quinta-feira, 14 de agosto de 2008

FALANDO DE AMOR E INSUFICIÊNCIAS

Essa é minha sina: falar de amor. Rodo, rodo, e me quedo, de novo, falando de amor. Já falei de ódio também, mas pouco. O amor vem me vencendo, vencendo o meu tempo, meus medos e minhas, muitas, insuficiências.
Insuficiência, por exemplo, de mim, daí, tenho que me voltar para o amor porque me vejo nele. Fico colossal quando tem alguém para eu amar por perto. Precisa mesmo ser perto porque também sou insuficiente total quando tenho saudade. Fico pequena, pouca: saudade me quebra toda.
Sou insuficiente também de medidas. Acho que, quase, tudo é possível, mas não tenho imagem completa de mim na cabeça: olho com cuidado detalhes em porta-retratos para me ver. Mesmo assim, fico cismando: a pessoa que está ali não é a mesma dentro de mim. Por mais que tente, não consigo me ver como nas fotos: me entendo bem mais complicada do que aqueles risos de xis.
Também sou insuficiente de senso de ridículo: acho tudo lindo, que todas as pessoas são tão legais! Ainda sou insuficiente na percepção do espaço ao redor: levo tempo para descobrir que já poderia ter ido embora. Geralmente, quero mais um dedo de prosa, mais uma dança, mais uma taça de vinho. É que as coisas boas são tão boas... não gosto de encerrar coisas boas.
Isso me lembra a adolescência. Minha mãe tinha mania de me botar para dentro de casa pelas nove da noite: “hora de dormir, amanhã é cedo!”. Interior, rua de terra, sem iluminação direito, cansei de arrancar a unha do dedão jogando queimada só com a luz da lua, mas pior era ter que ir dormir.
Mas havia insuficiências minhas nas brincadeiras também: tinha que ter porque os meninos nunca me queriam por perto, fossem meus irmãos e primos, fossem os garotos da escola. Para jogar, tinha que dar birra. E ainda não compreendia porque minha presença era tão insuficiente. Nem hoje sei a resposta. E minha coragem é insuficiente para perguntar.
O que nunca foi insuficiente foi minha capacidade de gostar. Ah! Isso fiz muito. Não digo além da conta porque amor nunca sobra, mas não consigo medir, já falei dessa, o quanto já amei. Todo tipo de amor. Um dos mais bonitos, o mais antigo, foi pela minha Mãe: jovem e trabalhadora, cuidando de uma ninhada de filhos, ela era o meu milagre. Depois, amei meus irmãos e irmã. Vivia esperando que chegassem do trabalho, do colégio, da roça. Eram meus ídolos. Depois foram meus primos, uns amores bons outros nem tanto que daí já se misturava outras coisas que nem de longe eram amor, mas na insuficiente leitura de mundo, fiquei caladinha sobre um ou dois acontecimentos confusos: instintivamente achava ser assuntos de gente grande.
Mas compensou tudo o amor pelo meu avô paterno: mistura de irmão, pai, amigo, avô mesmo, de paz e amparo para a garota carente até os ossos. Acho que então foi que começou essa fome de amor e foi porque ele substituiu meu Pai, que foi embora, que o amei tanto.
Amar homens nem preciso dizer das insuficiências. Um a um que conheci me quebrou um pedaço. Cada vez que amei um me gastei, ralei verso e anverso. Mais tarde descobri que foi porque esqueci de amar a mim mesma. Só desde recentemente estou compreendendo o quanto me desamei achando que só poderia ser digna de apreço se tivesse publicada em revista, olha que besteira!
Me transformei no puro amor quando me tornei mãe. Meus filhos, um presente depois do outro, me ensinaram o tipo mais completo de amor. Só depois deles compreendi como é amar sem insuficiências.
De um tipo ou de outro, por amor, ofereci tudo que tinha, fosse alma, fosse pão. Ofereci alegria, fé, casa e cobertor. Emprestei quando não pude dar, mas sem marcar datas de receber. Fui e deixei ir sempre que assim se quis. Perdoei tantas vezes foi preciso: para perdoar não sou, mesmo, insuficiente.
Foi por isso que aprendi a me perdoar também: por ter errado o alvo do meu amor tantas vezes; por tê-lo gastado em corações mesquinhos. Me perdoar por não me amar o suficiente, linda, especial nesse jeito de ser apenas meu. Devo me perdoar por tantas vezes me trai quando ri sem querer da piada de mau gosto, quando me calei ao desrespeito, quando fui contra meus valores. É que ainda era insuficiente de mim.
Estou compreendendo agora, me olhando não em espelhos, mas nos olhos de quem me ama, de quem está pertinho de mim. É que, felicidade! tenho agora a oportunidade de me redimir desse engano e deixar transbordar todo o amor que tenho por todas as criaturas, inclusive eu, ainda tão insuficiente.

Por Magda R M de Castro
Brasília, 15 de agosto de 2008.

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