terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

AINDA É VERÃO

Ainda é verão. E me espanto com isso porque depois que a gente volta à rotina, depois das férias, parece que a estação muda. Muda para o inverno, o outono, no máximo, então é uma dó a gente ter que trabalhar, cumprir tarefas, com a luz do dia lá fora. Tem chuva, que essa é a estação delas, mas os dias de sol quente são muitos também, então é verão mesmo; e ainda vai ser por mais de um mês.
É verdadeira gangorra esse tempo de verão em Brasília: amanhece nublado, até pelo horário doido de ser seis horas no relógio e cinco da manhã de verdade; abre solão pela hora do almoço, fica quente à tarde, tão quente de rachar mamona; pode também fazer uma tarde de vento fresco, calmo que sobrevoa os papéis na mesa, que balança as roupas dependuradas e as barras de vestidos; ou pode ser vento forte que arremessa as portas às soleiras estrondando sustos reboando no coração; ou pode cair um temporal que prende todo mundo pelas salas, pelas escolas, pelo comércio.
Noite dessas, tentei enganar meu sono. Sou dorminhoca e pego no sono fácil, mas nessa madrugada, já passada muito da meia noite, banquei a insistente e fiquei em pé, no escuro, espreitando a chuva pela janela do meu quarto. Uma paz sem descrição invadia o mundo, não havia pessoas nem carros até onde eu podia ver, a enxurrada carregava papéis e folhas para os bueiros fazendo marulhas por causa da chuva grossa.
No contraste com as luzes dos postes, reparei que os pingos dançavam, empurrados pelo vento de tempestade. Relâmpagos iluminavam intensamente me fazendo quase parar de respirar, mas teimava em colar meu rosto às frestas – não abria tudo porque queria o sossego de espreitar sem ser vista, além de estar de pijama – e cortinas de água esmigalhada se levantavam devolvendo a enxurrada ao céu. Observei muitas vezes a água do chão voltar para o alto e encontrar os pingos que desciam com força; daí é que as marolas engrossavam e nada que aparecia na frente escapava.
À luz dos relâmpagos, e também à luz dos postes, essa mais franzina, os elementos se mostravam com todo seu esplendor e eu me divertia em saber que ninguém mais assistia, pelo menos era o que achava. Os telhados, as folhas, o asfalto já estavam limpos mostrando um só quadro de limpidez e frescura. Ah! fazia frio... mesmo sendo verão, e talvez em razão disso. O verão dos contrastes, dos elementos mais vívidos, de mais energia circulando, de maior movimento. Talvez por isso a chuva despencasse do céu em galopes e se arrebentava nas calçadas, nos telhados, nas copas das árvores. Depois corria rua abaixo, lavando, lavando, lavando. Eu estava mesmo com vontade de dormir, mas, mesmo com as pernas doendo, ali, em pé, insisti em ficar para poder sentir o vento frio no rosto, para os respingos cheirosos lavarem também a minha pele, para ouvir a quietude do mundo e observar, de perto, as intrigas da natureza. Fiquei cismando com o céu desabando à minha frente, então comecei a cochilar. Só assim fui me deitar e não sei dizer se o chuvaréu continuou por muito tempo depois.
Nesse momento, é tarde de verão. O sol clareia o mundo apesar de a chuva ter dado o ar da graça pelas duas da tarde. Foi forte porque a água ainda escorria pelas valetas quando sai da livraria; eis porque não a percebi antes. Estiada a chuva, o sol voltou e ainda se esparrama, ilumina e aquece, até demais, apesar de os relógios marcarem quase sete da noite. Pois é: é verão e as invenções dos homens ainda não puderam controlar a luz do sol. Ih! Caramba! Será que não estou falando besteira? E a energia solar como é que fica?
Na verdade, não fica. A gente cata um pouco dessa energia, usa, mas depois ela se evapora de volta ao universo, assim, controlá-la a gente não controla não. Sei porque acabei de olhar o terraço de porta escancarada: um ventinho suave entrou pela saleta. E agora há nuvens se movendo na abóbada azul e talvez ainda tenha chuva antes que se faça noite inteira. Mesmo porque quando comecei a escrever não era nada disso que queria dizer, mas é uma coisa: toda vez que começo um texto as palavras vão me empurrando por aqui, por ali, e dá nisso, ó! Tudo bem, talvez seja o efeito desse verão inconstante, com o qual me pareço tanto: me alegro ou me entristeço por uma bobagem, quer dizer, brilho ou fico enfumaçada à toa, basta um ventinho de nada ou uma nuvenzinha de menos ainda. Apaga, ilumina, esquenta, esfria... coisa pouca, tem 'portância não! Dá licença, vou ali, ver se é sol ou chuva lá fora... é chuvisco. Começa discreto como que envergonhado; fecho janelas, a porta do terraço e me ponho a ouvi-lo, esperando que seu cheiro me alcance. A luz do dia não acabou totalmente, se acinzentou apenas... É que é verão, ainda é verão.

Por Magda R M de Castro
Brasília, 10 de fevereiro de 2009.

Um comentário:

Manda! disse...

Minha mulher maravilha!
Que texto fan-tás-ti-co!


Te amo. :*