criar para o coletivo e não para as corporações, para a alegria conjunta, para a felicidade em grupo, para a paz.
Falta ao homem de hoje reconhecer que é pequeno demais diante do universo e grande demais quando cego por sua ganância. Essa, o maior erro capital, pode levar toda a humanidade, dessa vez em conjunto, a prescrever novas mudanças e novos tempos, tão difíceis quanto aterradores de imaginar.

Por
Magda R M de Castro
Brasília, 09 de novembro de 2008.

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