quarta-feira, 20 de novembro de 2024

 MINHA VIDA DE VELHA 3

"VOCÊ É VELHA!"

Aquela cara barbuda estava bem pertinho do meu rosto e falou duas vezes seguidas com contundência: "você é velha! Acho que porque queria me convencer desse fato que sei, muito sei, mas não me importo e vou levando tudo sem me preocupar excessivamente. Daí, o cardiologista barbudo, simpático em todas as medidas, poderia me casar com ele, aplicou terapia de choque. Respondi, nas duas vezes, que tenho orgulho de ser velha, fazer o quê, poderia ser defunto ao contrário. Tenho que gostar de ser velha, pronto.

Ocorre que o choque foi fazendo efeito aos poucos e passei acabrunhada o rosto do tempo de consulta que foi ali por duas horas. Grudada na cadeira, parei de ser feliz como costumo e segui informando tudo de minha vida pregressa prus três profissionais da medicina que revoavam papeis, digitavam informações, me mediam, me perscrutavam. Sim, pode ser que não estava levando a situação a serio, e adiantaria? Ora

Mas me aquietei e deixei que fizessem o trabalho deles. Canseira geral, joelho doendo, chamei o Uber que não apareceu, peguei carona até metade do caminho, segui o resto de ônibus, cheguei em casa debaixo de chuva fina, todas as dores do mundo e o coração e o cérebro em redemoinhos. "Você é velha!", a ladainha se repetiu pelo resto do caminho, pelo dia afora, pela noite adentro. Sim, sou velha. E tenho problemas grandes com meu corpo vivo. Sim, meu corpo está vivo, ainda, nem eu acredito. E meu cérebro tem alguns arranhões e muitas reminiscências. Coração é pela metade, pele e ossos se esforçando, muitas partes espalhando sinais de fumaça. Entretanto, estão vivos, corpo, alma e fantasia. O que importa de quedas, o que importa de pedaços, o quanto importam opiniões e refrões?  Sigo sendo velha, e viva, mesmo que não saiba quanto vai durar. Essa jornada que percorro com todas as bagagens continua e vou percorrê-lo até a última pedra ou flor. 

Por Magda Castro

Brasília, DF, 20 de novembro de 2024.





MINHA VIDA DE VELHA 2

De computador, avião, e amores

Fico encabulada com a facilidade com que os jovens vivem e convivem com as tecnologias atuais. Na quinta-feira a noite, esse computador cismou que era helicóptero e só não saiu voando, mas o barulho que fez ali por duas horas bem podia ser um jato no céu. Depois de tentativas vãs de liga e desliga, puxa tomada, tira fios, resolvi fazer um vídeo e mandar pro grupo. Em instantes, havia sugestões de todos os tipos, e tentei todas. O barulho já estava me irritando além da conta, daí isolei a coisa na cozinha e esperei a bateria descarregar. Fui pra longe remoendo a frustração. E liguei pra companhia que vendeu o aparelho: pediu o código do produto, mas onde mesmo? Tirei foto de números e textos, ampliei, mas não achei o tal registro. "Tá na garantia, mãe!" Para!

Muito tempo depois, repeti outra sugestão e segurei o botão de desligar por alguns minutos, uau, desligou. Respirei fundo, liguei de novo, puf, funcionou. E não cismou de novo de ser avião. Só não sei o que resolveu; deixa pra lá. Obrigada, seus lindos!

Por Magda Castro

Brasília, DF