domingo, 16 de novembro de 2008

SER SUSTENTÁVEL

A ideia é a de que o homem, a raça humana, é infinitivo: um “ser” a caminho, aprendendo, tentando, experimentando. Existimos há milhares de anos e talvez ainda sejamos começo; talvez tenhamos que passar por certos apertos para nos completarmos. Diz-se que a pérola nasce da ostra quando essa se machuca; será que é por isso que não somos “pérolas”? Até quanto temos que nos “machucar” para sermos preciosos? A filosofia diria que é preciso conhecer o passado para aprendermos com os erros dos que vieram antes de nós; erros de quem fez besteira. Há pontos nebulosos de nossa história que podem sugerir que talvez tenha sido com uma cadeia de erros que o mundo que temos hoje foi moldado. Para que apreender o passado? Para evitar os mesmos erros, sim, pode ser, mas, veja, será que assim se tirará lições úteis para a atualidade? Quais são as semelhanças entre as variáveis com as quais nossos antepassados lidaram com as variáveis de hoje? Esse é um mundo muito novo e talvez precise de algo inédito para conduzi-lo apropriadamente. Sim, mesmo que se busque dar real contribuição ao Planeta, e por que não, ao Universo, creio termos longa estrada à frente. Talvez mais longa do que a da retaguarda, mesmo assim, entre os hábitos antigos e os de hoje, observo muita mudança: roupas, casas, máquinas, cidades, políticas econômicas e sociais,  a famigerada globalização, e a comida. Essa foi tão transformada que mesmo que queiramos não vamos voltar a comer o que comíamos há dez anos, por exemplo. Domingo desses, no café da manhã, pseudocafé diria a caçula, observei isso muito de perto. Bem, era cedo e na primeira refeição, quando meus netos se levantaram num dia preguiçoso, com caras lindamente amassadas e cabelos espetados, o café era solúvel e o leite, pelo menos era o que parecia, saiu de caixa perfeita, branca, com tampinha de rosca. Depois o complemento para o leite saiu de um sachê que se acreditava ser vitamina de mamão e banana; transformados, juntos, num pozinho. O leite e o pozinho foram sacudidos muitas vezes: milk-shake. E, vendo os pequenos devorarem a comida artificial conclui que nos acostumamos a coisas muito esquisitas. Pessoalmente, vez ou outra, como coisas que mais parecem isopor e tomo líquidos de garrafas que nem sei como foram feitos. Se em outros dias tudo vinha dos quintais, hoje tem-se apenas que escolher, em gôndolas, produtos impensáveis no passado. Sim, tempos, comida e pessoas diferentes. E diferentes os problemas, por isso talvez sejam assim também as soluções. Só não é diferente a capacidade do homem de transformar as coisas ao seu redor, melhorando, ou piorando, tudo. Diferente mesmo é o atual impacto de bilhões de pessoas exigindo indefinidamente, coisas; o que não parece estar mudando a contento. É que, apesar de mudarmos tanto, um péssimo hábito vem resistindo e pode comprometer a continuidade da vida: maltratar a natureza. Digo isso ao ver a indiferença de pessoas quanto à adequada participação na tentativa de renovar os serviços naturais no ciclo da vida. E junte-se isso ao fato de que novo hábito foi adquirido: a fatuidade com que lidamos com as "coisas". Usar um produto por apenas enquanto está na moda é um hábito deplorável do “ser” moderno. Descartar objetos para onde nem sabemos é falta de responsabilidade. Então, já que mudamos tanta coisa, precisamos mudar o peso de nossa "pegada". Temos que nos fazer, sempre, a pergunta: quantos planetas seriam necessários para suportar o estilo de vida que levo? Usar muito bem os produtos, aproveitá-los ao máximo, monitorar o descarte depois disso; usar a água para nosso conforto e não para nosso egoísmo; ver além do que de costume; ouvir mais aguçadamente; saber para onde vão o sapato (nem tão) velho, o eletrodoméstico (in)esgotado, o plástico, o vidro; e os efeitos disso. É preciso saber que a fralda descartável fica no chão por 600 anos até ser transformada; e fazer as contas de quanta gente usa tal produto sem nem saber disso. Daí pode-se elaborar apavorante imagem: uma montanha de fraldas – usadas – em frente a cada janela, ao invés de flores e árvores. Essa é obsessão saudável: criar imagens e fazer contas depois de saber que, em média, cada pessoa produz um quilo de lixo por dia. Isso dá quanto no final do mês? No final do ano? E para duas, três gerações? Onde, em sã consciência, vamos jogar tudo isso? O lixo não é coisa simples, inofensiva, ao contrário, sempre faz estragos. Isso porque até que possam ser chamados “produtos”, todos os elementos naturais passam por processos severos de transformação. Para a confecção de computadores, por exemplo, usa-se química pesada e os resíduos tanto da fabricação quanto do descarte após o uso podem liberar partículas de cromo, cádmio, benzeno, arsênico. Uma vez no solo, silenciosamente, essas passarão a fazer parte dos alimentos, do ar, das plantas, de todos os seres vivos. E daí? O que é que tem? Ora, são substâncias silenciosas, digamos, mas nem por isso menos mortais. Como será o mundo depois que muitas dessas partículas tiverem se somado umas às outras? 
Correto, esse é o nosso tempo, sim, e queremos viver bem, mas que não seja com os olhos vendados. Isso porque, se hábitos são diferentes e variáveis são diferentes, cabe que superemos as diferenças residuais que têm atrasado o avanço do homem como infinito: egoísmos e preconceitos segregadores e injustos. Claro, já abrimos mão de hábitos – e ares – puros, então, dá para mudar mais e criar um humano sustentável: sensibilizado para os desafios globais, ciente que a natureza é que nos mantém a salvo. É preciso nos reeducarmos para o mundo contemporâneo do qual recebemos tantos benefícios: que participemos mais, que observemos mais, que sejamos curiosos, que assumamos responsabilidades. Jogar o que não usamos no lixo não é, nem de longe, atitude suficiente para cuidar da Terra. Ser sustentável é muito mais; é reconhecer os efeitos dos resíduos de nosso consumo; é contribuir para gerar menos lixo; é se dispor a fazer pequena parte da ação total necessária; é ter compromisso, verdadeiro compromisso, sem se preocupar com os ganhos. Ganhos, palavra de significado terrível essa quando representa perdas. Sim, se alguém ganha, alguém perde. E hoje em dia, quem está ganhando? E quem está perdendo? Pois é. Questões que devemos nos fazer, todos os dias. Quem sabe então, buscando essas e outras respostas, possamos chegar ao ponto de vivermos melhor e deixar viver melhor. Só que isso não acontecerá por si só: é preciso decidir fazer, é necessária força de vontade para mudarmos e vivermos integralmente esse mundo – presente – e usarmos nossos talentos para fazer das novas variáveis, as condições para cumprirmos o papel de “ser” a caminho. A humanidade, o “ser” tão capaz que habita tão lindo Planeta, tanto deve saber a origem do que consome como saber como e para onde vai o resíduo desse consumo. É "ser" assim que torna cada um "ser" contemporâneo, “ser” humano integral, "ser" sustentável. Sendo assim talvez tenhamos a chance de continuarmos a “ser” infinitivo. Por Magda R M de Castro Brasília – DF, 16 de novembro de 2008.

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